5º domingo da quaresma – Ano B – Subsídios exegéticos

Foto: Pixabay

15 Março 2024

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF: Dr. Bruno Glaab – Me. Carlos Rodrigo Dutra – Dr. Humberto Maiztegui – Me. Rita de Cácia Ló - Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

Primeira leitura: Jr 31,31-34
Salmo: 50,3-4.12-13.14-15
Segunda leitura: Hb 5,7-9
Evangelho: Jo 12,20-33

Eis o texto

O capítulo 12 de João é composto por várias pequenas cenas que encerram o chamado “Livro dos Sinais” (Jo 2–12). O evangelho deste 5º domingo da Quaresma, Jo 12,20-33, é a quarta cena. Trata-se de um discurso dialogado em que Jesus revela sua missão como doador da vida e, ao mesmo tempo, explicita a missão da comunidade.

O início narrativo (v. 20) fala de gregos que subiram a Jerusalém para participar dos festejos da Páscoa. Estes gregos não são judeus da diáspora, mas simpatizantes do judaísmo, isto é, não judeus que querem percorrer um caminho de fé. Todavia, não são ainda circuncidados e, por isso, não são considerados membros a pleno direito da comunidade judaica. No v. 21 essas pessoas vão ter com Filipe e André. Estes dois discípulos desempenham um papel importante no evangelho de João. André é um dos discípulos de João Batista que se juntam a Jesus. Após permanecer todo um dia com Jesus, André apresenta seu novo Mestre a Pedro (Jo 1,41-42). Filipe é o primeiro a ser chamado diretamente por Jesus e depois o anuncia a Natanael. André e Filipe são protótipos do discípulo-missionário: o encontro pessoal com Jesus impulsiona o discípulo ao anúncio. Este anúncio, todavia, não é uma imposição amarga e legalista, mas uma partilha entusiasmada e aberta, que deixa a pessoa que a recebe totalmente livre para questionar, para fazer sua própria experiência antes de aderir à proposta de Jesus.

O desejo dos gregos é ver Jesus (v. 22). Não é o desejo dos bisbilhoteiros que querem “tirar uma selfie e postar nas redes sociais”. No Quarto Evangelho, o verbo “ver” designa a descoberta do que está além das aparências, até alcançar o mistério. Por isso, um dos temas centrais é a “visão”, que equivale à experiência pessoal com Jesus e a resposta de adesão.
Ao ser informado deste desejo dos gregos, Jesus dá uma resposta estranha e parece ignorar o pedido daquelas pessoas. Suas palavras, no entanto, conduzem o leitor ao âmago do pedido. O que ele diz nos vv. 23b-24 indica o caminho para o discipulado.

Jesus começa afirmando: É chegada a hora de o Filho do Homem ser glorificado (v. 23b): Jesus declara que a hora chegou e que ela conduz à glória (vv. 23.28). Desde o início do Evangelho de João, há uma expectativa acerca da “hora de Jesus”. Em Jo 2,4, 7,30 e 8,20, afirma-se que a sua hora ainda não havia chegado. Mas agora, em 12,23 “a hora chegou”, porque o fato de os gregos buscarem Jesus indica o rompimento das barreiras raciais e culturais e o universalismo da mensagem do cristianismo.

Em seguida, ele usa uma metáfora para dar o sentido dos acontecimentos: Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo que caiu na terra não morre, permanece só. Mas, se morre, produz muito fruto (v. 24). Esta afirmação de Jesus faz lembrar a parábola do semeador (Mc 4,3-9 e paralelos). Nos sinóticos, a semente é usada como símbolo tanto da Palavra como do Reino de Deus. Em João, porém, a semente/grão é Jesus mesmo, que aqui faz entender o significado de sua morte. A morte é a condição para que se libere toda a energia vital que a semente contém: o fruto começa no grão que morre. Esta dinâmica é a própria vida-morte-ressurreição de Jesus, é a história da Salvação.

O v. 25 completa a metáfora: Quem quer bem a sua vida a perde, e quem odeia sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna. Jesus afirma que morre, não como ato final, mas como passo necessário para recuperar qualidade de vida. Portanto, o amor-próprio e o sentimento egoísta são incompatíveis com a adesão ao compromisso; são limitações que levam ao insucesso o projeto de Jesus pela “vida de sobra”. O egoísmo e o apego à vida levam a ceder diante das ameaças e, portanto, não só tornarão impossível amar sem limite, mas também acabarão cedendo ao mecanismo da injustiça.

No relato joanino da Paixão (Jo 18–19) não há nenhuma cena de agonia como nos sinóticos (Mc 14,21-42 e paralelos). A única referência em João a uma crise pessoal de Jesus diante de seu destino é o v. 27 do evangelho de hoje: Neste momento minha alma está perturbada. E, que direi? Pai, salva-me desta hora? Não obstante, Jesus manifesta a plena adesão ao projeto do Pai: Mas foi para isto que cheguei a esta hora. Esta é a hora para a qual sua vida está orientada desde o início. No Quarto Evangelho fica claro o conceito de que a cruz é o fruto de uma decisão consciente, um ato de doação livremente assumido.

Jesus continua: Pai, glorifica o teu nome! (v. 28), o que corresponde ao pedido do Pai Nosso “Santificado seja teu nome” (Mt 6,9). Este pedido não é que os homens glorifiquem a Deus, mas o próprio Deus se faça conhecer ao mundo.

O Pai responde. Para Jesus (e para os leitores) a resposta é clara: Já o glorifiquei e o glorificarei ainda (v. 28). Para os presentes, porém, tudo parece um trovão. A voz/ trovão recorda as antigas teofanias em que Deus se dirigia ao povo por meio de um porta-voz (Ex 19,16.19). No êxodo do Egito, os israelitas e o próprio Moisés não puderam ver a glória de Deus (Ex 33,18; 34,29). Agora, porém, o Pai se manifesta diferentemente: com autoridade de Filho de Deus, Jesus promete acesso direto a esta nova teofania, para que, ali onde ele está, estejam também as suas discípulas e seus discípulos (v. 26). Não há mais, portanto, necessidade de mediador: a glória de Deus será visível em Jesus (Jo 12,45; 14,9). De certo modo, isso é cumprimento do que está na primeira leitura de hoje (Jr 31,31-34), mais especificamente o v. 34: Eles não terão mais de instruir seu próximo ou seu irmão, dizendo “Conhecei a YHWH!”, porque todos me conhecerão, dos menores aos maiores.

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