18 Agosto 2020
O polêmico acordo de dois anos entre a China e o Vaticano sobre a nomeação de bispos católicos no país comunista parece que será estendido depois do seu prazo vencer em setembro, dizem vários especialistas familiarizados com as complicadas relações entre as duas partes.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada em National Catholic Reporter, 17-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Embora questões difíceis provavelmente estarão sobre a mesa durante as discussões – incluindo o status da comunidade católica em Hong Kong e as relações do Vaticano com Taiwan – ambos os lados parecem querer continuar o pacto pelo menos temporariamente, disseram especialistas ao NCR.
Francesco Sisci, um correspondente estrangeiro de longa data em Pequim para vários dos principais jornais da Itália e uma autoridade reconhecida nas relações sino-vaticanas, disse ter visto “uma série de sinais positivos” de que o acordo está prestes a ser renovado.
Sisci destacou a forma como ambos os lados tentaram reconciliar as diferenças dentro da comunidade católica da China, que está dividida há décadas entre um grupo que aceitou o envolvimento do governo na escolha de bispos católicos e uma organização chamada de “clandestina” que reconhecia apenas a autoridade do papa sobre esse problema.
Embora os detalhes do acordo original não tenham sido tornados públicos, é amplamente conhecido que ele envolve a proposta de nomes dos novos bispos ao Vaticano pelo governo chinês com a ajuda de um grupo estatal denominado Associação Patriótica Católica.
O papa, então, é quem toma a decisão final sobre quem nomear como bispo, dando-lhe efetivamente poder de veto sobre o assunto.
Apontando para a concessão do reconhecimento oficial da China a três ex-bispos “clandestinos” nesses meses, Sisci disse que o Vaticano e Pequim “estão começando a escolher novos bispos juntos, estão começando a preencher as brechas da Igreja chinesa”.
Francisco havia readmitido anteriormente à “plena comunhão eclesial” sete bispos chineses vivos que foram ordenados antes do acordo sem a aprovação do Vaticano e, portanto, incorreram em excomunhões automáticas, ou latae sententiae.
Lawrence Reardon, professor de Ciências Políticas da Universidade de New Hampshire, que escreveu vários livros explorando as manobras do Partido Comunista Chinês, também apontou para os esforços de Pequim e do Vaticano para facilitar a reconciliação entre as duas comunidades católicas chinesas.
Ambos os lados, disse Reardon, “estão tentando encontrar uma forma de fazer essa ponte entre as Igrejas Católicas oficial e não oficial na China”.
O acordo Vaticano-China tem sido alvo de críticas ferozes por parte de alguns católicos, que dizem que Francisco não deveria ter concordado com a exigência do governo de se envolver nas nomeações de bispo e que também criticam o histórico de direitos humanos da China.
O cardeal emérito de Hong Kong Joseph Zen tem sido o crítico mais proeminente, tendo acusado Francisco abertamente em 2018 de “colocar os lobos na frente do seu rebanho”. Em março deste ano, Zen acusou o secretário de Estado vaticano, o cardeal Pietro Parolin, de “manipular” o papa para aceitar o acordo.
O cardeal de Mianmar, Charles Bo, que lidera a Igreja em Yangon desde 2003, mas só foi criado cardeal por Francisco em 2015, também veio à tona recentemente como um crítico incisivo do governo chinês.
Em abril, Bo escreveu uma coluna para a UCA News culpando as autoridades chinesas por gerirem de forma “desumana e irresponsável” o surto do coronavírus em Wuhan. Bo também afirmou que a China agiu com “negligência criminosa”, fazendo com que o vírus se espalhasse pelo mundo.
A China sofreu novas críticas no fim de julho, quando o grupo estadunidense de monitoramento de dados Recorded Future alegou que um grupo patrocinado pelo Estado hackeava computadores no Vaticano e na Diocese de Hong Kong a fim de obter vantagem nas negociações.
Embora alguns observadores tenham se perguntado se as observações de Zen e Bo tornam mais difícil para o Vaticano renovar seu acordo com a China, Reardon sugeriu que Francisco pode se beneficiar com o fato de eles expressarem suas preocupações.
“Se o papa quisesse demitir Zen ou Bo, ele poderia simplesmente dizer isso a eles”, disse o cientista político.
“Mas, se o papa começar a falar sobre isso, o que acontecerá com a Igreja Católica na China?”, perguntou Reardon, acrescentando: “Eu acho que é muito útil para a Igreja ter pessoas como Zen e Bo se focando nesses problemas.”
Reardon também elogiou a forma como Francisco lidou com um episódio incomum durante a sua oração semanal do Ângelus na Praça de São Pedro no dia 5 de julho.
Como faz todas as semanas, o Vaticano enviou aos jornalistas uma cópia dos comentários preparados pelo papa alguns minutos antes da aparição papal. Embora o texto preparado continha a afirmação de que o pontífice estava acompanhando “não sem preocupação” os protestos em Hong Kong sobre a imposição de novas leis de segurança amplamente criticadas por Pequim, Francisco pulou esse parágrafo enquanto discursava.
Essa medida – mostrar aos jornalistas um texto e depois não dizer as palavras de fato – poderia ter sido a estratégia de Francisco para dizer ao presidente chinês Xi Jinping o que ele estava pensando, sem tentar constrangê-lo indevidamente, disse Reardon.
“Quando vi isso, eu logo disse: ‘Ele acabou de dizer a Xi Jinping e a todos os católicos em Hong Kong e Taiwan qual é a sua posição sobre Hong Kong’”, disse o acadêmico. “Mas ele fez isso, na minha opinião, de uma forma bem chinesa.”
“Acho que Francisco percebeu que essa é a melhor forma de convencer Xi Jinping de que ele está disposto a trabalhar com ele”, disse Reardon. “A Igreja Católica tem uma posição forte, mas ele não vai constranger Xi Jinping neste momento.”
Peter Moody, professor emérito de Política da Universidade de Notre Dame, especialista em política chinesa e autor de vários livros sobre o governo do país, viu isso de forma diferente.
Moody disse que a escolha de Francisco de não ler a passagem preparada sobre a situação em Hong Kong mostrou a Pequim que o pontífice não estava disposto a arriscar uma extensão do acordo de dois anos com o Vaticano diante do que está acontecendo em Hong Kong.
“Minha inclinação é de que Francisco estava sendo pressionado a tomar uma posição, e ele se recusou a fazer isso. Então, do ponto de vista de Pequim, eles podem escapar impunes”, disse Moody. “Ele não vai fazer nada para atrapalhar o acordo.”
Mas Moody também sugeriu que os chineses podem estar dispostos a fazer concessões durante as negociações em andamento com o Vaticano, em parte porque os detalhes do acordo original nunca foram divulgados ao público.
“Como o acordo é secreto, há uma certa margem de manobra do lado chinês neste momento”, disse ele. “Eles podem fazer concessões que não são concessões óbvias, e a atual liderança da Igreja também não estaria inclinada a se gabar dessas concessões.”
Apesar disso, Moody também alertou que, dado o sigilo do acordo, “se ele for violado, não há como mostrar que ele foi violado”.
Tanto Reardon quanto Sisci expressaram dúvidas de que a China pressionaria o Vaticano em busca de quaisquer grandes concessões para estender o acordo, como uma mudança no reconhecimento de Taiwan. A Santa Sé continua sendo um dos 15 Estados da ONU que mantêm relações diplomáticas formais com a ilha, que a China considera como uma província rebelde.
“Acho que a questão de Taiwan não é tão importante agora”, disse Sisci. “Eu acredito que Pequim sabe que, neste momento tão delicado, não é oportuno tentar mudar a situação sobre Taiwan.”
“Taiwan está muito nervoso, todos estão muito angustiados: por que tocar nessa questão tão difícil agora?”, perguntou ele.
Sisci também criticou os católicos de fora da China que criticaram o Vaticano por fazer um acordo com o país comunista, dizendo que a estratégia de Francisco é semelhante à forma como o Papa João Paulo II lidou com a Polônia comunista.
Quando o ditador comunista general Wojciech Jaruzelski assumiu o controle da Polônia nos anos 1980, disse o jornalista, João Paulo II conversou e negociou com ele.
“Alguns católicos querem uma cruzada contra a China”, disse Sisci. “Esses católicos não conhecem a história da Igreja: não a história antiga, mas a história recente.”
“A era das cruzadas acabou”, disse ele.
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Acordo China-Vaticano sobre nomeações episcopais deverá ser renovado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU