O consumo desenfreado de plástico é insustentável. Entrevista especial com Marcelo Montenegro

A cultura do descartável favorece o crescimento da produção e do consumo de plástico, diz o coordenador de projetos e programas na área de justiça socioambiental da Fundação Heinrich Böll Brasil

Foto: Martine Perret - ONU

Por: Ricardo Machado | Edição: Patricia Fachin | 18 Dezembro 2020

Metade das 9,2 bilhões de toneladas de plástico fabricadas pela humanidade desde a década de 1950 foi produzida depois dos anos 2000, informa Marcelo Montenegro à IHU On-Line. Segundo ele, esse dado indica que estamos assistindo ao “crescimento contínuo da produção de plástico” no mundo, que já ultrapassa 400 milhões de toneladas por ano, com estimativa de chegar a 600 milhões em 2025.

 

Além dos efeitos danosos que os resíduos plásticos têm causado nos oceanos, como ilhas de lixo e a mortandade de inúmeros animais marinhos, Montenegro alerta para outra consequência: a aceleração da crise climática. “A produção de plástico acelera as mudanças climáticas. Se as tendências se confirmarem, os plásticos terão causado emissões de CO2 na ordem de 56 gigatoneladas até 2050. Em outras palavras: fabricar plástico pode custar de 10 a 13% do limite estimado de emissões de carbono para que o aquecimento global se mantenha abaixo de 1,5 grau Celsius”, diz.

 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele comenta os principais dados do Atlas do Plástico, elaborado pela Fundação Heinrich Böll, e adverte para os danos das embalagens de uso único. “A maior parte do plástico produzido consiste em produtos e embalagens de uso único, gerando mais resíduos plásticos. De todo o plástico já produzido, reciclamos menos de 10%”, menciona. Montenegro também destaca o aumento do consumo de plástico durante a crise pandêmica.

“A pandemia agravou o quadro de consumo de plástico, a partir do uso de máscaras, EPIs e também no aumento do consumo de embalagens plásticas e sacolas. Quanto ao uso de máscaras, uma estimativa do Atlas apresenta que, se todos os brasileiros utilizassem máscaras descartáveis, que contêm plástico em sua composição, utilizaríamos 3,5 bilhões de máscaras por mês, que em toneladas equivaleria a 10,5 mil toneladas ao mês, ou o peso de nove estátuas do Cristo Redentor. (...) O consumo de plástico de curta duração também aumentou, a partir do aumento do delivery”, relata.

 

Marcelo Montenegro (Foto: Arquivo Pessoal)

Marcelo Montenegro é formado em Direito pela Universidade Candido Mendes. Atualmente é coordenador de projetos e programas na área de justiça socioambiental da Fundação Heinrich Böll Brasil.

 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Qual o cenário atual da produção de plástico no globo e por que as projeções para os próximos cinco anos assustam?

Marcelo Montenegro - Estamos diante de um crescimento contínuo da produção de plástico. De 1950 até 2017, já produzimos 9,2 bilhões de toneladas de plástico, mais da metade dele apenas de 2000 pra cá. Atualmente já passamos de 400 milhões de toneladas de plástico por ano, e se nada mudar, chegaremos a 600 milhões de toneladas até 2025.

A maior parte do plástico produzido consiste em produtos e embalagens de uso único, gerando mais resíduos plásticos. Só que reciclamos muito pouco. De todo o plástico já produzido, reciclamos menos de 10%. Por isso dizemos que estamos diante de um tsunami de plástico, com resíduos parando em mares, rios, solo e cidades. E com graves consequências para o meio ambiente, para a saúde e para a economia.

 

 

IHU On-Line - Que papel o Brasil ocupa na produção global de resíduos sólidos plásticos?

Marcelo Montenegro - O Brasil, de acordo com o estudo da WWF baseado em dados do Banco Mundial, ocupa a quarta posição dos países que mais produzem resíduos plásticos. Temos, em primeiro lugar, os Estados Unidos, com aproximadamente 70,782 milhões de toneladas ao ano; depois a China, com 54,740; em terceiro lugar a Índia, com 19,311 milhões. O quarto lugar, com 11,3 milhões de toneladas de plástico produzidas ao ano, é do Brasil.

 

IHU On-Line - Quais são os principais dados trazidos no Atlas do Plástico, publicado recentemente pela Fundação Heinrich Böll Brasil?

Marcelo Montenegro - A proposta do Atlas é apresentar dados e fatos sobre diferentes elementos da cadeia do plástico e cada artigo aponta informações importantes. Dentre os principais destaques, podemos mencionar:


● Estamos diante de um tsunami de plástico. Já produzimos no mundo 9,2 bilhões de toneladas de plástico e reciclamos menos de 10%. A produção só aumenta. Se nada for feito, chegaremos a 600 milhões de toneladas de plástico produzidas por ano no mundo.

● Uma das principais razões para este crescimento é a chamada “cultura do descartável”. A maior parte do que produzimos são produtos e embalagens de uso único. Para termos uma ideia da dimensão, a Coca-Cola (que em 1978 introduziu a garrafa PET de plástico descartável para substituir a garrafa de vidro) produziu 3.000.000 de toneladas de resíduos de embalagens plásticas por ano. São 88 bilhões de garrafas de plástico descartáveis!

Reciclamos muito pouco. De acordo com o estudo da WWF, baseado em dados do Banco Mundial, somente 1,28% do plástico é reciclado no Brasil. Mesmo com o número sendo contestado pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico - Abiplast, que apresenta dados que chegam a 25,8% de reciclagem, é um valor muito baixo. A grande maioria dos resíduos plásticos seguem para aterros, são descartados de forma irregular ou até param em lixões.

 

 

● Os resíduos plásticos estão tomando conta de nossas praias. O Atlas apresenta que, de 155 praias brasileiras, mais da metade está suja ou extremamente suja. Quanto à composição dos lixos nas praias, temos um percentual de resíduos plásticos de 70,8% na Região Sudeste, 73,1% na Região Nordeste, 80,8% na Região Sul e 85,8% na Região Norte. Isto impacta a economia: o aumento de concentração de lixo na praia pode levar a uma perda de 8,5 milhões de dólares para o município.

● A produção de plástico acelera as mudanças climáticas. Se as tendências se confirmarem, os plásticos terão causado emissões de CO2 na ordem de 56 gigatoneladas até 2050. Em outras palavras: fabricar plástico pode custar de 10 a 13% do limite estimado de emissões de carbono para que o aquecimento global se mantenha abaixo de 1,5 grau Celsius.

● A pandemia agravou o quadro de consumo de plástico, a partir do uso de máscaras, EPIs e também no aumento do consumo de embalagens plásticas e sacolas. Quanto ao uso de máscaras, uma estimativa do Atlas apresenta que, se todos os brasileiros utilizassem máscaras descartáveis, que contêm plástico em sua composição, utilizaríamos 3,5 bilhões de máscaras por mês, que em toneladas equivaleria a 10,5 mil toneladas ao mês, ou o peso de nove estátuas do Cristo Redentor.

● O consumo de plástico de curta duração também aumentou, a partir do aumento do delivery. Entre janeiro e maio deste ano houve um crescimento de 95% no gasto com aplicativos de entrega comparado a 2019.

 

 

 

IHU On-Line - Quando falamos em resíduos plásticos parece que tudo é uma coisa só. Gostaria que o senhor detalhasse as diferenças nos impactos ambientais dos distintos tipos de resíduos plásticos.

Marcelo Montenegro - É importante dizer que temos diversos tipos de plásticos produzidos. Para melhorar suas propriedades, os plásticos são frequentemente misturados com aditivos químicos, seja para torná-los mais flexíveis ou duráveis. No Atlas apresentamos os sete tipos de plástico:

 

 

Cada produto produzido pelo plástico tem uma vida útil média distinta. Os plásticos de uso único, os descartáveis, como canudos, sacolas e copos, são os que têm a menor duração, com menos de um ano. E são a maioria dos produzidos.

O processo de transformação do petróleo em plástico envolve a mistura com produtos químicos. Vários aditivos são utilizados para dar ao material as características desejadas. Esses aditivos podem impactar o meio ambiente e a saúde humana, chegando ao ar, água e solo. Eles gradualmente escapam do plástico e se acumulam em alimentos, por exemplo. Um estudo nos EUA sugere que crianças mais novas que sempre comem almoço na escola estão mais expostas a ftalatos, um plastificante usado em recipientes de alimentos.

Um estudo do sangue de mulheres grávidas americanas detectou uma média de 56 produtos químicos industriais diferentes, muitos originários do plástico. Pesquisas realizadas por organizações ambientais em 19 países europeus descobriram que um em cada quatro produtos feitos de plástico reciclado contém retardantes de chama perigosos para a saúde. As toxinas nos itens reciclados são provenientes principalmente de resíduos elétricos reciclados. A reciclagem é particularmente prejudicial para quem desmonta materiais contaminados. O ciclo tóxico poderia ser interrompido se os produtores fossem responsabilizados pelo descarte de resíduos, e com a não utilização de materiais tóxicos em plástico.

 

 

Indústria têxtil

A indústria têxtil está entre os grandes poluidores de águas subterrâneas, rios e mares. E muitas roupas usam poliéster, acrílico, nylon ou poliamida, que são fibras sintéticas, ou seja, plásticos. Essas roupas feitas de material sintético costumam causar impacto na produção e após o último botão costurado. Entre 20.000 e 40.000 produtos químicos diferentes são usados para processar e tingir roupas. Muitos deles são cancerígenos, e outros causam alergias e influenciam no sistema hormonal. E quando as roupas são lavadas, partículas de microplásticos entram no meio ambiente. Descobriu-se que lavar cinco quilos de roupas pode liberar seis milhões de microfibras nas águas residuais. Lavar uma única jaqueta de lã sintética pode liberar 250.000 dessas partículas.

Recentemente, um estudo da revista científica “Environment International” confirmou a presença de microplásticos dentro da placenta humana. Pesquisadores identificaram nas placentas 12 fragmentos de material artificial, sendo que três identificados como polipropileno e nove de material sintético pintado, atrelado a produtos cosméticos. De acordo com o autor do estudo, Antonio Ragusa, "os riscos para a saúde das crianças recém-nascidas terem dentro de si os microplásticos ainda não são conhecidos e é preciso continuar a fazer pesquisas. Mas já sabemos, por outros estudos internacionais, que o plástico, por exemplo, altera o metabolismo da gordura. Acreditamos que é provável que, na presença de fragmentos de microplásticos no interior do organismo, a resposta do corpo, do sistema imunológico, possa mudar e ser diferente do padrão".

 

 

IHU On-Line - Quais são os impactos ambientais no solo e nos cursos d’água, além, claro, dos oceanos?

Marcelo Montenegro - Os resíduos plásticos estão tomando conta de nossas praias. O Atlas apresenta que, de 155 praias brasileiras, mais da metade está suja ou extremamente suja. E isto sem contar os prejuízos ambientais, sociais, culturais e econômicos das comunidades tradicionais, uma vez que essa maré alta de plástico afeta diretamente a vida marinha e também as atividades marítimas como aquicultura e pesca, ameaçando comunidades tradicionais que dependem do oceano para garantir seu modo de vida.

 

Oceanos

No caso dos oceanos, o Brasil ocupa a 16ª posição no ranking de maiores poluidores do oceano por plástico. E isto gera impactos globais. No mundo inteiro, mesmo nas áreas mais remotas, no fundo do oceano ou no Ártico, o plástico flutua à deriva ou se acumula na costa. E os níveis de poluição estão crescendo rapidamente: em uma década, a quantidade de lixo no fundo do oceano Ártico aumentou vinte vezes. Peixes e pássaros são expostos aos perigos do plástico flutuante. Em todo o mundo, 2.249 organismos marinhos diferentes interagem com o lixo plástico de alguma forma. Muitos são machucados e estão em perigo. Das 120 espécies de mamíferos marinhos na lista vermelha de espécies ameaçadas da International Union for Conservation of Nature - IUCN, 54 são conhecidas por comer lixo plástico ou se emaranhar nele.

Há também a questão da toxicidade desses plásticos. Substâncias como bifenilos policlorados (PCB) e diclorodifeniltricloroetano (DDT) se acumulam nos plásticos flutuantes. Os animais não ingerem apenas as substâncias nocivas do próprio plástico, mas também altas concentrações desses outros compostos tóxicos.

 

 

 

IHU On-Line - Há, no entanto, outra preocupação que tem ocupado a ordem do dia das questões ambientais: o aquecimento global. Qual o papel da produção de plástico neste quesito e quais são as projeções até 2025?

Marcelo Montenegro - O plástico assim como muitos fertilizantes, agrotóxicos e fibras sintéticas são petroquímicos, derivados de óleo mineral e gás natural. Mais de 99% dos plásticos vêm dessas matérias-primas com base em combustíveis fósseis. Conforme crescemos a produção de plástico, se consolida uma nova infraestrutura de combustíveis fósseis e aumentam as emissões decorrentes de exploração, extração, transporte e refino de petróleo, carvão e gás.

A produção de plástico, portanto, acelera as mudanças climáticas. Se as tendências atuais continuarem, os plásticos terão causado emissões de CO2 na ordem de 56 gigatoneladas até 2050. Em outras palavras: fabricar plástico pode custar de 10 a 13% do limite estimado de emissões de carbono para que o aquecimento global se mantenha abaixo de 1,5 grau Celsius.

Mas esses números podem subestimar o impacto total dos plásticos no clima. As emissões de plásticos não terminam quando esses são jogados fora. Projetos de incineração são cada vez mais propostos como uma solução para a poluição por plásticos. Como a incineração emite muitos gases de efeito estufa, o uso generalizado pode levar a um aumento considerável nas emissões.

O efeito também pode ser indireto. Há níveis crescentes de detritos de microplásticos nos oceanos, que podem interferir nos processos biológicos através dos quais o plâncton captura dióxido de carbono na superfície do mar e sequestra o carbono nos oceanos profundos. Os mecanismos e a extensão com que os microplásticos podem interferir neste equilíbrio são importantes, porém pouco estudados ainda.

 

 

Impactos da incineração do plástico

Há ainda outra ameaça. Com toda discussão sobre reciclagem, há uma tentativa de construção de uma narrativa – equivocada – de que a incineração dos resíduos seria uma medida positiva e ajudaria a combater esse tsunami de plástico. A queima a céu aberto é uma maneira de se livrar do plástico, mas isso simplesmente libera na atmosfera dióxido de carbono e muitos produtos químicos tóxicos que os plásticos contêm. Além de poluir o ar que respiramos, não é segredo que a queima de hidrocarbonetos é um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas.

As instalações de incineração têm várias formas, incluindo usinas de produção de energia a partir de resíduos (waste-to-energy), coincineração em caldeiras industriais e fornos de cimento, além de tecnologias para transformar plástico em combustível (plastic-to-fuel), como a gaseificação e a pirólise. Como no caso da queima a céu aberto, essas soluções convertem resíduos plásticos em poluição do ar na forma de irritantes respiratórios, dioxinas e furanos causadores de câncer, metais pesados, incluindo mercúrio, cádmio e chumbo, e os principais gases de efeito estufa. Mesmo equipamentos sofisticados de controle de poluição não conseguem impedir que todos os poluentes sejam liberados no ar. Os poluentes capturados são concentrados nas cinzas, que são enviadas para aterros ou misturadas em cimento e em outros materiais de construção. A partir daí, os poluentes podem penetrar no solo e nas águas subterrâneas.

 

 

IHU On-Line - Em que pé está a regulamentação do artigo 33 da Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS, que prevê a responsabilização das empresas pela logística reversa?

Marcelo Montenegro - Antes de mais nada, temos que deixar claro que a logística reversa, de acordo com o estipulado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, põe a responsabilidade pelo custeio da coleta e classificação dos materiais recicláveis para o gerador do produto (fabricante, importador, distribuidor e comerciante). São eles que devem tomar todas as medidas necessárias para assegurar a implementação e operacionalização do sistema de logística reversa sob seu encargo. Mas o Brasil ainda está longe de ter um sistema de logística reversa efetivo. Há entraves e ações que precisam ser tomadas, de acordo com setores da sociedade civil. Existe, por exemplo, a necessidade de o setor produtivo realmente assumir a responsabilidade pelo pós-consumo. Há também uma demanda para que o país inicie um debate nacional sobre o banimento dos plásticos de uso único, que são um dos principais problemas dos resíduos plásticos.

É preciso também que se implementem políticas eficientes de acesso universal a uma coleta seletiva em três frações: recicláveis, compostáveis, rejeitos. Isso não significa que as prefeituras devem operar os sistemas de fluxo reverso dos resíduos recicláveis, dado que essa atribuição de custear a coleta seletiva dos recicláveis e do rejeito é do setor privado, que o faz em países da Europa e resiste em fazer no Brasil.

Também é importante mencionar dentro da PNRS a questão dos lixões. A PNRS previa o encerramento dos lixões até 2 de agosto de 2014. Porém, desde que a PNRS entrou em vigor até a última atualização de dados, um total de 1.266 passaram a operar, sendo que 60,4% iniciaram as operações após 2014, ou seja, depois do prazo inicialmente estabelecido. Somando aos lixões registrados antes do início da PNRS, temos um total de 2.118 lixões registrados, sendo que 279 declaram não estar em operação.

Depois de alguns adiamentos, o fechamento dos lixões ficou para até 2024, ou seja, dez anos após o prazo inicial.

 

 

IHU On-Line - Quais são as alternativas em relação ao uso massivo de plástico e qual nosso papel neste contexto?

Marcelo Montenegro - É importante dizer que o modelo atual de consumo desenfreado de plástico é insustentável. A projeção de aumento de 400 milhões de toneladas de plástico atualmente para 600 milhões em 2025 trará um impacto enorme em nossa biodiversidade e saúde. Eliminar o plástico de uso único já traria uma boa redução quanto à produção total por terem um percentual significativo. Até 2019, 12 estados aprovaram legislações sobre banimento de sacolas, canudos e/ou copos plásticos. Essas diferentes iniciativas locais geram uma oportunidade de trazer este debate público para uma legislação sobre banimento do plástico de uso único para o nível nacional.

Também há a necessidade de mudar o nosso comportamento e paralisar a cultura do descartável. A substituição por bens mais reutilizáveis e de longa duração, como vidros, contribuiria para essa mudança. Comprar de lugares que não utilizem plástico e questionar aqueles que usam. E sempre que usar algum tipo de plástico, lavar, separar e colocar para a coleta seletiva.

Porém, apesar de importante, atitudes individuais são insuficientes. Existem ações e medidas que governos e empresas podem (e necessitam) fazer para que todas e todos tenham acesso à informação e a serviços que possibilitem essa mudança de comportamento. Tornar efetiva a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em especial o artigo 33 e a extinção dos lixões, deve ser prioridade.

Há também grupos que demandam maior investimento em alternativas mais sustentáveis frente aos produtos plásticos, que vão desde cotonetes de papel até a possibilidade de vendas a granel. A reutilização dos materiais, nesse caso, também se torna fundamental. Enquanto indivíduos podem reutilizar garrafas de água ao longo do dia, empresas podem encorajar consumidores a trazerem seus próprios compartimentos e xícaras de café. E as grandes corporações estabelecem sistemas para que os consumidores possam reutilizar o compartimento que vendem, fazendo o refil de seus produtos nas lojas. A construção de um sistema para depositar compartimentos retornáveis também encorajaria consumidores a retornarem suas embalagens de produtos para o ponto de coleta. Tudo custeado pelas empresas que produzem as embalagens, reforçando o conceito de poluidor x pagador.

 

 

IHU On-Line - Algumas prefeituras realizam a coleta seletiva, quase sempre com serviços terceirizados. Qual o papel destas empresas/prefeituras no trabalho de reciclagem de plástico e qual tem sido o papel dos catadores? O que se sabe, em termos de impactos ambientais deste trabalho, no Brasil?

Marcelo Montenegro - Como início, é preciso reconhecer o papel dos catadores como principais agentes da cadeia produtiva da reciclagem. Atualmente, existem cerca de 800 mil profissionais catadores em atividade no Brasil, e uma média de 1.700 cooperativas. Sem a participação deles, milhares de toneladas de plástico não chegariam às indústrias e muitos bens não seriam produzidos.

Em nosso Atlas do Plástico, há um artigo que aponta algumas das principais questões com relação aos catadores. Apenas 12,5% do total de catadores são formalizados, o que implica ter jornada de trabalho de oito horas diárias e seguridade social. Desde a aprovação da PNRS, a categoria vem lentamente saindo da informalidade. No entanto, ainda são poucas as prefeituras que pagam corretamente o serviço dos catadores e, portanto, cumprem a lei.

É importante ressaltar aqui a demanda do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis que, em Moção pelo fortalecimento da coleta seletiva com integração dos catadores contra a incineração de resíduos sólidos domiciliares, pede que se implementem programas abrangentes de inclusão das catadoras e dos catadores de materiais recicláveis nos sistemas de coleta seletiva e de logística reversa, via contratação direta (contrato de prestação de serviços), com remuneração justa pelos serviços prestados pelas cooperativas e associações de catadores, custeada pelo setor produtivo, responsável pela logística reversa dos resíduos sólidos domiciliares, segundo o art. 33, §1º e §7º, Lei nº 12.305/2010.

O Movimento também solicita que governos municipais realizem levantamento dos catadores avulsos e das condições de funcionamento de todas as associações e cooperativas de catadores que atuam nos municípios e que não estejam contempladas de forma estruturada em planos e/ou programas de manejo da coleta seletiva e triagem existentes. Com base nesse levantamento, o poder público municipal e estadual deverá criar um apoio emergencial para suprir a perda de receita pela redução ou paralisação das atividades até a retomada do ritmo original.

Pede ainda o Movimento que governos municipais acelerem os processos de encerramento das atividades nos lixões, pois afrontam qualquer possibilidade de resguardo de condições mínimas sanitárias e de dignidade humana, em qualquer circunstância e especialmente nesse momento da pandemia. A urgência no encerramento deve estar vinculada ao necessário processo de transição para o sistema de coleta seletiva, com participação das catadoras e dos catadores de materiais recicláveis, conforme estabelecido no art. nº 17, inciso V, da PNRS, “eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”.

 

 

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Marcelo Montenegro - O Atlas do Plástico é uma iniciativa da Fundação Heinrich Böll que busca fazer um convite para reflexão e debate público sobre o plástico e o seu impacto social, ambiental e econômico. Afinal, a crise do plástico diz respeito a todas e todos, empresas, governos e sociedade civil. A reciclagem é a segunda forma mais eficiente de se combater o tsunami de plástico. A primeira é simplesmente não produzir tanto plástico.

 

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