O processo – Condenação de Jesus e a Biopolítica da Soberania

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05 Abril 2021

 

"Nas encruzilhadas deste debate contemporâneo sobre a biopolítica soberana, o processo, condenação e morte de Jesus se apresenta como um relato histórico em que confluem os diversos elementos do poder soberano agindo ativamente a modo de dispositivo biopolítico", escreve Castor Bartolomé Ruiz, professor e pesquisador do PPG em Filosofia - UNISINOS, autor, entre outros livros de As encruzilhadas do humanismo. A subjetividade e alteridade ante os dilemas do poder ético (Petrópolis: Vozes, 2006).

 

Segundo ele, "o caso do processo de Jesus é uma amostra paradigmática de como a vida humana pode ficar presa na violência do direito. Um direito utilizado como dispositivo biopolítico para neutralizar uma vida perigosa, que ameaça uma ordem estabelecida".

 

"Jesus, como homo sacer - constata o filósofo - é uma vida capturada no vácuo da anomia e abandonada à pura arbitrariedade do poder soberano".

 

Para Castor Ruiz, "a sentença de Pilatos segue o roteiro da biopolítica do poder soberano. O poder de vida e morte perante uma vida abandonada sem imputabilidade, um homo sacer. Uma vida fora de todo direito, sem direitos e, portanto, condenada ao arbítrio de uma vontade soberana. Nesse caso, o poder de vida ou morte utiliza-se da estratégia utilitarista. A vida abandonada do homo sacer está presa às malhas do utilitarismo. Seu viver ou morrer é uma questão de ponderação de custo – benefício".

 

Enfim, "a morte de Jesus segue a lógica do poder biopolítico soberano que nada mais é que uma necropolítica utilitarista que se expande ao longo dos tempos até nossos dias".

 

Eis o artigo.

 

No pensamento contemporâneo foram várias as perspectivas que apontaram para a insuficiência da lei em relação à justiça; inclusive da cumplicidade do direito na captura biopolítica da vida humana que, ao mesmo tempo que a defende legalmente, a ameaça com a possibilidade de sua suspensão caso essa vida seja considerada uma vida perigosa ou indigna do direito.

 

Kafka, na obra “O Castelo” retrata de modo paradigmático como a lei pode existir para alguém sem vigorar. A lei existe, mas se torna inalcançável para muitos. O mesmo autor, na obra “O Processo” analisa como os termos legais e os procedimentos formais do processo são tão complexos que o próprio processo se torna uma culpa.

 

Walter Benjamin ainda foi mais incisivo em sua crítica ao direito, ao afirmar, na sua obra “Por uma crítica da violência”, que o direito existe, desde suas origens, numa relação de captura e ameaça da vida humana. E que “na aplicação do poder sobre a vida e a morte, mais do que qualquer outra aplicação da lei, é o próprio Direito que se fortalece”[1].

 

Giorgio Agamben percorre territórios próximos a Benjamin ao conectar a culpabilidade originária de toda vida, origem do direito, com a prática biopolítica do poder soberano que produz a vida abandonada do homo sacer[2].

 

Homo Sacer é a vida abandonada pelo direito, contra a qual se pode cometer qualquer violência sem cometer delito. Homo Sacer é a vida capturada numa zona de anomia cuja existência depende do arbítrio de uma vontade soberana.

 

Nas encruzilhadas deste debate contemporâneo sobre a biopolítica soberana, o processo, condenação e morte de Jesus se apresenta como um relato histórico em que confluem os diversos elementos do poder soberano agindo ativamente a modo de dispositivo biopolítico. Uma análise mais detalhada dos fatos acontecidos no processo, condenação e morte de Jesus pode trazer à luz elementos ilustrativos que nos ajudam a entender algumas das teses destes autores.

 

Uma primeira questão surge se nos perguntamos por que não mataram Jesus do mesmo modo que foi morto Estevão, proto-mártir cristão? (At 7,58-8,8).  Estevão também foi acusado de calúnia ou blasfêmia, mas em vez do devido processo legal “arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo” (At 7,57). Ou seja, a morte de Estevão foi uma espécie de linchamento por apedrejamento. Por que não fizeram a mesma coisa com Jesus? A rigor teria sido mais fácil.

 

A resposta mais plausível é que Jesus não poderia morrer com um simples linchamento, pois era necessário que houvesse um processo legal completo para deixar registro histórico, jurídico e social de que sua pessoa era imoral e seus ensinamentos eram indignos. O processo legal seria a peça política que extirparia a influência social que Jesus já tinha entre amplos setores do judaísmo.

 

Ao ser condenado como blasfemo pelo tribunal supremo do judaísmo, Sinédrio, não haveria dúvida que sua pessoa, vida e ensinamentos eram desprezíveis em si mesmos. A acusação de blasfêmia (contra a Lei e contra Deus) era a mais grave possível e mostraria, de uma vez por todas, que esse homem era moralmente indesejável e socialmente inaceitável. O objetivo do processo era atingir o núcleo moral da pessoa de Jesus através de suas afirmações e práticas.

 

O processo, para que a sentença tivesse um valor jurídico e moral irrepreensível, tinha que correr de modo correto, observando todas as formalidades legais estabelecidas para que em momento algum alguém pudesse lançar qualquer sombra de suspeita ou dúvida sobre a licitude ou ilibação do mesmo. O tribunal que realizou todo o processo era o Sinédrio. Era um tribunal com poder legal de julgar todas as causas internas do povo judeu. Os romanos permitiam estas margens de autonomia legal, como estratégia para manter uma colonização menos tensa. O Sinédrio era um tribunal presidido pelo Sumo Sacerdote e que tinha uma guarnição de soldados própria.

 

Tudo se inicia com a prisão de Jesus. São os soldados do Sinédrio que a realizam. Estes soldados têm autoridade legal para realizar a prisão. A prisão é feita de noite, no monte das Oliveiras. Parece um pouco estranho fazer uma prisão de noite, num lugar distante, fora da cidade, e até o próprio Jesus lhes repreende: “Eu estava convosco no Templo todos os dias e não pusestes as mãos sobre mim” (Lc 22,53). Em qualquer caso, mesmo que resulte estranho, não há nada de ilegal na prisão de Jesus. Foi dado cumprimento ao mandato legal do Superior Tribunal de Justiça do judaísmo, na época.

 

 

De imediato vemos que depois da prisão aparece uma primeira tensão jurídico-formal implícita nos acontecimentos. Jesus, preso de noite, não poderia ser julgado durante a noite, pois a lei dizia que o Tribunal só pode funcionar legalmente durante o dia. Eis por que o evangelho de João afirma que Jesus, depois de preso, não foi levado para a sede do Tribunal, mas para a casa de Anás, que era sogro de Caifás, este por sua vez era o Sumo Sacerdote naquele ano (Jo 18,13).

 

Até pode se deduzir uma espécie de precaução jurídica em ter evitado levar Jesus diretamente para a casa de Caifás, pois, nesse caso, teríamos uma potencial ilegalidade no processo, já que se poderia aduzir que foi interrogado ou julgado durante a noite pelo Tribunal na casa do Sumo Sacerdote, violando expressamente a lei que o proibia. Para evitar qualquer suspeita ao devido processo, Jesus foi levado para a casa de Anás e lá ocorre um interrogatório informal, que não forma parte do processo; inclusive se registra que Jesus foi golpeado por responder: “Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que lhes falei, eles sabem o que eu disse” (Jo 18,21). Mas tudo isso ainda não faz parte do processo. Poderíamos dizer com numa linguagem atual que era uma espécie de “prisão preventiva” - com maus-tratos incluídos -, mas sem integrar o processo.

 

A seguir, quando amanheceu, o Tribunal, denominado de Sinédrio, já tem competência para se reunir e abrir o devido processo legal. Nesse momento, Jesus é conduzido cedo da casa de Anás para a sede do Tribunal. A sede principal do Tribunal se encontrava na região sudoeste da esplanada do Templo. O Tribunal estava composto pelos denominados “anciãos do povo”, os chefes dos sacerdotes e alguns escribas (Lc 22,66).

 

O processo se inicia seguindo o rito legal. Primeiramente o presidente do tribunal apresenta a acusação e interroga o acusado sobre a acusação: “Se tu és o Messias, dize-nos” (Lc 22,67). A seguir apresentam-se as testemunhas contra o réu. Os relatos mostram que havia uma certa dificuldade jurídica em encontrar testemunhos sólidos entre os muitos depoentes, até que “afinal apareceram duas testemunhas” (Mt 26,60) cujo testemunho de acusação parecia sólido e grave “pode destruir o Templo...” (Mt. 26,61). Não sabemos detalhes a respeito de quem eram essas testemunhas, mas pelo devido processo legal tinham que ser homens (as mulheres não tinham legitimidade legal para serem testemunhas, por serem consideradas incapazes, como as crianças) e judeus, um estrangeiro não era aceito como testemunha no Tribunal do Sinédrio.

 

Há que registrar que o acusado não tem advogado de defesa, ele tem que fazer a sua própria defesa. Por isso, o presidente do Tribunal interpela diretamente a Jesus sobre as acusações, para que se defenda. Jesus, longe de desculpar-se, as confirma de modo mais veemente. O processo termina com a declaração do presidente do Tribunal afirmando: “Que necessidade temos ainda de testemunho? Ouvimo-lo de sua própria boca” (Lc 22,71), e se pronunciou a condenação como blasfemo em grau supremo e a sentença de morte.

 

Deste processo histórico, tantas vezes documentado, poderíamos extrair duas primeiras conclusões.

 

Primeiramente, que o processo legal correu de modo correto. Foram observadas todas as exigências legais para garantia do devido processo. Também o delito do qual Jesus foi acusado – blasfêmia no mais alto grau - era um delito tipificado no, digamos, código penal judaico, sobre o qual esse Tribunal tinha competência para julgar. Se evitarmos a releitura cristã dos acontecimentos e nos ativermos à leitura estritamente legal do processo, a condenação de Jesus à morte não tem nada de ilegal. Muito pelo contrário, é uma condenação correta e, portanto, supostamente justa sob a perspectiva do devido processo legal.

 

Um segundo aspecto que também chama atenção é a rapidez com que ocorreu o processo. Não podemos deixar de nos surpreender que, talvez, em menos de duas horas se constituísse o tribunal, se convocassem as testemunhas, se realizasse o julgamento e já se pronunciasse a sentença. Certamente tamanha eficiência e rapidez no processo do Tribunal-Sinédrio merece destaque. Mas não se pode dizer que tanta rapidez tenha obscurecido legalmente qualquer parte do processo, já que todos os ritos exigidos foram observados.

 

Apresentado deste modo o processo contra Jesus - se tomamos a posição de que a condenação de Jesus, mesmo sendo legalmente irrepreensível, foi injusta -, lança uma sombra sobre o alcance do próprio direito como dispositivo biopolítico para neutralizar as pessoas perigosas em casos graves ou não tão graves. O mesmo direito que defende, pode ameaçar as vidas perigosas capturando-as nas malhas do poder instituído. Nas trilhas insinuadas por Walter Benjamin, na origem do direito está a radical culpabilidade de toda vida humana, que sempre, enquanto culpa originária, pode ser uma ameaça para o direito instituído [3]. O direito só existe em relação à vida humana. A lei sempre está dirigida a regrar a vida humana. Por sua vez, o direito se institui para sedimentar o valor de uma determinada ordem social e subsiste como defesa dessa ordem. Nos dois momentos, o direito se utiliza da violência para se instituir e para persistir. O caso do processo de Jesus é uma amostra paradigmática de como a vida humana pode ficar presa na violência do direito. Um direito utilizado como dispositivo biopolítico para neutralizar uma vida perigosa, que ameaça uma ordem estabelecida.

 

 

Como sabemos, o processo de Jesus não concluiu no Sinédrio. Este Tribunal, embora tinha competências para julgar todos os casos inerentes às questões internas do povo judeu, Roma não lhe concedeu poder legal para condenar à morte. A condenação à morte só poderia ser conferida pela autoridade romana competente, neste caso seria o governador da província da Judeia. Eis por que, de imediato, conduziram Jesus ao Pretório, que era a sede do Tribunal  romano, à presença de Pilatos, o governador que naqueles dias estava em Jerusalém – sua residência habitual era na Síria. Pilatos teve a deferência de sair do Pretório para receber o grupo que conduzia Jesus, pois estes não queriam entrar no Pretório, o que lhes tornaria impuros e não poderiam celebrar a Páscoa nessa mesma noite.

 

As narrativas observam uma tensão entre Pilatos e os representantes do Sinédrio, já que Pilatos prefere se omitir num problema interno dos judeus. Mas os representantes do Sinédrio, de certo modo, obrigam Pilatos a tomar posição quando lhe informam que Jesus foi condenado à morte e que só a autoridade romana poderia confirmar e executar a sentença. Como Jesus não era cidadão romano, ele não tinha possibilidade de se acolher a qualquer direito próprio da cidadania romana. Jesus, para o direito romano, era um estrangeiro. Como estrangeiro, Jesus caía numa zona de anomia em que era reconhecido como uma “mera vida nua” sem qualquer direito. Por isso, o julgamento de Pilatos sobre a vida e morte de Jesus obedece ao arbítrio do puro poder soberano. Jesus, perante Pilatos, é uma vida abandonada de qualquer direito: um homo sacer. Qualquer violência ou abuso que contra ele se cometesse, nunca será delito para o direito romano, pois, como estrangeiro, era uma vida sem direitos.

 

A condição do homo sacer é sempre a do puro abandono ao arbítrio de um poder soberano. Jesus perante Pilatos é um homo sacer. Isso implica que não há necessidade de seguir qualquer rito ou procedimento legal, já que o arbítrio da vontade soberana, de Pilatos, é lei. Pilatos, como soberano nesse momento, tem poder legal de vida e morte sobre a vida de Jesus. Este, como homo sacer, é uma vida capturada no vácuo da anomia e abandonada à pura arbitrariedade do poder soberano.

 

O abandono de Jesus ao poder soberano de Pilatos contrasta com o episódio, até muito semelhante, que ocorreu com o apóstolo Paulo, poucos anos depois. Paulo também foi preso em Jerusalém sendo acusado de heresia e podendo ser morto pelo Tribunal do Sinédrio. Nesta ocasião foi conduzido perante o Tribuno romano, autoridade máxima romana em Jerusalém nesse momento. Encontrando-se Paulo preso e prestes a ser torturado, invocou o direito de sua cidadania romana (At. 22,26). O Tribuno ficou perplexo diante de tal condição – pois era quase um privilégio muito difícil de conseguir, como reconhece o próprio Tribuno - e de imediato o Tribuno mandou suspender as torturas e açoites e retirar as algemas pesadas de Paulo.

 

O Tribuno sabia que Paulo, como cidadão romano, era protegido pelo direito. O direito protege e abandona. Protege, neste caso, aos cidadãos romanos e abandona aos estrangeiros. A invocação do direito de Paulo a sua cidadania lhe protegeu durante longos anos de várias intrigas e artimanhas do Sinédrio para prendê-lo e até de conjuras de voluntários que se ofereceram para matá-lo.

 

É notável como, no caso de Paulo, a cidadania lhe deu direito a ser levado do Tribuno de Jerusalém, até o governador, Felix, na Síria (At 23,23-35). Inclusive quando, depois de dois anos preso e ainda não julgado, o novo governador, Pórcio Fexto (At. 24,27) pretende devolvê-lo para Jerusalém, a cidadania romana deu direito a Paulo para invocar ser julgado no tribunal do César, ou seja, em Roma (At 25, 11-12). O governador teve que ceder à vontade de Paulo porque a cidadania lhe dava o direito de ser julgado no Tribunal de Roma e esse direito nem sequer o governador poderia violar. A cidadania romana concedeu a Paulo a possibilidade de escapar a uma morte certa, como a de Jesus. A rigor, sabemos que Paulo chegou em Roma para ser julgado, e as fontes históricas não nos dizem mais sobre o desfecho ou paradeiro final.

 

Em contraposição aos direitos de cidadania romana de Paulo, Jesus está perante Pilatos sem nenhum direito. Homo sacer exposto à total vulnerabilidade e plena violência, sem imputabilidade. A rigor, a condição de poder soberano de Pilatos lhe exime de qualquer necessidade de processo. Desse modo, o julgamento de Pilatos será um julgamento estritamente político. Ou seja, um julgamento que avaliaria a pertinência política de tomar uma ou outra atitude.

 

As narrativas mostram um Pilatos dividido entre a consciência pessoal sobre a inocência de Jesus, e a conveniência política de ceder às pressões do Sinédrio para não ter conflitos políticos maiores com essa instância jurídico-religiosa. Nessa balança de Pilatos, como bom estrategista político, pesa muito mais o utilitarismo de uma decisão, que a consciência moral. Pilatos decreta a morte de Jesus como uma sentença da lei romana. Nesta fase do processo e condenação final podemos dizer que o Sinédrio não tem nenhuma autoridade, nem seus soldados podem fazer nada contra Jesus. Por isso, Jesus foi entregue aos soldados romanos, que se encarregaram de cumprir a sentença seguindo a prática romana da crucificação.

 

O cuidado que o Tribunal Supremo do Sinédrio teve em produzir a peça, conduzir corretamente o processo e emitir com precisão a sentença, se mostra ainda mais sutil, se cabe, no episódio em que vários representantes do Tribunal foram falar com Pilatos para que este retificasse o letreiro que tinha mandado colocar sobre a cruz em que estava escrito “Jesus Nazareu, o rei dos judeus”. Atentos a todos os detalhes, os representantes do Sinédrio entenderam que esse letreiro poderia ser mal interpretado e dar origem a uma última ou mínima possibilidade de reconhecimento do messianismo de Jesus. Por isso, eles pediram que se retificasse indicando que foi ele que se dizia rei dos judeus. Esta preocupação por tão pequeno detalhe, diante da tragédia de uma morte tão bárbara, indica onde estavam posicionadas efetivamente as intenções estratégicas de todo o processo.  Mas, “o escrito, escrito está” (Jo 19,22).

 

 

No processo legal da morte de Jesus há um devido processo - observado pelo Tribunal Supremo do Sinédrio – no qual há uma acusação pelo mal máximo da blasfêmia, um processo legal corretamente realizado e uma sentença que estabelece a imoralidade da pessoa de Jesus e seus ensinamentos. A sentença a morte do Sinédrio é sem efeito, pois não tem autoridade para isso. Por isso, há um segundo julgamento, sem processo, feito sob o arbítrio de um poder soberano, Pilatos, cuja palavra converte a sentença em lei. As duas estratégias operam de modo articulado como dispositivos biopolíticos complementares para neutralizar uma vida perigosa. 

 

A estratégia do devido processo legal do Tribunal Superior do Sinédrio utiliza-se do direito como dispositivo biopolítico para capturar uma vida perigosa no emaranhado dos processos; isso lhe permite conferir uma sentença que, mesmo observando o devido processo, já tinha sido decidida previamente. A aparência da devida legalidade não oculta que já havia uma sentença prévia e que a intencionalidade originária era utilizar a estrutura da lei, do direito e do Tribunal para conseguir neutralizar uma vida perigosa.

 

A sentença de Pilatos segue o roteiro da biopolítica do poder soberano. O poder de vida e morte perante uma vida abandonada sem imputabilidade, um homo sacer. Uma vida fora de todo direito, sem direitos e, portanto, condenada ao arbítrio de uma vontade soberana. Nesse caso, o poder de vida ou morte utiliza-se da estratégia utilitarista. A vida abandonada do homo sacer está presa às malhas do utilitarismo. Seu viver ou morrer é uma questão de ponderação de custo–benefício. A biopolítica do poder soberano age como necropolítica, cada vez que a utilidade de uma vida humana é considerada prejudicial aos interesses soberanos; ou que a morte traz um prejuízo menor que manter a vida. Nesse caso, a morte se torna a política da eficiência para manutenção do poder. A morte de Jesus segue a lógica do poder biopolítico soberano que nada mais é que uma necropolítica utilitarista que se expande ao longo dos tempos até nossos dias.

 

Notas do autor

 

[1] BENJAMIN, Walter; “Sobre a crítica do poder como violência”. In Id   O anjo da história.  São Paulo: Autêntica, 2012, p. 68;

[2] AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG,  2002;

[3] BENJAMIN, Walter; “Sobre a crítica do poder como violência”. In Id   O anjo da história.  São Paulo: Autêntica, 2012, p. 81.

 

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