A vida mais forte que a morte

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23 Março 2012

Todo dom de si, todo avanço, toda morte em si mesma, molda nosso ser de eternidade. Nossa ressurreição já começou.

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 5º Domingo de Quaresma - ciclo B (25 de março de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto.

Referências bíblicas:

1ª leitura: Je 31,31-34
Evangelho: Jo 12,20-23

Cada vez mais nós nos aproximamos da festa da Páscoa, a festa das festas, a festa do Amor por excelência, a festa da Ressurreição, da Vida. Que imagens utilizar para experimentar a Vida com V maiúsculo, a vida mais forte que a morte? A vitória do Cristo da Páscoa? São João, no seu evangelho, utiliza a imagem do grão de trigo...

O semeador se faz semente

Lembremos desta bela parábola de Mateus: “O semeador saiu para semear” (Mt 13,3). Como os evangelhos foram escritos após a Páscoa, esse semeador é já o Cristo Ressuscitado, saído de Deus para semear a semente do Reino, a semente do Reino do Amor. Mas esse semeador, o Verbo feito carne, em São João, se fez semente, grão de trigo caído na terra para fecundar. O teólogo francês Michel Hubaut escreve: “Essa pequena parábola do grão que morre para renascer é uma das mais ricas dos evangelhos. Só ela valeria um tratado inteiro sobre a encarnação, a redenção, a fecundidade secreta de toda vida animada pelo amor, o mistério do dom de si que faz surgir a vida”.

Eis a lógica do Amor: o Amor não pode fazer outra coisa senão dar a vida. Mas para expressar-se na sua totalidade, ele deve ir até a morte: “se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto” (Jo 12,24). Um grão de trigo depositado num prato na borda da janela fica um grão de trigo durante séculos... Por outro lado, se o colocarmos na terra, na noite, na umidade e no frio, o grão vai transformar-se para se converter em espiga de trigo com uma multidão de grãos de trigo. Assim também acontece com aquele ou aquela que nós amamos. Mas por quê? Simplesmente porque o Amor, para existir e subsistir, não pode fazer sofrer e morrer aquele ou aquela que deseja amar. Um dia ou outro, todos devermos nos ultrapassar a nós mesmos, essa é a hora do Amor que vai exatamente até o final de nós mesmos, como a hora da mulher grávida, pois o Amor dá a vida: “Quando a mulher está para dar à luz, sente angústia, porque chegou a sua hora. Mas quando a criança nasce, ela nem se lembra mais da aflição, porque fica alegre por ter posto um homem no mundo” (Jo 16,21). Eis por que, para examinar a totalidade do Amor, Jesus entregou a sua vida para que nós tenhamos Vida: “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).

O Amor é divino

Lembremos esse tão bonito poema do Cântico dos Cânticos que diz: “Grave-me,como selo em seu coração,como selo em seu braço;pois o amor é forte, é como a morte!Cruel como o abismo é a paixão.Suas chamas são chamas de fogo,uma faísca de Javé!” (Ct 8,6). Esse grão de trigo que morre e dá seu fruto é um símbolo deslumbrante da vida pascal de todo cristão que deve escolher entre uma vida estéril ou uma vida fecunda. Não é nunca sem dor! Todos nós somos convidados a entrar neste mistério da fecundidade: “Se alguém quer servir a mim, que me siga. E onde eu estiver, aí também estará o meu servo. Se alguém serve a mim, o Pai o honrará” (Jo 12,26). Quantas mortes de si para amar verdadeiramente o outro: “Quem tem apego à sua vida vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundovai conservá-la para a vida eterna” (Jo 12,25). E como são seres humanos que amam esse Amor divino, São João acrescenta: “Agora estou muito perturbado. E o que vou dizer? Pai, livra-me desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27). Mas que felicidade interior ao amar verdadeiramente! Sem dúvida, é uma cumplicidade secreta com Deus, pois quando eu me entrego com amor é quando eu mais me assemelho a ele!

Com o evangelho de hoje, estamos longe dos julgamentos, dos rechaços, das condenações e das exclusões. Isso não nos conduz a nenhum lugar, mas sim para bem longe do Deus de Jesus Cristo: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Então, como é que ainda hoje na nossa Igreja nós façamos julgamentos e condenações tão facilmente dos mais fracos dentre nós? Não há aí uma contradição com o evangelho? Quando aplicamos o Direito Canônico em lugar do Evangelho, nós contradizemos a mensagem de esperança de Cristo Ressuscitado e deformamos o rosto de Deus. Se nós cremos verdadeiramente que Cristo morreu por Amor, nós devemos crer também que está sempre vivo, pois o Amor entrega a Vida. E como nós vivemos para ele e dele, nós devemos viver no Amor, ressuscitados. Precisamos, então, passar da Sexta-Feira Santa ao Domingo de Páscoa.

A cruz se faz luz

Morrendo numa cruz por Amor, Cristo é ressuscitado e ele salvou a todos, sem exceção. Por que ainda hoje buscamos nos salvar? Ficamos parados ou bloqueados na Sexta-Feira Santa? O que esperamos para fazer que se levante o Sol da Páscoa? A cruz se faz luz: ela é caminho de vida. Para os crentes, ela é um ponto de referência na noite. Segui-la não é para nos contentar no sofrimento e na morte; diferentemetne, é para encontrarmos o Cristo vivo. Quanto tempo perdido nos impondo sacrifícios, privações e mortificações de todo tipo! Em lugar de gastar esse tempo em amar! Michel Hubaut escreve: “Jesus nos convida a não chorar sobre a sua paixão e a sua morte, mas a ousar seguir o seu mesmo itinerário de vida. Esse Amor que morre por amor a nós, esse amor crucificado é uma luz que atravessa as trevas das nossas provas... Ressuscitado, Jesus traçou na cova da humanidade e da nossa vida, uma corrente de luz, imprimiu uma misteriosa atração, cavou uma chamada infinita que nos coloca no caminho. Todo dom de si, todo avanço, toda morte em si mesma, molda nosso ser de eternidade. Nossa ressurreição já começou”.

 

Para concluir

O Cristo da Páscoa realizou plenamente essa Aliança nova anunciada pelo profeta Jeremias, no momento do Exílio de Babilônia, narrativa que temos hoje na primeira leitura: “A aliança que eu farei com Israel depois desses dias é a seguinte – oráculo de Javé: Colocarei minha lei em seu peito e a escreverei em seu coração; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo” (Je 31,33). Essa Aliança nova, inscrita nos corações, nos torna capazes de amar e nos convida a liberar outras pessoas de todo o que lhes impede de amar: “Porque todos, grandes e pequenos, me conhecerão – oráculo de Javé. Pois eu perdoo suas culpas e esqueço seus erros” (Jr 31,34). A Aliança nova, dizia um teólogo belga, é aquela da fé no estado puro: uma nova criação, uma recriação... É a obra da Páscoa! 

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