15 Fevereiro 2023
"O pastor Rapisarda acredita que, falando em 22 de novembro passado na Basílica de São Pedro, eu tenha efetivamente 'lançado a ideia de que um novo tempo ecumênico poderia nascer do Vaticano', mas isso é 'um sonho' e 'o Vaticano não parece ser o lugar para tais sonhos'", escreve Paolo Ricca, teólogo, pastor valdense italiano e professor emérito da Faculdade Valdense de Teologia, em artigo publicado por Riforma, revista das Igrejas Evangélicas Batistas, Metodistas e Valdenses, 14-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Agradeço ao pastor Rapisarda por seu artigo intitulado A Igreja do fim dos tempos (“Riforma” de 10 de fevereiro, p. 15) por dois motivos: o primeiro é ter reproposto o tema do ecumenismo, o segundo é ter levantado a questão do apóstolo Pedro, do seu papel histórico e possível valor simbólico.
Vamos começar pelo ecumenismo. As perguntas são muitas: é uma utopia (como parece dizer o pastor Rapisarda)? Vale a pena dedicar-lhe tempo, energia, esforço e orações? É para ser feito ou não? É tempo perdido ou resgatado? Pode-se fazer um discurso ecumênico na Basílica de São Pedro, ou ali toda palavra ecumênica se torna irremediavelmente "ambígua" (como parece sugerir o pastor Rapisarda), enquanto se fosse dita em Genebra, no Concílio Ecumênico das Igrejas, não o seria? A Igreja Católica Romana, em seu centro direcional vaticano, é ecumenicamente confiável, ou não? Nós temos o que é preciso para estabelecer se é? As perguntas poderiam continuar, mas aquelas apresentadas são mais do que suficientes para ilustrar o ponto crucial da questão.
Levantar a questão ecumênica significa levantar a questão da Igreja.
Que Igreja é? É a Igreja dos primeiros dias, portanto não a que ainda está por vir, mas aquela que existe desde que nasceu na Pentecostes, justamente como a Igreja dos últimos dias, da "última hora" (I João 2, 18), da "noite que está quase acabando e o dia que logo vem" (Rm 13, 12), do "tempo abreviado" (I Cor 7, 29). A Igreja das origens era a Igreja do fim, e já ela – como vemos no Novo Testamento – era dividida. A unidade cristã sempre foi uma vocação mais que uma realidade.
A ideia segundo a qual a Igreja foi unida em seus primeiros mil anos de vida, e as divisões aconteceram no segundo milênio, não corresponde à realidade, é no máximo uma meia-verdade, mas justamente apenas metade.
Mas, precisamente essa observação, poderia sustentar a tese segundo a qual o ecumenismo é uma utopia, mas não é assim. A unidade cristã não é uma utopia: é um mandamento desobedecido, um dom ignorado, uma promessa traída, uma palavra não levada a sério, uma dívida não quitada com Deus e o mundo, é a Igreja que nega uma parte constitutiva de si mesma, que por isso já não sabe mais corretamente o que significa ser Igreja. É verdade que todas as Igrejas estão confortavelmente assentadas na divisão, e não se preocupam muito com isso, mas isso é uma anomalia, que infelizmente muitos cristãos nem mais percebem, ficou tão normal que parece óbvia.
O pastor Rapisarda acredita que, falando em 22 de novembro passado na Basílica de São Pedro, eu tenha efetivamente "lançado a ideia de que um novo tempo ecumênico poderia nascer do Vaticano", mas isso é "um sonho" e "o Vaticano não parece ser o lugar para tais sonhos". Não me parece ter lançado tais ideias. Eu sugeri – isso sim - o nascimento de um "papado ecumênico", completamente diferente do que existiu até agora, unicamente ao serviço da unidade católica – um papado ao serviço da unidade cristã, que obviamente só poderia nascer através de sua plena transformação, uma espécie de morte e ressurreição tanto no plano dogmático como político.
Impossível? Para Deus, nada é impossível.
O Vaticano, sabemos, sempre sonhou com a unidade cristã como um "retorno" dos dissidentes ou “separados” do rebanho romano. Esse sonho desapareceu, ao que parece, com o Concílio Vaticano II. No Vaticano está se começando a falar de "diversidade reconciliada", uma visão da unidade cristã elaborada no âmbito do Conselho Ecumênico das Igrejas já em 1974 (quase 50 anos atrás!), depois endossada pela Assembleia Mundial da Federação Luterana em Curitiba (Brasil) em 1990.
Também se fala de "comunhão conciliar", como há muito se fala em Genebra. Parece-me que algo também está se movendo em Roma. O convite a um pastor valdense pela primeira vez em 850 anos para falar "em liberdade e fraternidade" na Basílica de São Pedro no Vaticano, templo máximo do Catolicismo Romano, também deve significar alguma coisa.
A segunda questão levantada pelo pastor Rapisarda diz respeito à conhecida palavra dirigida por Jesus a Simão: “Tu és Pedro [Jesus muda seu nome], e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. É importante notar que Jesus não diz: “fundarei a minha Igreja”, mas “edificarei a minha Igreja”.
Não se fala aqui de fundação, mas de edificação: são duas coisas completamente diferentes. O fundamento é Cristo, ninguém jamais argumentou o contrário. E Jesus edifica a sua Igreja sobre aqueles que, como Pedro, o reconhecem e confessam como o Messias. Esses são "tantos pequenos Pedros" que Jesus usa para construir a sua Igreja por todo o mundo. Esse pensamento pode ser novo na forma, mas é velho de séculos: o protestantismo (mas não só!) defende que aquilo que transforma um cristão em “Pedro”, isto é, “pedra” e “rocha” com que edificar a Igreja, é a confissão de Jesus como Messias. O pastor Rapisarda teme que aquelas minhas palavras, talvez pelo lugar em que ressoaram, tenham sido "ambíguas": não sei se foram, mas as reações recebidas demonstraram antes o contrário: o discurso tinha sido até demasiado claro!
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Se o ecumenismo é ou não é uma utopia. Artigo de Paolo Ricca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU