07 Mai 2021
Respeitar o plano de Deus para os animais não humanos é mais relevante do que nunca. O próprio destino da nossa espécie depende disso.
A opinião é de Charles C. Camosy, teólogo estadunidense e professor de Ética Teológica e Social na Fordham University, nos EUA.
O artigo foi publicado em Religion News Service, 06-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao longo da última década, nos círculos teológicos cristãos, houve uma explosão de preocupação com os animais não humanos. Poucas pessoas acompanham as tendências teológicas, então não sinta vergonha se você perdeu esta.
Mas o fato é que, embora grande parte da teologia seja, pela sua própria natureza, bastante abstrata, esta é compreensível: uma grande maioria de nós tem companheiros animais, por exemplo. Todos nós comemos, e muitos de nós pensamos, falamos e até ficamos obcecados mais com aquilo que comemos do que com Deus, digamos. E a forma como tratamos os animais tem muito a ver com aquilo que colocamos nos nossos corpos – e não apenas para comer.
Além disso, o debate sobre os animais não humanos apresenta alguns pontos de atrito.
O teólogo católico John Berkman, uma corajosa luz na escuridão sobre essa questão, optou por focar sua obra nos animais, apesar das ameaças de seus chefes na Universidade Católica dos Estados Unidos de que eles o removeriam do cargo. Berkman agora leciona Teologia Moral no Regis College da Universidade de Toronto e, sob a sua direção, os estudantes de pós-graduação (como Allison Covey) estão escrevendo dissertações e teses sobre teologia animal.
Existem outras figuras pioneiras nesse campo: Andrew Linzey, para citar um, e David Clough, para citar outro. Clough, talvez a voz mais importante nesse campo na última década, definiu o padrão para os estudos teológicos com seu livro de dois volumes de 2018 [intitulado “On Animals”, sobre animais, com um tomo sobre teologia sistemática e outro sobre ética teológica].
Celia Deane-Drummond, anteriormente teóloga moral na Universidade de Notre Dame, fundou o Instituto de Pesquisa Laudato si’ na Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Recentemente, Deane-Drummond, Berkman e eu colaboramos com uma edição especial do Journal of Moral Theology, a primeira revista acadêmica de teologia católica a dedicar uma edição inteira aos animais não humanos.
Desde então, o Pe. Christopher Steck, da Georgetown University, publicou “All God's Animals: A Catholic Theological Framework for Animal Ethics” [Todos os animais de Deus: um marco teológico católico para a ética animal], consolidando o tema como absolutamente essencial para a teologia moral católica.
Mas é o trabalho público do mundo real que está colocando em jogo a questão do tratamento e da dignidade dos animais. O projeto Farm Forward, de Clough, é realmente emocionante e incomparável. Há alguns meses, recebi uma nota do Nonhuman Rights Project, perguntando se eu tinha interesse em ajudar a organizar uma petição amicus curiae de teólogos católicos em apoio às tentativas legais do projeto de libertar a elefanta Happy do seu cativeiro no zoológico do Bronx. Eu fiquei encantado, e a petição – assinada por Berkman, Covey, Deane-Drummond, Steck e eu – foi publicada e enviada ao Tribunal de Apelações de Nova York em fevereiro passado.
Nele, apresentamos o argumento geral de que, especialmente na tradição bíblica compartilhada tanto por judeus quanto por cristãos, a criação de Deus não foi feita para os seres humanos. Pelo contrário, no primeiro capítulo do primeiro livro da Bíblia, o Gênesis, Deus afirma que múltiplos aspectos da criação são “bons” em si mesmos, antes mesmo que os seres humanos tenham sido sequer criados.
Quase todos os teólogos agora concordam que a dominação bíblica que Deus deu aos seres humanos sobre a criação não é uma licença para usar e dominar, mas sim um mandato para serem cuidadores, zeladores e administradores.
Somos semelhantes a vice-reis que governam em nome de um soberano e de acordo com os desejos desse soberano. Deus, soberano do universo, revela por meio das Escrituras um desígnio para aquilo que os teólogos chamam de “reino pacífico”, que inclui relações não violentas entre seres humanos e animais não humanos.
E, então, aplicamos esse argumento geral a Happy, uma paquiderme de 49 anos de idade, que não é uma “coisa” a ser confinada, usada e exposta por nós em um zoológico (mesmo na tentativa de produzir um bom resultado), mas um tipo particular de criatura que Deus fez florescer.
Happy não pode florescer como esse tipo de criatura enquanto estiver no cativeiro no zoológico do Bronx. Ela seria significativamente mais capaz de se tornar o tipo de criatura que Deus a criou para ser em um santuário de animais.
Os animais não humanos como Happy foram criados para se enquadrar em um determinado lugar dentro da ordem da criação de Deus, uma ordem que os seres humanos devem respeitar.
Enquanto esperava que o processo legal em torno do destino de Happy se desenrolasse, eu recebi um e-mail do presidente de uma comissão especial da Academia Nacional de Ciências pedindo a minha opinião como teólogo moral católico sobre se uma determinada pesquisa biomédica com animais, que estava em processo de avaliação, era moralmente aceitável.
À luz do terrível custo que as doenças neurológicas como a demência têm (um custo sobre o qual a pandemia acendeu os refletores), os pesquisadores estão ansiosos para encontrar algo, qualquer coisa, que possa nos levar a derrotá-las. Mas uma proposta significativa apresentada – a cultura de tecido neurológico humano em animais não humanos para estudar melhor o modelo da doença humana – vai longe demais.
Em uma reunião online com a comissão da Academia Nacional de Ciências, eu argumentei que as vozes líderes em ética animal hoje – religiosas e seculares – rejeitam a ideia de que os animais não humanos são meros instrumentos. Com seu próprio valor inerente, bastante diferente de qualquer bem que possa advir do uso que fazemos deles, os animais devem ser tratados como o tipo de criaturas que são. Não importam os seus benefícios, a pesquisa que cultiva células em outros animais é uma violação óbvia dos nossos deveres.
Se certos animais têm direitos legais de não serem confinados em zoológicos ou se vamos criar neuro-híbridos de animais humanos e não humanos são questões suficientemente importantes em si mesmas. Mas, no fim, você pode simplesmente não se importar com as outras espécies. O fato de tratarmos ou não os animais como o tipo de criaturas que Deus os fez, pode não ser do seu interesse.
O destino dos humanos, no entanto, também depende de como tratamos os animais. Simplesmente não há como jamais reverter as mudanças climáticas globais sem desmantelar as enormes fazendas-fábricas que tratam os animais como “unidades de proteção por metro quadrado” em vez de animais com a sua própria dignidade inerente. Essas fazendas são um dos contribuintes mais significativos para as mudanças climáticas globais.
Se os usamos principalmente para a alimentação, a existência dos humanos exige que cuidemos dos animais em fazendas menores, onde eles tenham a permissão para viver as suas vidas de acordo com o plano de Deus.
Portanto, sim, respeitar o plano de Deus para os animais não humanos é mais relevante do que nunca. O próprio destino da nossa espécie depende disso.
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Qual o plano de Deus para os animais? Um tema candente para a teologia. Artigo de Charles C. Camosy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU