Cinco visões sobre a lista de Fachin

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17 Abril 2017

O economista Eduardo Fagnani, o historiador Luiz Marques, o filósofo Roberto Romano e os cientistas políticos Reginaldo Moraes e Sebastião Velasco e Cruz, todos docentes da Unicamp, avaliam as consequências da divulgação da lista do ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Foram abertos inquéritos contra 8 ministros, 3 governadores, 24 senadores e 40 deputados.

A reportagem é de Álvaro Kassab e Luiz Sugimoto, publicada por Jornal da Unicamp, 12-04-2017.

Eduardo Fagnani, economista e professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

“A lista de Fachin mostra a crise de um sistema político – esses mecanismos de fazer política – que vem desde a ditadura militar. Aconteceu que a transição democrática foi uma decisão compactuada, inclusive com a base política da ditadura. A anistia fez com que essas relações, essas formas de fazer política, se mantivessem. Os personagens são os mesmos, estão todos aí. Os oligarcas regionais que morreram foram substituídos pelos filhos e netos. Tudo se mantém intacto. Isso que estamos vendo, no meu ponto de vista, revela a questão de fundo: sem reforma política é muito difícil ter qualquer perspectiva daqui para frente.

Certamente, a reforma política não pode ser feita pelo Congresso, não pode passar pelo sistema político. Como governar o país com 30 partidos, em geral não ideológicos, não programáticos, apenas fisiológicos? Como assegurar governabilidade se não com trocas que acabam se transformando em balcão de negócios? Isso perpassa todo o sistema. Ao contrário do que sempre disseram, a corrupção não é privilégio de um partido político, nem do governo federal.

[Sobre os impactos nas reformas, como a da Previdência]. Quero lembrar que estamos em um país que tem déficit de democracia, não é da Previdência – apenas 50 anos de democracia em 500. Faz-se o impeachment da presidente por suposto crime econômico, e assume quem estamos vendo: um conjunto de lideranças, a começar pelo presidente, envolvidas em denúncias gravíssimas de corrupção. A questão que deve ser colocada é: com o golpe parlamentar teve início um programa de governo, sintetizado pela “ponte para o futuro”, que não foi legitimado pelas urnas. Para que, em um ano, sob pretexto de ajuste fiscal, simplesmente destruíssem o pacto social firmado com a Constituição de 1988.

Qual a legitimidade desse governo para fazer essas mudanças? Qual a legitimidade desse Congresso – que tem sob suspeita os presidentes da Câmara e do Senado, 40 deputados e 1/3 dos senadores – para implantar a toque de caixa um projeto liberal ao extremo, que vai aumentar a pobreza e praticamente interditar o futuro do país rumo a um padrão civilizatório? Um cidadão como eu, fica absolutamente à deriva”.

Luiz Marques, historiador e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

Romero Jucá resumiu o significado essencial do processo histórico em curso: ‘Tem que mudar o governo para estancar essa sangria” (“Em diálogos gravados, Jucá fala em pacto para deter avanço da Lava Jato’, FSP, 23/V/2015). A ‘sangria’, entretanto, não estancou e, com o governo Temer agora sob o fogo dos inquéritos, o feitiço definitivamente se voltou contra o PMDB e o PSDB.

Isso posto, enquanto Temer continuar instrumental para o establishment financeiro e o agronegócio, não deve cair. Dilma Rousseff, sobretudo a partir de 2012, fez a degradação da biosfera avançar a passos de gigante. Com o Código Florestal e com sua aliança com Kátia Abreu, cometeu crimes contra a floresta que são, em minha opinião, mais graves, porque mais irreversíveis e mais ameaçadores à vida no planeta, que os crimes de corrupção que ocupam as páginas dos jornais. Cabe a Temer, ‘terminar o trabalho’ iniciado por ela, garantindo os interesses devastadores do agronegócio.

Eis sua pauta:

1) asfixia orçamentária do Ministério do Meio Ambiente;

2) impunidade em relação ao desmatamento, que atingiu 7 mil km2 apenas na Amazônia entre agosto de 2015 e julho de 2016;

3) impunidade em relação às invasões das áreas indígenas;

4) impunidade em relação ao assassinato em série de militantes ambientalistas. Segundo a ONG Global Witness, 207 defensores dos direitos humanos, das terras indígenas e das florestas foram assassinados entre 2010 e 2015, um recorde mundial de Dilma. Mas Temer quer quebrar esse recorde, pois apenas em 2016, a Pastoral da Terra recenseou 61 assassinatos do gênero;

5) impunidades em relação aos maus-tratos infligidos aos animais, em relação aos crimes contra a saúde pública pelos frigoríficos e em relação à compra de carne de fazendeiros que desmataram na Amazônia (Operação Carne Fria);

6) nova pauta legislativa visando processos de licenciamento ambiental mais expeditivos, inclusive com asfaltamento de estradas como a BR-319 (Manaus-Porto Velho), com impactos tremendos sobre a floresta; e

7) recategorização de áreas protegidas, colocando em risco 1 milhão de hectares de terras no oeste do Pará (MP 756/2016 e MP 758/2016) etc.

Essas são as políticas basilares do governo Temer, que diferem das políticas de Dilma apenas quanto ao grau de destrutividade. E é esse o sentido duradouro das ‘reformas’ em que tanto se empenha seu governo, com o apoio tácito ou explícito dos oráculos do “crescimento econômico”, segundo os quais, como afirmou Celso Pastore, Temer está “recolocando a economia nos trilhos”. Quem se mantém informado sobre o agravamento e a aceleração das crises socioambientais em curso sabe bem aonde nos levam esses trilhos”.

Reginaldo Moraes, cientista político e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

“A chamada Lista de Fachin não tem tanta novidade. Afinal, esses nomes já circulavam graças aos tais vazamentos. E até Poliana moça deveria saber que campanhas eleitorais recebem dinheiro –declarado ou não – de empreiteiras, fornecedoras de governos locais, estaduais, federal. Empreiteiras azeitam dirigentes de governo desde a ditadura. E seguiram nesse rumo, uma vez restaurada a chamada ‘democracia’.

Contudo, há, sim, pelo menos uma novidade, aquela que a voz popular aponta quando diz que ‘agora é oficial’. Efeitos e repercussões? Dependem de quem controlar a interpretação dos fatos – isto é, de quem controlar a agenda do info-entretenimento que chamamos de mídia. A seguir como está essa coisa, é de se prever que se espalhe uma percepção de desmonte geral. Ou seja, de erosão das principais lideranças políticas e, também, de deslegitimação do conjunto das instituições representativas – executivos, legislativos.

Já existe em curso, também, a desmoralização dos Tribunais de Contas, cada vez mais aparecendo como escritórios que vendem sentenças, para ‘limpar’ negócios ou para remover governantes inconvenientes aos poderes de fato. O cenário de ‘nada se sustenta’ ou ‘está tudo podre’ não pode durar muito tempo. O desmonte do país abre espaço para soluções ‘heroicas’. Já existe quem as proponha. A cadeia de info-entretenimento fomentará esse ‘apelo’ ao salvador da pátria?

Uma outra novidade da lista está numa ausência: não tem ninguém do Judiciário nas caixinhas? O que, até as pedras sabem, é uma piada. Para complicar o cenário, o quadro internacional é também de incerteza ampliada, com a eleição de Donald Trump. Era evidente a sintonia do governo Temer com a candidatura de Hillary Clinton? Aparentemente, as negociações para entrega do país estavam mais claras. Já não estão”.

Roberto Romano, filósofo e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

“Esta é uma tragédia que vem sendo anunciada há muito tempo. O país está em situação de quase ilegalidade, de muito pouco exercício legítimo do poder, tanto no Executivo e Legislativo, como no Judiciário. Há um debate público que não deveria existir, muitos juízes falantes. Infelizmente, na última fase da Lava Jato e da crise que sucedeu o impeachment de Dilma, os juízes frequentaram muito mais a mídia que artistas. Vivemos um estado de anomia. Segundo [Émile] Durkheim, quando não há normas vigentes, não se obedece a normas e padrões éticos.

Essa lista vem coroar um processo de descontrole institucional muito grande. Primeiro, o vazamento, pois Fachin não esperava que a lista viesse a público, pensou em um prazo para isso. Mas o Estadão, tendo acesso, já publicou. Isso vem sancionar o vale-tudo. O presidente não pode ser questionado por ter o privilégio do cargo, mas o Ministério inteiro está se liquefazendo, não tem Ministério. Os principais nomes dos ministérios estão implicadíssimos, o que significa a reiteração absoluta da falta de legitimidade e ética, não escapa ninguém, é uma radiografia impiedosa da classe política brasileira.

Além disso, as reações são cínicas, como sempre. Há uma negação dos padrões éticos mínimos de responsabilidade. Paulinho da Força diz que tem prestígio é quem está na lista. É de um cinismo atroz. Deviam estar todos cobertos de cinza para explicar o que fizeram e estão fazendo. Boa parte dos analistas e da mídia está mais preocupada com as reformas, deixando passar coisas que vêm dessa prática perniciosa da compra de votos, com bilhões em emendas para aprovar a reforma da Previdência e outras reformas.

Estamos chegando ao resultado mais catastrófico do modelo politico brasileiro, que é o apodrecimento geral do Estado brasileiro. Não há muita luz após essa situação. Esse passo monstruoso da lista anuncia a derrocada inédita do que sobrou de legitimidade do STF. É o anúncio dos fins dos tempos, do apocalipse. Necessitamos de uma mudança radical, de uma nova Constituição e de um novo modelo de Estado”.

Sebastião Velasco e Cruz, cientista político e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

“Fiquei me perguntando as razões de o noticiário na TV sobre a lista não ter me causado grande abalo. Em parte, imagino, porque ela era esperada, sua divulgação tendo sido adiada em razão do acidente que vitimou Teori Zavascki . Sem dúvida, a publicação da lista dos políticos denunciados – entre os quais, 9 ministros, 29 senadores e 42 deputados -- tem impacto, mas é bom lembrar que o andamento dos inquéritos e dos eventuais processos obedecerá o ritmo da PGR e do STF, o que é uma incógnita.

O que nós temos, na verdade, é a confluência de três calendários:

1) o da investigação, que resultará ou não em indiciamentos;

2) o da votação das reformas, como a da Previdência, que são difíceis, porque atentam contra direitos sociais e são muito impopulares; e, por fim,

3) o das eleições gerais de 2018.

O esforço do governo será sem dúvida o de votar o quanto antes as reformas. Alguns membros de sua base parlamentar chegam até a cogitar em fechamento de questão, o que soa como um absurdo, porque as cúpulas partidárias estão mergulhadas em denúncias e não têm legitimidade para decidir por sua conta sobre mudanças na Constituição.

Creio que o andamento das reformas – e suas consequências – está condicionado à mobilização da sociedade na defesa dos direitos ameaçados. Isto pode ter efeito sobre todo o jogo político. Os deputados e os senadores vão pensar muito antes de aprovar as reformas que os indisponham com o eleitorado, já que correm o risco da cassação pelo voto em 2018, perdendo o foro privilegiado.

Isso é importante porque, na ausência deste, eles ficarão sujeitos a processos onde o grau de incerteza é enorme. Na verdade, temos no Brasil um sistema em que a lei vale muito pouco, sobretudo nos últimos três, quatro anos. As leis estão escritas, mas o seu significado é constantemente redefinido pela interpretação livre e “criativa” dos funcionários do Estado encarregados de aplicá-las.

Este fato se transformou num aspecto crucial da crise que vivemos no Brasil. A situação está muito embaralhada, justamente, porque o Judiciário, que deveria ser um elemento decisivo na solução, passou a fazer parte – essencial – do problema”.

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