06 Janeiro 2023
Como se não bastasse a onda criada pela revelação do "coração partido" de Bento XVI com a decisão de Francisco de limitar ao máximo o uso da missa em latim, Georg Ganswein, secretário particular do papa emérito, adicionou combustível ao fogo hoje.
A reportagem é de Elisabetta Piqué, publicada por La Nación, 05-01-2023.
Justamente no dia do funeral solene de Bento XVI, em antecipação a um livro autobiográfico que estará à venda na próxima semana, intitulado Nada além da verdade: minha vida ao lado de Bento XVI, Ganswein contou detalhes de quando, em janeiro de 2020, o Papa Francisco pediu-lhe que se ausentasse de seu cargo de chefe da Prefeitura da Casa Pontifícia.
"Fiquei chocado e sem palavras", escreveu o arcebispo alemão, que lamentou o fato de ter sido rebaixado a "meio prefeito".
Ganswein, de 66 anos, que cuidou de Bento até o fim, também revelou que Francisco o teria demitido dessa função com estas palavras: "Você ainda é prefeito, mas amanhã não voltará ao trabalho". E, pior, que Bento XVI teria posteriormente comentado, com ironia, o seguinte: "Acho que o Papa Francisco já não confia em mim e quer que você me faça um guardião", segundo a mídia italiana, com base em um trecho do livro em questão.
Nesta obra, que estará à venda na próxima semana, publicada pela editora Mondadori, fala-se ainda de uma carta que foi escrita a Francisco para o fazer mudar de ideia, sem sucesso.
A publicação, que saiu justamente no dia da última despedida de Bento, caiu como uma bomba. “Mas Dom Georg enlouqueceu? Eu sabia que ele criticava muito o Papa Francisco, mas não imaginava que pudesse chegar ao ponto de descarregar sua raiva reprimida por anos dessa maneira com o corpo de Bento XVI ainda quente”, comentou um monsenhor a La Nación. “Se penso na bondade e na humildade de Ratzinger, como este Dom Georg faz mal ao Papa Francisco, mas, sobretudo, faz mal à memória de Bento”, acrescentou, sem esconder a amargura.
Já havia causado muito barulho, ontem, pela revelação ao jornal Die Tagespost feita por Ganswein de que Bento estava "com o coração partido" quando, em julho de 2021, o Papa Francisco reverteu sua reforma e limitou ao máximo o uso da antiga missa em latim. Lá ele deu a conhecer, com efeito, que o motu proprio de Francisco Traditionis custodes, de 16 de julho de 2021, atingiu muito o pontífice emérito: "Acho que partiu o coração do Papa Bento", disse Ganswein. Com este documento, Francisco revogou o motu proprio de Bento XVI Summorum pontificum com o qual o então pontífice, em 2007, havia reabilitado a missa com o antigo rito em latim, criado por São Pio V após o Concílio de Trento (1542-1563) e atualizado por João XXIII em 1962. Um movimento que representou um duro golpe para os setores mais tradicionais.
Entre os mais de 120 cardeais e 400 bispos que concelebraram hoje o solene funeral de Bento XVI, não se falou de outra coisa. “Mas o que se passa na cabeça de Dom Georg? Pelo menos ele poderia esperar que o homem fosse sepultado", comentou um cardeal. “Ele está cavando sua própria sepultura”, reagiu outro cardeal, que viajou especialmente para as solenes exéquias, como apurou La Nación.
Massimo Franco, editor do Corriere della Sera, autor de vários livros – um deles, sobre o papa emérito – e especialista em questões vaticanas, ecoou esse clima de absoluto espanto. E em um artigo considerou que as palavras de Ganswein abrem diretamente uma “fase 2” do pontificado, na qual o Papa Francisco não tem mais aquele tipo de “escudo” que o papa emérito significou para ele nos últimos anos.
"A ala mais distante do papa, agora sem o 'freio' representado por Ratzinger, parece pronta para explicitar sua crítica", disse. “Agora que Bento morreu, muitos se perguntam se não está para começar um período de confronto mais duro entre os vários setores da Igreja, de crítica aberta a algumas decisões do pontífice argentino e de prestação de contas final com 'dom Georg', talvez também usando sua última entrevista ao jornal alemão”, acrescentou.
"Ter falado da dor de Bento pela decisão de seu sucessor de desencorajar as missas em latim antes mesmo do funeral foi visto por alguns como um gesto imprudente", escreveu Franco, que chegou a definir a tão comentada entrevista de Ganswein como uma "arma" entregue aos aqueles que agora querem retirá-lo de seu cargo de prefeito da Casa Pontifícia.
Trata-se de um cargo importante para o qual havia sido nomeado por Bento antes de sua renúncia, cargo que ocupou formalmente até agora, mas não ocupa desde janeiro de 2020. Em seguida, o papa pediu-lhe que se licenciasse para melhor cuidar do papa emérito. Estar à frente da Prefeitura da Casa Pontifícia significou estar sempre ao lado de Francisco nas audiências com chefes de estado e de governo, nas audiências gerais e na gestão de sua agenda pública, desde aquele janeiro de 2020 nas mãos do vice-prefeito, monsenhor Leonardo Sapienza.
Esse deslocamento silencioso ocorreu após um curto-circuito com o papa no qual Ganswein esteve envolvido, após a publicação de um livro a favor do celibato do cardeal africano Robert Sarah, em tese escrito junto com Bento XVI que, no entanto, pediu que fosse retirado sua assinatura. Portanto, o papel de Ganswein era suspeito de estar por trás de uma operação obscura.
Com o avanço de seu livro autobiográfico com revelações explosivas, que jogam fora aquele silêncio que Bento XVI se impôs ao se aposentar, e sua entrevista ao jornal alemão, bem em meio às exéquias, muitos no Vaticano acreditam que o destino de Ganswein, considerado anos atrás o "George Clooney do Vaticano" por causa de sua aparência, já está definido.
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O escândalo cresce sobre o secretário de Bento XVI: novas revelações sobre Francisco vazaram logo no dia do funeral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU