05 Abril 2024
Entre as vítimas da guerra na Ucrânia está também o ecumenismo, entendido como diálogo entre Igreja de Roma e Patriarcado ortodoxo de Moscou.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 04-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma longa temporada de contraposição e desconfiança havia finalmente sido superada, pelo menos em parte, pelo paciente trabalho de tecelagem, não desprovido de obstáculos e contratempos, levado adiante ao longo das décadas após a queda do Muro de Berlim; finalmente, em 2016, o Papa Francisco tinha se encontrado com Kirill em Cuba, em território neutro por assim dizer, para um abraço que poderá marcar uma nova era no diálogo entre o Oriente e o Ocidente.
Contudo, o Patriarcado de Moscou posteriormente escolheu outro caminho; defender a identidade russa de um Ocidente que caiu vítima de Satanás é o objetivo da igreja de Moscou, e dessa empreitada faz parte, com todos os direitos, a guerra pela reconquista da Ucrânia. Isso é o que pode ser lido na Declaração final do Congresso mundial russo, órgão político-religioso promovido pelo patriarcado ortodoxo no início da década de 1990 para defender as tradições russas.
O evento, realizado em Moscou no final de março, aconteceu sob a liderança do próprio Kirill. "Todo o território da moderna Ucrânia – consta no texto da Declaração – deveria entrar em zona de influência exclusiva da Rússia. A possibilidade da existência nesse território de um regime político russófobo hostil à Rússia e ao seu povo, bem como de um regime político controlado por um centro externo hostil à Rússia, deve ser completamente excluído”.
Não só isso: “Do ponto de vista espiritual e moral, a operação militar especial é uma guerra santa, no qual a Rússia e seu povo, defendendo o espaço espiritual unificado da Santa Rússia”, protegem “o mundo do ataque do globalismo e da vitória do Ocidente caído no satanismo"; em última análise: “Construir um estado russo milenar é a forma mais elevada de criatividade política da nação russa".
Essas e outras afirmações parecem ecoar temas de um passado sinistro, tamanha é a força da propaganda.
Por outro lado, se erguer uma barreira para defender as suas tradições espirituais e invocar por isso a guerra santa se torna o mantra da ortodoxia russa, é evidente que não há mais nenhum espaço para o diálogo ecumênico entre “irmãos separados”, nem para escutar propostas de paz que não sejam acompanhadas pela perspectiva da capitulação do inimigo.
Nesse sentido, chega ao fim toda uma longa temporada ecumênica, mostrando também os limites de um diálogo entre igrejas que evitou enfrentar algumas questões mais profundas.
Assim Francisco, durante a mensagem pascal, referindo-se à guerra na Ucrânia, disse:
“Enquanto convido ao respeito pelos princípios do direito internacional, almejo uma troca geral de todos os prisioneiros entre Rússia e Ucrânia: todos por todos!”.
Portanto, na posição da Santa Sé, retorna o apelo ao direito internacional, já explicado pelo D. Paul Gallagher, secretário da Santa Sé para as relações com os Estados e as organizações internacional, conforme aparece numa entrevista à revista jesuíta “América” de 25 de março: “Ainda apoiamos a integridade territorial da Ucrânia.
Não acreditamos que as fronteiras dos países devam ser modificadas com a força. Essa continua sendo a nossa posição. Acreditamos que essa é a posição correta e essa é a nossa posição em relação à Ucrânia".
“Ao mesmo tempo – acrescentava – também reconhecemos o direito da Ucrânia de tomar todas as medidas que possam tornar possível um acordo para uma paz justa, também no que diz respeito aos seus territórios. Mas isso não é algo que possamos impor ou esperar da Ucrânia. Se a Ucrânia e o seu governo quiserem fazer isso, então fica inteiramente a seu critério”.
Em essência, afirmava Gallagher, se Kiev depois decidir negociar sobre a cessão de pedaços de território para obter a paz, é livre para fazê-lo, mas isso não pode lhe ser imposto. Não por acaso as palavras de Papa e de D. Gallagher, recebiam aplausos e agradecimentos imediatos do Arcebispo Sviatoslav Shevchuk, chefe da Igreja greco-católica da Ucrânia, para quem Roma “respeita a soberania, a independência e a inviolabilidade das fronteiras da Ucrânia. Essas palavras dirigidas ao coração da comunidade internacional são vitais para os ucranianos”.
É preciso dizer, porém, que se as palavras de paz, de apoio a uma trégua, pronunciadas pelo pontífice em várias ocasiões suscitaram muitas vezes mal-entendidos por parte da Ucrânia, é verdade, ao mesmo tempo, que a Santa Sé promoveu uma diplomacia humanitária com o Cardeal Konrad Krajewski, esmoleiro pontifício, que foi à Ucrânia sete vezes nos últimos dois anos garantindo a chegada de mais de 240 caminhões carregados de ajudas para a população civil.
Entre muitas outras coisas, pesa muito na posição da Santa Sé a pouca atenção recebida até agora em Moscou pela tentativa de abrir uma negociação para trazer de volta para casa milhares de crianças deportadas para a Rússia durante estes dois anos de conflito; nesse sentido, nem mesmo a voz do patriarcado chegou em ajuda do Vaticano.
Assim como é uma pedra no caminho para a paz - segundo a perspectiva da Santa Sé – a mobilização extraordinária de 150 mil soldados decidida por Putin, a serem recrutados entre os cidadãos russos entre os 18 e os 27 anos, até a próxima primavera do hemisfério norte.
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A guerra santa de Kirill enterrou o diálogo do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU