Francisco sai mais forte do “livrogate” do Vaticano

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16 Janeiro 2020

Ao final, o povo fica com essa canção: “En la Iglesia, hay dos Papas y, encima, se llevan a matar” (uma expressão espanhola para “não se dão bem”).

O que o povo das ruas não sabe é que o que estamos vivendo é um tensionamento não somente entre dois Papas, mas sim entre dois modelos de Igreja, e um ataque preventivo.

tensionamento de Ratzinger-Sarah contra Francisco é uma espécie de ataque preventivo contra o processo sinodal alemão.

Para saírem minimamente “aliviados”, os implicados (o cardeal Sarah, o secretário de Ratzinger, monsenhor Gänswein e o próprio Ratzinger) brigam entre si e jogam culpa um ao outro em um espetáculo grotesco e difamatório.

Quiseram utilizar o Papa emérito ou este se deixou ser utilizado (algo que somente ele sabe), porém fracassaram tão clamorosamente que deixaram o campo aberto para que a primavera de Francisco siga florescendo, em Roma e no mundo.

O comentário é de José Manuel Vidal, publicado por Religión Digital, 15-01-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Um destacado e veterano vaticanista italiano, Marco Politi, chama de “livrogate” o primeiro episódio de uma “guerra civil” vaticana entre os dois Papas. Parece-me um pouco exagerado, tratando-se de dois Sumos Pontífices e duas Santidades. Creio que é mais ajustado falar de tensionamento e de ataque preventivo.

Neste sentido, não importam tanto, pois, os “diz que me disse” sobre a autoria total ou parcial do livro por parte do Papa emérito. O vivido nestes dias me parece rocambolesco, cômico, um pouco ridículo e de vergonha alheia, se não afeta a credibilidade social da Igreja. Ao final, o povo fica com essa canção “En la Iglesia, hay dos Papas y, encima, se llevan a matar”.

O que o povo das ruas não sabe é que o que estamos vivendo é um tensionamento não somente entre dois Papas, mas sim entre dois modelos de Igreja, e um ataque preventivo. Isso é, uma emenda à totalidade, disfarçada sob o manto de uma advertência sumária: o celibato é intocável, porque há um vínculo ontológico entre este e o sacerdócio. Para a ala mais conservadora eclesial a Igreja em saída de Francisco não os agrada e preferem a do Concílio congelado e a dos “princípios inegociáveis”. Inclusive se são discutidos ou discutíveis. Inclusive se não afetam os dogmas, mas sim a uma simples lei disciplinar da Igreja.

No fundo, é uma tentativa, afortunadamente fracassada, de dizer a Francisco: “Não tem enfrentamento neste tema secundário e terá muito mais em outro tipo de temas, que possam ser debatidos e consensuais nessa Igreja sinodal que está em marcha”. Uma alavanca sem apoio, uma alavanca sem força doutrinal, porque lhes dá pé para aglutinar seguidores e prepara-los para o cisma.

Porque, na realidade, o tensionamento de Ratzinger-Sarah contra Francisco é uma espécie de ataque preventivo contra o processo sinodal alemão, que já está em marcha e que pretende fundamentar doutrinalmente uma Igreja sinodal de facto, em saída, aberta ao mundo e que necessita implementar mudanças profundas em suas estruturas, em suas dinâmicas internas, na integração das mulheres, em respeito aos direitos humanos, na desclericalização, e especialmente, na atualização da moralidade sexual. O Sínodo da Amazônia parecia folclórico, mas também um precedente perigoso. O alemão os faz uma careta e o temem mais que o diabo.

E para tentar freá-lo desde o início, Ratzinger-Sarah atendem (“sempre em obediência a Deus e à consciência, pelo que não podem guardar silêncio”) a um dos principais cavalos-de-batalha do mais rançoso clericalismo. Se os eclesiásticos que são funcionários do sagrado e perdem este caráter por ficar sem celibato, acabam, portanto atirando pedras contra seu próprio telhado. Isso é, contra a casta clerical, que é a que está dinamitando desde dentro o papa Francisco e que é mais se opõe ao Evangelho de Jesus.

Por isso, Ratzinger-Sarah escolheram o tema do celibato, porque sabem que grande parte do clero os segue. E que todos os rigoristas do mundo vão cerrar fileiras com eles. E, ainda, envolver-se-ão nessa cruzada, sob a máscara do celibato, o que se trata de verdade é outonear a primavera de Francisco. Com esse novo ataque contra Francisco, se demonstra mais uma vez que o que realmente temem os rigoristas são que as reformas de Bergoglio os coíbam. E que Francisco está demonstrando que se pode reformar a fundo a Igreja sem tocar no núcleo doutrinar. E por aí não passam, inclusive a risco de que a instituição caia em irrelevância mais absoluta e na perda total de credibilidade social.

Porém, ao menos por agora, o tiro saiu pela culatra e Francisco que, como dizem alguns treinadores, parece ter “una flor en el culo” (ditado espanhol para dizer que uma pessoa tem sorte no jogo), sai reforçado do incidente. E, inclusive, a partir de agora pode se permitir o luxo de pôr em marcha o estatuto do Papa emérito. Um estatuto que não existe na atualidade e que fique claro que Papa existe apenas um, o reinante. E que o emérito deixa de ser Papa para tornar-se o bispo emérito de Roma. E, portanto, deve deixar de utilizar a batina branca e os títulos papais (Santidade, etc.) e abandonar Roma. Para que ninguém possa pensar, nem remotamente, que em Roma há dois Papas, como, de fato, muita gente pouco informada deve crer.

Em qualquer caso, Francisco, sem mover um dedo, ganhou dos rigoristas uma batalha crucial, que pretendiam converter em uma ordem das maiores. Tanto é assim que o que mais claro ficou de todo este episódio é que, para sair minimamente “aliviados”, os implicados (cardeal Sarah, monsenhor Gänswein e o prório Ratzinger) brigam entre si e jogam a culpa uns aos outros em um espetáculo grotesco e difamatório.

Quiseram utilizar o Papa emérito ou este deixou-se utilizar (algo que somente ele sabe), porém fracassou tão clamorosamente que deixaram o campo aberto para que a primavera de Francisco siga florescendo, em Roma e no mundo. E desativaram, para sempre, o estandarte do cisma que até agora levantavam os rigoristas solitários não redimidos e, agora, queriam colocá-lo nas mãos de ninguém menos que o Papa emérito.

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