MDB é tóxico e pode contaminar aliados nas eleições, diz cientista político

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26 Junho 2018

A má avaliação do governo Michel Temer torna o MDB - partido tradicional pelas alianças costuradas em eleições presidenciais -, um peso negativo no pleito deste ano.

A avaliação é do cientista político Alberto Carlos Almeida, que acaba de lançar o livro O Voto do Brasileiro, no qual analisa indicadores sócio-econômicos e eleitorais para afirmar que o resultado das eleições no Brasil é "previsível". Ele defende que o segundo turno deve se manter entre o duopólio PT x PSDB - partidos cujas máquinas eleitorais, segundo ele, "não têm competição".

A entrevista é de Néli Pereira, publicada por BBC News Brasil, 25-06-2018.

Autor de outros livros sobre o assunto, como A Cabeça do Brasileiro e A Cabeça do Eleitor, Almeida argumenta que apesar de o eleitorado brasileiro ter sido impactado pelas crises recentes e pelos escândalos de corrupção, não houve uma mudança significativa no perfil do eleitor. Segundo ele, apesar da demanda da população ser diferente, a oferta de candidatos e partidos permanece praticamente inalterada.

Eis a entrevista.

No seu livro recém-lançado, você analisa indicadores eleitorais e sociais para afirmar que as eleições presidenciais no Brasil são previsíveis e reforçam o monopólio de PT e PSDB. O senhor acredita que este pode ser o caso do pleito deste ano, mesmo com Lula preso e o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, tão em baixa?

Um forte indicador são as pesquisas já foram divulgadas e mostram o Lula liderando a corrida presidencial, mesmo preso. As pessoas podem até falar "ah, mas ele não vai ser candidato" - pode ser, mas isso é um sinal da força do PT. E essa liderança se dá graças ao Nordeste do país, o que reforça o padrão que eu demonstro no livro com base nas eleições de 2010 e 2014. O que falta é o PT ter um candidato para o lugar do Lula, e nessa hora o Nordeste vai olhar com todo carinho, pensar em programas como o Bolsa Família, como a vida deles melhorou nos anos do PT, etc.

Do outro lado, o PSDB, que é o "anti-PT". Pode ser que haja uma exceção neste ano, mas isso só vamos poder afirmar depois que a campanha começar, porque a estrutura do PSDB é muito maior do que a de vários partidos, inclusive da sigla do Jair Bolsonaro (pré-candidato pelo PSL).

O fato de as pesquisas mostrarem uma certa dificuldade do PSDB neste ano, não quer dizer que ela vá permanecer. A gente não pode esquecer que na eleição passada, o então candidato Aécio Neves passou a Marina Silva somente na quinta-feira antes da votação que ocorreu no domingo. O mesmo pode vir a acontecer com o Geraldo Alckmin, já que o PSDB tem uma máquina muito forte em São Paulo.

Quer dizer que, depois de todos os escândalos de corrupção e da Lava-Jato, nada mudou na cabeça do eleitor brasileiro?

Não é que nada tenha mudado. Quando se fala do eleitor você está falando da procura, da demanda - o eleitor demanda mudança, e isso não é de hoje. Mas quando falamos de partido, falamos da oferta, e essa oferta no Brasil é "oligopolizada". Os recursos de campanha, recursos financeiros, tempo de televisão - tudo está muito concentrado no PT e PSDB, eles são muito fortes. A diferença entre eles e os competidores deles é muito grande.

Com a recessão e os cortes de gastos públicos, muitas pessoas que haviam ascendido experimentaram retrocesso social. Como essa experiência se refletirá no voto?

Eu tenho visto isso de forma muito direta. Há um apoio muito forte ao voto de oposição - e a oposição sendo o PT. Ou seja, na cabeça do eleitor funciona mais ou menos assim: "tiraram o PT e colocaram um governo que não está funcionando, então põe o PT de volta".

Essa intenção de voto no Lula mostra um pouco isso, e nas pesquisas você observa que há um favoritismo para o PT. Então, embora a crise tenha afetado figuras do partido, o saldo favorece a sigla nas eleições desse ano, as pesquisas mostram isso inclusive para o segundo turno. Aí, mesmo que você não tenha o Lula, que seja outro candidato, o partido tem uma máquina muito forte, por exemplo: o governo da Bahia, de Minas Gerais, que é o maior colégio eleitoral do país. Se somar Minas, Bahia, Maranhão, Piauí, dá um quarto do eleitorado brasileiro, sem contar todos os Estados do Nordeste.

Tem um lado bom do Lula não fazendo campanha para ele mesmo - afinal, ele está respondendo a acusações, o nome dele foi envolvido em escândalos, etc. Outro candidato do PT que não seja o Lula, não terá esse lado tão ruim. O Lula tem ativos, sim, mas tem passivos também.

Assim como aconteceu em outros países, qual a chance de termos aqui um candidato ultra conservador com sucesso no pleito, como Jair Bolsonaro? Como ele se insere em meio ao monopólio PT/PSDB?

A diferença é que na Europa, e até nos Estados Unidos, você tem o tema da imigração, que não existe aqui no Brasil. Lá você tem uma onda de imigrantes que são acusados de ocupar vagas de trabalho dos cidadãos dos países para onde vão, e isso vira um tema muito forte das campanhas conservadoras, como a de Marine Le Pen na França. Então, o que poderia fortalecer esse discurso aqui no Brasil? O tema da segurança pública?

Duvido um pouco, porque os governadores vão fazer campanha em cima desse tema, eles controlam as polícias militar e civil - isso vai fazer o discurso do Bolsonaro parecer um pouco demagogo, porque ele vai falar, prometer o que não poderá cumprir. Tem muita onda para passar debaixo dessa ponte que vão acabar mostrando os pontos fracos do Bolsonaro.

O senhor falou sobre segurança pública, quais devem ser os grandes temas das campanhas deste ano?

Tudo o que estiver relacionado ao bem estar social e econômico das pessoas - aumento de poder de compra, ter acesso a programas sociais. A palavra que costura tudo é acesso: acesso a bens de consumo via renda, acesso a serviços, acesso a programas sociais. A campanha deve ser muito focada nisso.

O MDB é sempre um peso importante nas eleições presidenciais, e nas alianças. Qual deve ser o peso do MDB neste ano?

O MDB tem um peso de um governo muito mal avaliado. Para onde o partido for e apoiar, ele vai ferir de morte aquele que estiver junto. Quem encostar no MDB, quem encostar no governo, está morto.

Mas em uma eleição em que todos os candidatos têm um tempo de televisão curto, como os partidos vão disputar a eleição sem o tempo de TV e a capilaridade do apoio do MDB. Vai dar para ganhar a eleição, ignorando os pesos pesados do MDB?

Sobre o tempo de TV, para se ter uma ideia, o PT terá 30 vezes mais tempo que o Bolsonaro. A Marina Silva tem menos ainda. A assimetria é muito grande. O Alckmin a mesma coisa: o Ciro Gomes tem muito menos tempo. Então isso reforça o peso, mesmo com as alterações de campanha.

Sobre o MDB, as máquinas estaduais no Brasil se dividem em função do voto regional, então o MDB do Nordeste já afirmou que vai apoiar o PT, caso de Alagoas, e no Sul a sigla já declarou apoio ao PSDB, como RS e SC.

Na convenção que definirá se o partido vai ou não ter candidato, já que o Henrique Meirelles está se colocando, ali teremos uma definição mais precisa de como eles vão se comportar, inclusive em termos de apoio.

Outra coisa: quem o MDB apoiar, perde a eleição. Por exemplo, a escolha do vice do Alckmin, se essa figura for do MDB, ele perde. O MDB é tóxico, inteiramente tóxico, porque o governo é muito mal avaliado.

A imagem do partido é muito ruim, não só do presidente. Seria uma loucura ter o MDB por perto, quem o tiver, perde. As divisões regionais é que regem o apoio das máquinas estaduais do partido, então nas regiões onde o PT é mais votado, a máquina vai para onde o vento sopra, e o mesmo com o PSDB. E por fim, o impacto do tempo de televisão ainda não está claro porque vai depender das escolhas que eles farão na convenção.

É possível falar de um realinhamento eleitoral no Brasil? De que forma ele se configura? E algo muda para as eleições do Legislativo?

É difícil de dizer. O que já observamos é que essa mudança sobre as doações privadas de campanha vai dificultar a entrada de novos políticos - os que vão entrar serão aqueles que estarão dispostos a gastar uma fortuna pessoal, ou algo desse tipo.

Na minha avaliação, de certa forma, isso vai ter um aspecto negativo para a política e já há estudos que detectam que mostram que a cada eleição que passa, os candidatos eleitos tendem a ser os mais ricos, e isso está aumentando a distância social entre os eleitos e não eleitos.

Antigamente, os eleitos eram pouco mais ricos que os não eleitos, agora eles são muito mais ricos do que aqueles que perdem as eleições. Isso gera um grupo de parlamentares que são ricos pessoalmente. Essa é a única janela de renovação hoje em dia. O restante vai ter o financiamento público e quem segura a máquina do partido vai ter esse financiamento.

E sobre o perfil do eleitor? No seu livro o senhor defende que o perfil sócio-econômico é determinante para o voto e que houve uma mudança significativa a partir da eleição de Lula em 2006. O peso desse fator deve ser o mesmo neste ano.

De alguma maneira, já há uma configuração nessa direção. As pesquisas divulgadas até agora mostram um favoritismo do PT na região Nordeste e do PSDB em São Paulo. Isso mostra que o peso desse fator não foi alterado.

Podemos esperar alguma mudança no comportamento do eleitor com base na ideologia de alguns candidatos, inclusive sobre temas mais sociais, como identidade de gênero, legalização do aborto, entre outros?

Eu ficaria surpreso se os candidatos seguissem para esse tipo de discussão. Os jornalistas vão questioná-los sobre isso, mas eles entendem que a economia é mais importante - a população brasileira é muito carente, o que mobiliza mesmo os votos é o consumo, poder comprar mais. As pessoas estão contraindo gastos até no supermercado, acredito que esses temas serão mais discutidos.

Com Lula preso, muitos de seus eleitores continuam sem candidato. Quem tende a "herdar" esses eleitores? Por quê?

Na minha avaliação, esses eleitores devem ficar com PT porque o partido tem uma máquina muito forte. A gente pode até imaginar como vai ser essa dinâmica de lançamento de um candidato: eles vão anunciar quem vai ser, o ex-presidente deve enviar uma carta, que será lida, esse nome vai ser entrevistado e ter mídia forte durante algum tempo, a exposição midiática vai ser muito grande - e esse candidato pode crescer.

Os grandes escândalos não arranharam a imagem de PT? E agora do PSDB? O eleitor não está ligando pra isso? Por quê?

Arranharam sim, se não tivessem arranhado, a eleição estaria ganha no primeiro turno. Ainda que se suponha um equilíbrio porque a imagem do PT está arranhada, a ascensão do Bolsonaro também por causa dessa imagem mais prejudicada - não fosse isso, o PT ganharia no primeiro no turno e o PSDB estaria mais à frente nas pesquisas, com muito mais solidez. Então os escândalos de corrupção estão sendo sentidos sim, e eles é que são responsáveis pelo cenário que estamos vendo antes das eleições e da campanha em si.

No livro o senhor analisa indicadores para afirmar que um segundo turno sem PT e PSDB neste ano é possível, mas não provável. Por quê?

Por causa das máquinas. Hoje a dificuldade maior é dizer se o PSDB vai. Mas eles têm uma máquina muito forte, um domínio político em cada Estado - agências de publicidade, diretores de entidades estatais, de hospitais - essa máquina fica ali esperando a eleição, e será ativada na campanha. O PSDB tem essa máquina muito forte principalmente em São Paulo. E o PT continua tendo uma máquina forte, como eu disse anteriormente. Nesse aspecto, podemos não ter nenhuma novidade.

A oferta é rígida, e limitada. E faz parte de uma construção, que leva tempo. PT e PSDB são grandes jogadores.

E olhando para um futuro próximo, há alguém ou alguma sigla que desponte no cenário político capaz de competir com esses dois grandes partidos?

Não vejo isso acontecer, e se trata de um processo longo, tem que ser plantado e construído. Se pegarmos o caso do Movimento 5 Estrelas na Itália, eles vêm construindo, isso leva tempo. Não é de uma hora para a outra.

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