21 Fevereiro 2020
A consequência da proclamação da infalibilidade foi a definitiva centralização romana e curial da Igreja católica ("ultramontanismo"), já iniciada pelo Concílio de Trento, mas que agora podia contar com uma visão eclesiológica e dogmática que colocava o pontífice em uma posição de autoridade em relação aos bispos e ainda mais dos simples fiéis, nunca antes formalizada nesse nível.
O artigo é de Marco Rizzi, professor de literatura cristã antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, em artigo publicado por Corriere della Sera, 09-02-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O primeiro Concílio Vaticano, celebrado em Roma entre dezembro de 1869 e julho do ano seguinte, aparece nas sombras da historiografia recente, incluído entre os momentos decisivos marcados pelo Concílio de Trento no século XVI e pelo Vaticano II no século XX. John O'Malley, autor de importantes obras sobre estes últimos (O que aconteceu no Vaticano Segundo e Trento. A história do Concílio, ambos traduzidos por Vita e Pensiero), colocou nas bancas um perfil sintético, mas eficaz, do Vaticano I, publicado pela mesma editora, Vaticano I. O Concílio e a gênese da Igreja ultramontana (em tradução livre). O'Malley enfatiza a continuidade entre os dois concílios Vaticanos.
De fato, se o Vaticano I é lembrado acima de tudo pela declaração de infalibilidade papal, seus motivos fundamentais foram outros, como corretamente observa o estudioso.
Em primeiro lugar, a condenação do mundo moderno em suas manifestações mais peculiares, já enunciada no Sílabo dos erros de Pio IX (1864): o liberalismo e a democracia no campo político, o positivismo e o racionalismo naquele cultural.
A enunciação da infalibilidade deve ser entendida sob essa luz, como reafirmação do princípio de autoridade que aos olhos dos católicos da época (e não apenas a eles) parecia dramaticamente abalada pelos acontecimentos que se seguiram à Revolução Francesa. Era um tema que ia além da igreja católica, envolvendo os lados opostos de conservadores e liberais. Por si só, ninguém duvidava que a igreja como um todo e o Papa detivessem a verdade em matéria de fé e desfrutassem de assistência particular do Espírito Santo: mesmo aqueles que se opuseram à declaração durante os trabalhos conciliares o fizeram por motivos de oportunidade e método, e não por mérito, tanto que a assinaram após a aprovação conciliar, mesmo tendo se afastado de Roma antes da votação.
O que estava em discussão era a relação entre a autoridade do pontífice e a do corpo episcopal: a primazia do papa estava de alguma forma ligada ao conjunto dos bispos, sucessores dos apóstolos, ou eles recebiam sua autoridade do bispo de Roma, sucessor de Pedro?
A consequência da proclamação da infalibilidade foi a definitiva centralização romana e curial da Igreja católica ("ultramontanismo"), já iniciada pelo Concílio de Trento, mas que agora podia contar com uma visão eclesiológica e dogmática que colocava o pontífice em uma posição de autoridade em relação aos bispos e ainda mais dos simples fiéis, nunca antes formalizada nesse nível.
O temor dos governos, mesmo de estados católicos como a Áustria, de que os cidadãos se sentissem vinculados a um soberano estrangeiro como o papa era então, favoreceu a dissolução do vínculo entre trono e altar e pôs fim às fantasias reacionárias de De Maistre e Donoso Cortés, defensores da infalibilidade como modelo de soberania absoluta a ser replicada em nível estatal; os “bersaglieri” de Porta Pia fizeram o restante. Paradoxalmente, isso iniciou o caminho que levou à derrubada de ambas as intenções chave do Vaticano I: menos de cem anos depois, o Vaticano II abriu a Igreja católica ao mundo moderno e às suas conquistas e relançou a colegialidade episcopal e a unidade intrínseca do povo de Deus, laicos, sacerdotes e bispos.
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Concílio Vaticano I, quando o Papa queria permanecer rei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU