A nova OTAN

Foto: Bill Smith | Flickr CC

01 Julho 2022

 

"A OTAN báltica do pós-Ucrânia encontra um reequilíbrio mediterrâneo, que afeta de perto a Itália. Mas trata-se de um reequilíbrio parcial; será sobretudo nesse terreno que a União Europeia terá de assumir maiores responsabilidades diretas", escreve Marta Dassù, em artigo publicado por La Repubblica, 30-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Como a Aliança Atlântica muda após a Cúpula de Madrid: o desafio da China e a ameaça da Rússia

 

A invasão russa da Ucrânia resolveu a crise de identidade da OTAN. Vale sempre a lei de que as alianças militares, para funcionar, precisam de um inimigo: Vladimir Putin assumiu plenamente o papel, permitindo que a OTAN deixasse para trás a "crise terminal" de que Macron falava em 2019. Na Cúpula de Madri, a OTAN redescobriu sua função original: a defesa coletiva da área euro-atlântica em relação a uma Rússia que representa – conforme pode ser lido no novo Conceito Estratégico - "a ameaça mais significativa e direta à segurança aliada".

 

Durante anos, após a queda do Muro de Berlim, a OTAN oscilou entre diferentes escolhas: alargamento aos antigos membros do Pacto de Varsóvia, intervenção de 1999 no Kosovo, apoio aos Estados Unidos no Afeganistão após o 11 de Setembro. Finalmente entrando em uma espiral descendente, com as dúvidas explícitas de Trump sobre sua utilidade e a desastrada gestão da retirada de Cabul.

 

Hoje, tudo isso parece pertencer ao passado: no presente, a Aliança Atlântica aparece para as democracias ocidentais como a escolha de segurança mais racional para enfrentar um confronto com a Rússia de Putin que promete ser longo e difícil. Não se trata apenas de um atlantismo de retorno dos governos: as pesquisas confirmam que as opiniões públicas na Europa e nos Estados Unidos estão a favor da OTAN. Mesmo em dois países tradicionalmente neutros como Suécia e Finlândia, que iniciam seu caminho de adesão à OTAN a partir de Madri. Uma vez que o veto de Erdogan caiu, a Aliança se estende aos países escandinavos. Putin queria uma OTAN mais longe de suas fronteiras, obteve o oposto: haverá uma longa linha de contato entre a Rússia revanchista de hoje e uma área euro-atlântica que está se reorganizando.

 

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Em que linhas? Uma lição decisiva da guerra na Ucrânia é que a OTAN deve tornar mais credível a defesa coletiva da Europa. Em suma, deve retornar, em condições diferentes e num mundo que já não é mais bipolar, à lógica essencial da velha Guerra Fria: a capacidade de defender todo o território aliado, dissuadindo os ataques convencionais nos países mais expostos (Repúblicas Bálticas e flanco leste) e reforçando a dissuasão nuclear.

 

Isto explica parte das decisões anunciadas em Madrid: o aumento das forças de reação rápida da OTAN de 40.000 para 300.000 homens, o reforço da presença militar estadunidense na Europa (com novos sistemas de defesa aérea na Alemanha e Itália, outras tropas na Romênia e um novo comando na Polônia), a decisão de "pré-atribuir" contingentes nacionais a eventuais missões conjuntas. Basicamente: estamos diante do primeiro verdadeiro fortalecimento das forças militares aliadas em várias décadas e de uma mudança parcial da doutrina operacional, para tornar as primeiras linhas de defesa mais resistentes a um eventual ataque.

 

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A segurança euro-atlântica, no entanto, não está apenas ligada à nova guerra fria com Moscou. O conceito estratégico aprovado em Madrid também menciona pela primeira vez a China, argumentando que Pequim representa um “desafio sistêmico” aos interesses, segurança e valores dos países aliados. Nesse caso, não foi fácil encontrar um acordo entre os Estados Unidos, que ainda veem a China como o verdadeiro competidor no longo prazo, e parte dos europeus, preocupados em evitar uma aliança entre Moscou e Pequim. Mas se trata do necessário trade-off entre a dimensão regional em que a OTAN opera e a partilha do risco global. Não por acaso, quatro parceiros asiáticos (Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Austrália) foram convidados pela primeira vez para uma cúpula da Aliança Atlântica. Do ponto de vista dos Estados Unidos, está se perfilando um duplo sistema de alianças, com sistemas democráticos no centro e com os EUA como pivô.

 

A OTAN glocal que emerge da cúpula de Madrid naturalmente tem também uma frente sul, onde se testa a capacidade de gerir múltiplos desafios: controle das áreas de crise disputadas entre Rússia e Turquia (Líbia, Síria), futuro do Sahel, segurança energética e alimentos, terrorismo, tráficos ilegais. Em suma, a OTAN báltica do pós-Ucrânia encontra um reequilíbrio mediterrâneo, que afeta de perto a Itália. Mas trata-se de um reequilíbrio parcial; será sobretudo nesse terreno que a União Europeia terá de assumir maiores responsabilidades diretas.

 

Até aqui as escolhas anunciadas. Mas depois aqueles que restam e ainda podem dividir. Por exemplo, o nó dos gastos militares, com uma série de países, incluindo a Itália, ainda longe dos níveis acordados. Em seguida, a futura atitude dos EUA: o que restará, em 2024, dos empenhos assumidos ontem por Joe Biden? E, sobretudo, a grande incógnita ucraniana, com os dilemas da manutenção do consenso interno nas democracias ocidentais. Putin parece estar convencido de que o tempo jogue a seu favor. A cúpula de Madri, depois do G7, começou a desmenti-lo.

 

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