16 Dezembro 2015
Eu tive a oportunidade de proferir uma das principais palestras em um congresso sobre o Vaticano II na Katholische Akademie este mês em Munique e de responder a uma palestra dada pelo Cardeal Karl Lehmann (bispo de Mainz e ex-presidente da Conferência dos Bispos alemães) sobre o legado e o futuro daquele Concílio. A maioria das cerca de 200 pessoas participantes no evento compunha-se de alemães ou falantes do idioma alemão, ainda que havia estudiosos de outros países europeus, bem como da África, da América Latina e dos EUA (incluindo James F. Keenan, da Boston College; e Brad Hinze, da Fordham University).
Várias gerações de estudiosos estiveram representadas, muitas das quais se inspiraram ou estudaram sob a orientação do teólogo sistemático de Tübingen Peter Hünermann, quem fundou, em 1989, a Associação Europeia para a Teologia Católica (European Society for Catholic Theology). Para constar, eu estudei com Hünermann em Tübingen entre 1999 e 2000. Havia também alunos de seus alunos, juntamente com teólogos sistemáticos, historiadores, especialistas em ética e canonistas. Ficou claro que o Vaticano II continua no centro da teologia católica na Alemanha.
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo e diretor do Institute for Catholicism and Citizenship, na University of St. Thomas, nos EUA, em artigo publicado por Commonweal, 14-12-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O documento final é representativo do sensus concilli. Em cinco páginas e em seus doze pontos numerados, ele apresenta boas razões para o papel renovado do Vaticano II na teologia católica e para a Igreja de hoje: liberdade de religião no mundo e liberdade da teologia como Wissenschaft (pesquisa sistemática); uma nova relação entre teologia e o magisterium; reforma das estruturas eclesiais; ecumenismo e diálogo inter-religioso; a Igreja e o judaísmo; liturgia e inculturação; a Igreja e o espaço público; e o meio ambiente.
Mas não foi somente o documento final que fez este congresso ser interessante.
Primeiro, ficou claro que um Grundkonsens – um consenso fundamental entre os teólogos alemães (mas eu diria os alemães como um todo, inclusive os protestantes) em torno do Vaticano II – permanece existindo. Os pedidos de alteração do texto que vieram do plenário não questionaram o consenso fundamental existente sobre o Vaticano II como sendo a base e o centro da teologia católica na Alemanha hoje. Há uns poucos grupos tradicionalistas dissidentes, mas, na “esquerda” radical, não houve nada que desqualificasse o Vaticano II como irrelevante para o futuro da teologia.
Curiosamente, o pontificado do teólogo acadêmico alemão Joseph Ratzinger fez pouco para influenciar, contrariamente, a esmagadora maioria dos teólogos católicos alemães (e dos católicos alemães em geral) inspirados pela famosa declaração de Karl Rahner feita há 50 anos em Munique, segundo a qual o Vaticano II representava um “novo começo”.
A segunda coisa interessante neste congresso foi a presença de cardeais, incluindo Reinhard Marx, de Munique (presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, membro do Conselho dos Cardeais assessores do papa e coordenador do Conselho para Assuntos Econômicos da Cúria Romana), e o seu antecessor, o Cardeal Friedrich Wetter (arcebispo de Munique até 2007).
A presença deles é um sinal da relação respeitosa entre o episcopado alemão e os teólogos do Vaticano II na Alemanha; muitos bispos e cardeais de língua alemã derivam da teologia acadêmica. A presença deles igualmente demonstrou a coerência cultural da Igreja alemã: teólogos, clérigos, bispos e leigos (organizados no poderoso Zentralkomitee dos católicos alemães), juntamente com a extremamente ativa organização dos historiadores católicos da Igreja (chamada Kommission für Zeitgeschichte), compõem um catolicismo coeso e consensual, bem diferente de algo fragmentado e polarizado, como algumas outras igrejas são.
Uma terceira coisa interessante foi a semelhança surpreendente entre a orientação conciliar da teologia católica alemã e a forma como o Papa Francisco interpreta e aplica o Vaticano II. A versão final do documento produzido no evento foi lida aos participantes quase no mesmo momento em que a homilia do Papa Francisco estava sendo lida na abertura do Jubileu da Misericórdia: um texto explícito e direto apresentando o Vaticano II como uma chave hermenêutica para a compreensão de seu pontificado. Estas três coisas dizem muito sobre o papel e a efetividade do grupo alemão no Sínodo dos Bispos de 2015.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Onde bispos e teólogos ainda dialogam. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU