03 Outubro 2018
Formada, atualmente, por 44% dos deputados federais e 33% dos senadores, a Frente Parlamentar Mista da Agropecuária tem proposto e aprovado medidas negativas para a saúde pública e ambiental e sido determinante para a perda de direitos e fragilização da democracia no país.
A reportagem é de Verônica Pragana, publicada por ASA-Articulação Semiárido Brasileiro, 27-09-2018.
O nosso voto no próximo dia 7 de outubro tem tudo a ver com os venenos pulverizados nas lavouras do Brasil. Isso mesmo! Para votar com consciência, um item imprescindível é investigar a relação dos candidatos com os agrotóxicos. Uma questão urgente no Brasil que, há 10 anos, é o maior consumidor de veneno do mundo.
“A luta contra os agrotóxicos é uma luta política”, afirma a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida na primeira linha da sua Plataforma para as Eleições. Faz parte do documento uma declaração que compromete os candidatos e candidatas em um conjunto de ações que enfraquecem a cultura do veneno e fortalecem a agroecologia, com sua forma de cultivar em harmonia com os ciclos e dinâmicas da natureza.
Hoje, grande parte dos deputados federais e senadores têm ligações com o agronegócio, setor que sustenta a indústria do agrotóxico. A Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA), mais conhecida como bancada ruralista, conta com 227 deputados (44% do total) e 27 senadores (33%). Esse quadro pode se manter, perder ou ganhar força nos próximos quatro anos a depender do resultado das urnas.
Além criar e alterar leis para afrouxar restrições ao uso de agrotóxicos e proteções à biodiversidade e à vida das populações tradicionais e povos indígenas, guardiãs da biodiversidade, a FPA contribui fortemente para a fragilização da democracia. A bancada foi responsável por 50% dos votos favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e impediu, por duas vezes, a abertura de processos que investigariam o presidente Michel Temer, com 51% dos votos para mantê-lo na presidência.
“O que está acontecendo no Brasil, a retirada dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras tanto da cidade, quanto do campo, da agricultura familiar, dos povos e comunidades tradicionais, estão sendo patrocinadas pelo Parlamento. Foi o Parlamento que votou a reforma trabalhista para retirar o direito dos trabalhadores. Foi o Parlamento que votou a PEC da Morte, a Emenda Constitucional 95, que retira recursos da saúde, da educação, dos serviços sociais, da base de direitos que garante melhor qualidade de vida para os mais pobres”, ressalta Cícero Félix, coordenador executivo da ASA Brasil pelo estado da Bahia e também coordenador-geral do Irpaa, uma organização de apoio à agricultura familiar agroecológica no Sertão de São Francisco, na Bahia.
Esse quadro desafiador, formado por um Congresso com pouquíssima representatividade dos segmentos sociais, provoca fortes sinais de insatisfação por parte da sociedade. Uma delas aponta para a quantidade de agrotóxicos jogados no prato dos/as brasileiros/as. Em uma pesquisa, feita em agosto deste ano com 2.086 pessoas com mais de 16 anos – idade mínima permitida para votar –, 89% dos entrevistados responderam que não votam em candidatos que apoiam a indústria dos agrotóxicos. O levantamento foi encomendado pela organização não governamental ACT (antiga Aliança de Controle do Tabagismo), que atua na área de promoção da saúde, e feita pelo Datafolha.
Apesar de revelar a preocupação dos entrevistados com a saúde e outros impactos trazidos pelo uso dos agrotóxicos, os números revelam uma imensa contradição. Se a população não apoia quem defende os agrotóxicos, como a bancada ruralista é uma das maiores do Congresso?
Essa pergunta aponta para um cenário complexo, no qual vários elementos precisam ser considerados para entendermos o fenômeno de um Congresso eleito pelo povo, mas que não expressa a vontade popular nas suas decisões.
Um destes elementos remete à estreita relação entre o poder político e os donos de terras, que dá origem à figura dos coronéis. Essa relação é antiga, remonta à fundação do Brasil e se perpetua através de constantes atualizações que passam principalmente na construção de discursos que constroem uma imagem equivocada do agronegócio como um setor promissor para o Brasil, quando, na verdade, a sua atividade gera um enorme passivo ambiental, social e econômico ao país. Tais discursos, que repetem que o agro é pop, desassociam a imagem do agronegócio ao do agrotóxico. Situa-se aqui a investida da bancada ruralista de substituir o nome ‘agrotóxicos’ por ‘defensivos agrícolas e produtos fitossanitários’.
Outro elemento que pesa bastante para o poder desmedido da bancada ruralista no Congresso é a “invisibilidade para a sociedade da importância do parlamento nas decisões das macro políticas do Brasil”, como destaca Félix.
“Em geral, as pessoas acham que o importante é o prefeito, o governador ou a governadora, o presidente ou a presidenta. São importantes sim porque compõem o poder Executivo. Mas, mais importante do que o Executivo é o Parlamento porque eles é que definem as leis do país. E, principalmente, é o Parlamento é que define aonde é o como vai ser gasto o dinheiro público, o orçamento público nacional, que são quase R$ 4 trilhões. Se deve ser investido na educação, saúde, no fortalecimento da agricultura familiar, em moradia”, acrescenta.
Segundo Félix, o debate com a sociedade e com as populações camponesas, um segmento que a ASA tem forte diálogo, se faz urgente. “Devemos conclamar a sociedade para discutir sobre este poder [Legislativo]. No nosso caso, mais focado no mundo camponês, ligado à agricultura familiar, especialmente, precisamos de fato refletir quem é que defende o uso de veneno, defender agrotóxicos, é defender veneno, defender a morte, quem é que defende a agroecologia e, portanto, defende a vida. Esse é o debate que está posto e nós temos como refletir sobre isso com informações importantes, informações confiáveis”, defende ele que é uma das lideranças da rede ASA Bahia, que está realizando, em parceria com o Fórum Baiano da Agricultura Familiar (FBAF) e Articulação de Agroecologia na Bahia (AABA), uma série de 20 seminários territoriais para discutir as eleições e o papel dos/as parlamentares na construção de um país justo para todos/as.
Informações públicas e acessíveis - Uma forma de conferir a ligação dos candidatos com o agronegócio é buscar informações em fontes confiáveis. Uma notícia boa é que elas estão ao nosso dispor em portais investigativos, que não se intimidam no incessante trabalho de tirar da sombra os comportamentos e posicionamentos dos nossos representantes no Congresso Federal, aqueles que criam as leis, e também do poder Executivo.
No portal Repórter Brasil, há um banco de dados interativo que funciona como uma espécie de termômetro que mede como cada deputado federal atuou em leis importantes para o meio ambiente, povos indígenas e trabalhadores rurais. Além do Ruralômetro, o portal também reúne muitas reportagens sobre a atuação dos deputados de forma individual e também no coletivo.
Outra importante fonte de informação é o portal De Olho nos Ruralistas, capitaneado pelo combativo jornalista Alceu Castilho, e que se apresenta como um observatório jornalístico especializado em agronegócio.
Desde o dia 10 de setembro até o último dia do mês, o portal publica uma série de textos sobre candidatos ruralistas, por Unidade da Federação. “São mais de 30 textos sobre esses políticos e sobre os interesses – entre públicos e privados – que estão em jogo no Congresso e no Executivo”.
Tem textos específicos para cada estado do Semiárido. São conteúdos que trazem, em detalhes, a trajetória política dos coronéis, mas também lança um olhar para os demais atores da bancada ruralista. Além dos conteúdos em textos e ilustrações, assinadas por Eduardo Baptistão, há um vídeo por região com uma síntese dos candidatos específicos e de algumas das características dos cinco territórios.
Na página "naovoteemruralista.org", criado pela 350.org, uma organização fundada há 10 anos por um grupos de universitários dos Estados Unidos e que desenvolve campanhas globais na área da justiça ambiental, há o vídeo de animação de pouco mais de três minutos sobre os impactos negativos que a bancada ruralista provoca na vida dos cidadãos. Intitulado 'Não vote em ruralista', o audiovisual é um excelente recurso para provocar um bom debate, principalmente, em grupos que vivem na cidade.
“Estamos vivendo um momento histórico no Brasil e precisamos aproveitar para avançar na ocupação de espaço nos poderes constituídos que nós temos, tanto no Executivo, quanto no Legislativo, que é o Parlamento dos estados e o nacional”, anuncia Félix.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Quem é contra o agrotóxico não vota em ruralista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU