29 Fevereiro 2024
“Estamos testemunhando o início de uma implosão do Patriarcado de Moscou, mesmo em países historicamente ligados à Igreja Ortodoxa Russa”, afirma Antoine Nivière, autor e professor de história, religião e cultura russa na Universidade de Lorraine (França).
A reportagem é de Alice d’Oléon, publicada em La Croix International, 26-02-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele diz que isso se deve em grande parte ao apoio firme do Patriarca Kirill a Vladimir Putin e à invasão da Ucrânia pelo presidente russo.
“Desde o início da guerra na Ucrânia, apesar do controle férreo que mantém sobre seu clero na Rússia, Kirill está perdendo terreno em todos os aspectos”, afirma Nivière. “Isso poderia levar ao surgimento de novas Igrejas ortodoxas completamente emancipadas de Moscou na Europa Oriental? É difícil dizer neste momento, pois o processo está apenas começando”, acrescenta.
Nesta entrevista exclusiva a Alice d’Oléon do La Croix, ele explica os vários fatores por trás da diminuição da influência do Patriarcado de Moscou.
Durante vários meses, especialmente nos países bálticos, os fiéis ortodoxos estão se distanciando de Moscou para se alinharem mais estreitamente ao Patriarcado de Constantinopla. Como você interpreta esses desdobramentos?
Assistimos ao início de uma implosão do Patriarcado de Moscou, mesmo em países historicamente ligados à Igreja Russa. Os bispos da Ucrânia, que permaneceram obedientes a Moscou até 2022, proclamaram sua independência. A Igreja na Letônia também o fez, enquanto a diocese da Lituânia vacila, assim como a da Estônia.
Foi devido à guerra na Ucrânia que a influência russa começou a diminuir nos países bálticos?
No início da invasão russa da Ucrânia, todos os bispos do Patriarcado de Moscou nos países bálticos condenaram a agressão militar da Rússia, em graus variados.
Na Letônia, o Metropolita Alexander Koudriachov, de Riga, canonicamente afiliado ao Patriarcado de Moscou, chegou ao ponto de proclamar a independência de sua Igreja, que até então era “autônoma” e tinha que validar suas decisões pelo Sínodo da Rússia. Essa declaração era esperada pelo governo letão como um gesto de distanciamento real de Moscou. Em resposta, Moscou declarou as decisões do Metropolita Alexander não canônicas e anunciou que sanções seriam impostas.
Essas sanções ainda não se concretizaram. Devido à idade avançada do Metropolita Alexander, de 85 anos, o Patriarca Kirill provavelmente prefere evitar conflitos e administrar a sucessão de Alexander no melhor interesse da Igreja Russa. Mas os dois bispos ao redor do metropolita também são de origem letã, o que sugere que podem querer manter distância da Rússia.
Na Lituânia, o bispo local também se distanciou do Patriarcado de Moscou em 2022…
Sim. No início da guerra na Ucrânia, o bispo da diocese de Vilnius, Metropolita Innocent Vasiliev, foi um dos primeiros a reagir. De fato, ele é o único bispo de nacionalidade russa no exterior que se manifestou publicamente contra a guerra na Ucrânia. Ele também expressou desacordo com as opiniões agressivas do Patriarca Kirill.
No entanto, cinco padres de Vilnius acreditavam que era necessário um rompimento ainda mais firme com Moscou. A reação do bispo lituano, um diplomata experiente, revelou-se ambígua. Por um lado, ele solicitou oficialmente autonomia para sua diocese em relação a Moscou, de modo semelhante às Igrejas dos outros dois países bálticos, pedido que o Patriarca Kirill concordou em levar em consideração.
Mas, por outro lado, o bispo destituiu os cinco padres dissidentes, reduzindo-os ao estado laico. Eles então apelaram dessa sanção canônica não ao patriarca de Moscou, mas ao patriarca de Constantinopla, que os reintegrou ao sacerdócio e criou um exarcado lituano, o primeiro passo para o estabelecimento de uma Igreja autônoma da Lituânia sob Constantinopla. Assim, duas estruturas eclesiásticas ortodoxas concorrentes coexistem agora na Lituânia, tal como nos outros dois países bálticos.
O bispo da Estônia parece permanecer sob a jurisdição do Patriarcado de Moscou, não?
O Metropolita Eugene Rechetnikov, de Tallinn, teve uma reação mais cautelosa do que os outros. Assinou uma declaração condenando a guerra na Ucrânia, mas nunca emitiu uma declaração oficial em seu próprio nome e, de fato, não se distanciou da política russa.
Depois de várias idas e vindas, o governo da Estônia finalmente recusou-se a prolongar sua autorização de residência no dia 18 de janeiro, considerando-o um risco para a segurança nacional como cidadão russo.
Antes de partir para a Rússia, porém, ele conseguiu assegurar sua posição nomeando para o episcopado um membro do clero local de sua Igreja. Isso permite ao Patriarca Kirill manter uma estrutura eclesiástica local liderada por um representante leal a Moscou, uma vez que esse novo bispo é de ascendência estônia e, portanto, não pode ser impedido de permanecer pelas autoridades locais.
Quais são as consequências dessas rejeições à influência do Patriarca Kirill?
Kirill encontra-se em uma situação bastante delicada, porque ele tem sugerido há muito tempo a Vladimir Putin que o Patriarcado de Moscou – como única estrutura que ainda cobre o território da antiga União Soviética e todos os russófonos em todo o mundo – constitui uma rede de influência e um instrumento de coesão para o "mundo russo".
Mas, desde o início da guerra na Ucrânia, apesar do domínio de ferro que ele mantém sobre seu clero na Rússia, Kirill está perdendo terreno em todos os aspectos.
Isso poderia levar ao surgimento de novas Igrejas ortodoxas completamente emancipadas de Moscou na Europa Oriental? É difícil dizer neste momento, pois o processo está apenas começando.
Kirill não corre o risco de ser rejeitado pelo Kremlin?
Sua autoridade está se desgastando, ao mesmo tempo que ele demonstra lealdade e fidelidade ao poder deles.
Desde que se tornou patriarca em 2019, Kirill tem apoiado posições ultranacionalistas e antiocidentais. Ele está na linha oficial, de modo que provavelmente não será afastado, pelo menos não imediatamente. Mas corre o risco de deixar para trás uma Igreja Russa muito enfraquecida e amplamente desacreditada – tanto no exterior quanto internamente.
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“O Patriarcado de Moscou está implodindo”, afirma especialista russo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU