Silvicultura: a praga do pampa gaúcho? Entrevista especial com Eridiane Lopes da Silva

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08 Janeiro 2008

A introdução da silvicultura no pampa gaúcho pode ser vista como uma alternativa econômica saudável e compensatória? Para a engenheira agrônoma Eridiane Lopes da Silva, “não podemos incorrer no erro de analisarmos ambientalmente um projeto através de visões extremistas, sejam elas excessivamente ‘preservacionistas’ ou ‘desenvolvimentistas’”. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ela disse que a plantação de eucalipto deveria ser aplicada através do processo agrosilvopastoril. Esse sistema de produção, explica, “evita que as espécies de fauna e flora relacionadas ao ecossistema ‘campo’ sejam deslocadas ou extintas localmente”. Assim, seria possível garantir o “meio termo entre conservação do pampa e a produção econômica”, considera.

Além de não demonstrarem interesse de implantar esse sistema no Rio Grande do Sul, as papeleiras contribuem efetivamente para a emissão de gases estufa. “Ao cortarem as árvores e realizarem o processo de industrialização da celulose até a obtenção do papel, este carbono será novamente emitido para a atmosfera. Essa é a principal forma de elevação de gás carbônico contribuinte para o aquecimento global”, afirma.

Eridiane garante que é possível alcançar o desenvolvimento e gerar empregos na região “a partir do uso da biodiversidade”. Empresas estrangeiras de produtos farmacológicos e indústrias de biotecnologia estão enriquecendo com a extração de substâncias retiradas de plantas e animais do bioma. “Desconhecemos as riquezas que temos no pampa e precisamos gerar este conhecimento, para que possamos aprender como gerar renda e empregos, ao invés de perdermos esta biodiversidade pela conversão em monoculturas”, finaliza.

Eridiane Lopes da Silva é graduada em Engenharia Agrônoma, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, atua como analista ambiental do Ibana (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), participando do GT Pampa. Chefe da Área de Proteção Ambiental do Ibirapuitã, Unidade de Conservação Federal de Uso Sustentável, Eridiane mantém no ar o site Bioma Pampa e o site Conselho Gestor da APA do Ibirapuitã.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Com a introdução do plantio de eucaliptos e outras monoculturas, o ecossistema do pampa gaúcho sofrerá alterações?

Eridiane Lopes da Silva - Sem dúvida. Quando uma área de campo, de mata nativa ou de banhado é convertida em qualquer outra coisa - seja uma lavoura, um plantio de árvores exóticas, uma estrada ou uma barragem -, automaticamente estamos alterando o ecossistema do pampa. Atualmente, a principal causa de perda de biodiversidade mundial ocorre devido à conversão de habitats. O Brasil é um dos países que assinou e ratificou sua adesão à Convenção de Diversidade Biológica (CDB), e isto significa dizer que um dos compromissos assumidos (junto com outros 168 países) é o de adotar estratégias que diminuam a perda de biodiversidade em seu território nacional. Sabemos que é necessário atender as necessidades da população humana. Porém, não podemos incorrer no erro de analisarmos ambientalmente um projeto através de visões extremistas, sejam elas excessivamente “preservacionistas” ou “desenvolvimentistas”.

Foi-se o tempo em que o meio ambiente era visto como mera fonte de inspiração poética. Temos tantos exemplos de projetos mal conduzidos com desastrosas conseqüências ambientais - que acabam vitimando o próprio homem -, que se tornou inadmissível não enxergarmos as questões ambientais como estratégicas para a sobrevivência humana.

Preservação

Os ecossistemas devem ser entendidos como um grande tabuleiro cheio de peças de dominó enfileiradas em pé: dependendo as peças que retiramos, deixamos uma parte do tabuleiro sem a “ligação” com as demais peças e ainda corremos o risco de que durante a retirada de uma peça possamos acabar derrubando em seqüência todas as demais. Seguindo esta lógica, se imaginarmos que cada peça do dominó é uma espécie e que todas as peças em pé formam o ecossistema, será possível imaginarmos as conseqüências da extinção de uma espécie sobre as demais existentes dentro desse ecossistema.

Estamos falando de um bioma que dispõe de poucos estudos ecossistêmicos. Existem poucos inventários sobre as espécies que compõem o pampa e a maioria das relações entre essas espécies ainda é desconhecida. Isto dificulta as análises ambientais, pois fica difícil saber com certa segurança quais “peças” deste “tabuleiro” podem ser mexidas e qual a melhor forma de “alterá-las”, sem correr o risco de pôr todo o “jogo da vida” do bioma em risco. Dentro do GT (Grupo de Trabalho) pampa do Ibama/RS, temos trabalhado com um princípio básico: ponderação. Temos tentado conciliar as necessidades de ambos os lados: empreendedores e ambientalistas, buscando a melhor forma de viabilizar a instalação dos empreendimentos de silvicultura sem, com isso, implodir a viabilidade das relações ecológicas estabelecidas no pampa.

IHU On-Line - Como a senhora tem percebido essas plantações? Elas põem em risco as plantas endêmicas do bioma?

Eridiane Lopes da Silva - Dispomos de poucas informações sobre as espécies que compõem o pampa. Possivelmente, há muitas espécies que ainda são desconhecidas pelo restante do mundo e que talvez só ocorram aqui nesta parte do planeta. Uma área que tinha diversas espécies vegetais, animais e microrganismos que interagiam com o solo e com o microclima local passa a ser totalmente substituída por apenas uma espécie de planta (monocultura), e muitos dos animais e microrganismos não mais encontrarão naquela área alimento ou condições ideais para sua reprodução e abrigo. Além de termos uma diminuição brusca da biodiversidade daquela área, ainda teremos a alteração das condições de microclima e de química e física do solo, pois estaremos substituindo uma infinidade de relações plantas-solos-fauna-microrganismos. Com isto, certamente, as condições ideais que proporcionavam um habitat específico para algumas espécies de planta (e de fauna também) serão perdidas, podendo sim ocasionar a extinção de espécies que só existiam naquela área.

Para os adeptos do extremo “desenvolvimentista”, este discurso pode parecer “absurdo”, porém, se pensarmos em quantos produtos de uso farmacológico têm sido descobertos através da manipulação de substâncias presentes em microrganismos, plantas e animais através da indústria de biotecnologia e quantos milhões de dólares esta indústria têm gerado a partir destes produtos, nosso discurso toma outra proporção, inclusive com impacto positivo sobre a geração de empregos que proporcionem melhores condições de trabalho e de vida. Desconhecemos as riquezas que temos no pampa e precisamos gerar este conhecimento, para que possamos aprender como gerar renda e empregos a partir do uso da biodiversidade, ao invés de perdermos esta biodiversidade pela conversão em monoculturas para a produção de matéria-prima - que irão gerar trabalho e renda em outros países. Do contrário, continuaremos como o homem da fábula: vendeu sua casa, porque não gostava da vista, e ainda ficou indignado quando o novo dono encontrou ouro enterrado no jardim.

IHU On-Line - É possível desenvolver sistemas de integração entre as práticas de silvicultura, agricultura e pecuária?

Eridiane Lopes da Silva - Claro que sim. Temos clareza que é necessário atender as necessidades da população humana: produção de alimento, geração de renda, produção de madeira etc. Desde o princípio, chegamos ao consenso no grupo que o foco das nossas discussões técnicas não deveria ser a espécie (eucalipto, pínus etc.), mas sim o sistema de produção proposto. É muito diferente integrar a produção de pecuária+agricultura+silvicultura em uma propriedade e, converter grandes áreas em monoculturas de árvores. Na primeira situação, é possível manter boa parte da biodiversidade local, enquanto no sistema de produção “monocultura” você produz uma perda drástica desta biodiversidade local. Isto é ainda mais acentuado quando esta introdução de árvores ocorre em um bioma em que “árvore” só existe em mata de galeria (mata ciliar ao longo de rios e sangas).

Produção agrosilvopastoril

Dentro da Área de Proteção Ambiental do Ibirapuitã, existem algumas propriedades que utilizam o sistema de produção “agrosilvopastoril” com eucaliptos. Este sistema de produção evita que as espécies de fauna e flora relacionadas ao ecossistema “campo” sejam deslocadas ou extintas localmente. É um meio termo entre conservação do pampa e produção econômica. Mas, infelizmente, não é este o sistema que as empresas desejam instalar aqui no Rio Grande do Sul. Durante um seminário realizado em Alegrete/RS, na Semana do Meio Ambiente em 2006, em diversas oportunidades o diretor da Stora Enso, que estava presente ao evento, foi questionado se era o modelo agrosilvopastoril que a empresa desejava instalar nas propriedades que pretendia adquirir e ele foi franco ao admitir que para sua empresa este sistema não seria viável economicamente. Mesmo assim, em todos os eventos relacionados à silvicultura, este sistema de produção tem sido apresentado, induzindo a população a pensar que este será instalado pelas empresas.

É difícil trabalhar com conceitos ambientais junto à população, pois a maioria deles é complexa, sendo impossível usar simplificações que não gerem interpretações equivocadas. Agora imagine, em 4 horas de audiência pública, tentar passar muitos conceitos ambientais para um público com diversas pessoas de baixa escolaridade que a todo instante intervêm dizendo que precisam dos empregos que serão gerados, e ainda esperar que este público saia da audiência compreendendo o que é o empreendimento e quais são suas conseqüências positivas e negativas. É impossível.

IHU On-Line - Em Bali, empresários e o governo discutiram a possibilidade de substituir o coque (combustível fóssil) por carvão vegetal renovável. Ocorre que esse carvão vegetal será obtido através do corte de florestas maduras. Essa alternativa poderá gerar mais emissões de gases com efeito estufa? A plantação de eucalipto, nesse contexto, poderá se tornar "imprescindível"?

Eridiane Lopes da Silva - Independente do tipo de árvore, as máquinas utilizadas no corte e transporte dessa madeira estarão gerando gases causadores do efeito estufa. A produção de carvão é feita em fornos e também gera gases que contribuem para o aquecimento global. Isso sem contar que a queima do carvão para gerar a energia também irá gerar gases causadores do efeito estufa. Esse método é um retrocesso a um modelo ultrapassado e ambientalmente inviável. Imprescindível é estimularmos a pesquisa e a adoção de fontes energéticas com menor impacto ambiental. Acredito que nosso maior erro é desejarmos pensar em megaprojetos e mega-soluções para a geração energética. Nunca pensamos em como gerar energia para uma indústria, um bairro ou para uma região do município. Ao contrário, sempre pensamos em soluções megalômanas. Hoje, temos diversos exemplos mundo a fora de projetos de geração de energia alternativa (eólica, sola, etc.) que atendem um condomínio, uma empresa, uma propriedade rural ou até mesmo uma cidade. Por que não copiar estas experiências?

IHU On-Line - As folhas do eucalipto e do pínus possuem um alto poder de combustão? Essas espécies exóticas podem contribuir para o aumento da elevação de gás carbônico na camada de ozônio?

Eridiane Lopes da Silva - Quem já visitou uma plantação de pínus teve a oportunidade de visualizar um grande “tapete marrom” formado pelo acúmulo de acículas (folhas) sob as árvores. Como retém pouca água e demora a se decompor este material tem alto potencial combustível e queima muito rápido. Já uma plantação de eucalipto não acumula tanto material seco, já que suas folhas retêm mais umidade e se decompõem com mais facilidade que as acículas de pínus. Combater um incêndio em área florestal é sempre mais complicado do que em uma área de campo. Mesmo países com mais estrutura logística que o Brasil (como Canadá e EUA) são palco de grandes incêndios florestais, com sérias conseqüências econômicas, como destruição de casas, lavouras e de sistemas de transmissão de eletricidade e telefonia. Todavia, um incêndio em área de cultivo de árvores exóticas é uma forma “extrema” de emissão de gases de efeito estufa.

Muitos técnicos têm falado que um dos benefícios do plantio de árvores envolvido nestes empreendimentos será a captura de carbono e a contribuição para diminuir o aquecimento global. Porém, isto é uma forma de manipulação da opinião pública, pois omitem o restante da informação: ao cortarem estas árvores e realizarem o processo de industrialização da celulose até a obtenção do papel, este carbono será novamente emitido para a atmosfera. Esta é a principal forma de elevação de gás carbônico contribuinte para o aquecimento global, que será proporcionada pelos empreendimentos de silvicultura baseada na produção de celulose. Eticamente, o plantio de árvores somente pode ser contabilizado para a diminuição do aquecimento global se estivermos falando de árvores que serão plantadas e serão preservadas intocáveis, contribuindo efetivamente para a captura do gás carbônico presente na atmosfera.

IHU On-Line - Se outras licenças para o plantio forem liberadas, que regras essas empresas devem cumprir?

Eridiane Lopes da Silva - Quando o estado anunciou a formulação de um Zoneamento Ambiental para a Silvicultura (ZAS) e que este zoneamento seria financiado pela Associação Gaúcha de Empresas Florestais, ficamos apreensivos que este instrumento fosse utilizado para chancelar tecnicamente tudo que estava correndo bem e que os projetos das empresas de silvicultura poderiam ser instalados tal e qual as empresas desejavam. Tivemos medo que dados fossem omitidos ou manipulados, mas felizmente nada disso ocorreu. O trabalho inicialmente produzido pelos técnicos da Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) e da Fundação Zoobotânica reuniu dados de diversos pesquisadores e permitiu uma análise de algumas das fragilidades do pampa. Foi um trabalho ponderado, pois ao invés de dizer que a instalação dos empreendimentos era inviável, indicou cerca de 9 milhões de hectares como áreas em que estes empreendimentos poderão ser instalados. Partiu do princípio de precaução: nas áreas em que os técnicos ficaram em dúvida por não disporem de dados suficientes para um parecer com segurança técnica de que não ocorreria a implosão do ecossistema, eles indicaram que não deveria haver o plantio, permitindo que haja tempo para que outros estudos sejam realizados nestas áreas e seja feita nova análise.

No entanto, surpreendeu-nos a emissão de licenças sem que fosse respeitado o ZAS e, mais ainda, a tentativa de desqualificação técnica deste documento. A maioria das pessoas, inclusive alguns técnicos, que desqualificaram o Zoneamento elaborado pela Fepam e pela FZB sequer o leram. O ZAS não é um documento acabado, deve sim ser revisto, assim como foi feito com o Mapa de Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade. Porém, sua revisão deve ser técnica e ética. E quando falo que deve ser ética estou querendo deixar claro que os técnicos que deverão realizar esta revisão não poderão ter nenhum envolvimento direto com os projetos de silvicultura, para que possam emitir pareceres isentos.

Não sou “brizolista” e menos ainda partidária, mas há uma frase do Leonel Brizola que traduz bem o que quero dizer: “Os interesses! Os interesses é que movem o mundo!”.  Podemos esperar que todos os técnicos que estão sendo pagos ou que desejem prestar consultoria para a empresa, ou ainda se beneficiar do mercado de trabalho que será criado por esta empresa possam emitir pareceres tecnicamente “isentos” e que vão contra seus próprios “interesses”?

Enfim, minimamente, teríamos certa segurança de estarmos protegendo o que resta do bioma pampa se as licenças ambientais respeitassem a versão original do ZAS, evitassem a instalação de empreendimentos nos remanescentes de campo nativo indicados no Mapa de Vegetação do Pampa (MMA e UFRGS, 2007) e evitassem a instalação de empreendimentos nas áreas indicadas pelo Mapa de Áreas Prioritárias (Portaria MMA nº 09/2007) como de Importância Biológica “Muito Alta” ou “Extremamente Alta” e como de Prioridade de Ação “Muito Alta” ou “Extremamente Alta”. Ainda tenho esperanças de que o pampa não seja mais um dos derrotados pela “política do fato consumado”.

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Silvicultura: a praga do pampa gaúcho? Entrevista especial com Eridiane Lopes da Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU