Mulheres: era uma vez o Santo Ofício, ou não é mais? Artigo de Cristina Simonelli

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12 Junho 2018

Conjuntura ou conspiração? Observados de fora, alguns atos da Cúria Romana mostram uma singular convergência de medidas restritivas, interpretações redutivas, indicações seletivas, e, em pelo menos dois casos, tudo isso tem a ver com as mulheres. Esperamos em breve poder dissipar os temores de uma estratégia de contrarreforma em relação aos desejos de Francisco.

A opinião é da teóloga leiga italiana Cristina Simonelli, presidente da Coordenação de Teólogas Italianas e professora da Facoltà dell’Italia Settentrionale e do Seminário Arquiepiscopal de Milão.

O artigo foi publicado em Il Regno dele Donne, 06-06-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Não passou despercebida a nota de Luis Ladaria, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e presidente, no mesmo título, da Comissão Teológica Internacional e da Comissão de Estudo sobre o Diaconato das Mulheres, e, em breve (29 de junho), cardeal da Santa Igreja Romana.

Certamente, em todo o caso, a forma pública e a ampla divulgação do texto estava nas precisas intenções do autor, evidentes não só no local de publicação e no relevo da assinatura, mas também na forma solene e peremptória da linguagem.

Portanto, não nos esquivamos do convite ao diálogo, pelo menos na forma que nos é concedida. De fato, como explica o próprio site da Congregação, com a bula Licet ab initio, Paulo III Carafa deu início em 1542 à Sacra Romana e Universal Inquisição, que se tornou em 1908 o Santo Ofício.

Depois do Concílio (Paulo VI e João Paulo II), no entanto, é óbvio, pode não ter mudado apenas o nome, mas certamente também mudou o método, e, então, nos alegramos com os comentários que estas palavras despertam, como sugere Francisco comemorando os 50 anos do Sínodo:

“Justamente o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio. Aquilo que o Senhor nos pede, em certo sentido, já está todo contido na palavra ‘Sínodo’. Caminhar juntos – leigos, pastores, bispo de Roma – é um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não é tão fácil de pôr em prática. Depois de reafirmar que o Povo de Deus é constituído por todos os batizados chamados a ‘formar uma morada espiritual e um sacerdócio santo’, o Concílio Vaticano II proclama que ‘a totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cf. 1 Jo 2, 20.27) não pode se enganar na fé; e manifesta essa sua propriedade por meio do sentido sobrenatural da fé de todo o povo, quando este, desde os bispos até ao último dos fiéis leigos, mostra seu consenso universal em matéria de fé e de moral’. Aquele famoso infallibile ‘in credendo’.

É claro que, entre os dois textos, existe uma grande diferença, não só de nível eclesiástico, evidentemente, mas também de espírito, apesar da citação da EG n. 104 que Ladaria não deixa faltar, para afirmar que aquilo que ele diz não é compartilhado pelo povo cristão – caso contrário, por que reiterar? – mas sim pelo Papa Francisco.

O “não” ao sacerdócio feminino e as argumentações “fracas”

A questão ainda é a de não/ordenação presbiteral (pardon, sacerdotal) das mulheres, retomada não só nos termos já conhecidos dos documentos anteriores, mas também inserida em um quadro que eleva significativamente os obstáculos, exibindo uma linguagem eclesiológica de societas perfecta com um Cristo fundador cuja presença é restringida, com zoons reiterados, aos sacramentos – isto é, à eucaristia, isto é, que precisa de um sacerdote, isto é, que é um homem – sem deixar de listar todo o aparato da “infalibilidade”, aquela proclamada em... 1870.

Por que esse curto-circuito, passando de Cristo logos a esposo da Igreja, a “in persona Christi”, sem assinalar o plano diferente da argumentação? Não era menos arriscado dizer simplesmente “não”, sem incomodar – e inverter! – até a citação joanina da videira e dos ramos (cf. Jo 15, 4), decididamente fora do alvo? Talvez porque a “frente do não” tem poucos argumentos e, portanto, sente que deve ousar mais?

Além disso, as oportunas observações de Andrea Grillo (aqui e aqui) já assinalaram a fraqueza da argumentação e a modalidade impositiva do estilo, além da ansiedade provavelmente provocada por uma importante tomada da palavra feminina, muitas vezes em aliança com companheiros de fé e de estudo.

Aquilo que chama ainda mais a atenção, no entanto, como eu sugeria acima, é a concomitância com outras iniciativas: a exortação apostólica Vultum Dei quaerere já havia sido dirigida unicamente à “vida contemplativa feminina”, mas o motivo parecia ser rastreável na Conclusão dispositiva, que revogava “artigos dispositivo-normativos” de documentos anteriores, incluindo a Verbi sponsa de 1999, relativos às formas da clausura e às federações de mosteiros femininos.

Agora, foi publicada a Cor orans, da Congregação, que especifica, restringe e preceitua e, no n. 5, explica assim o que significa “Santa Sé”:

“Por Santa Sé, na presente instrução, entende-se a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.”

Também nesse caso, se deveria ver não apenas que operação está sendo feita, mas também que eclesiologia é delineada e que ideia de mulheres (e de homens) é sugerida.

Não deixaremos de voltar a falar disso, ativando laboratórios e lugares de debate, convencidas de que, deixando faltar observações e reflexões, abriríamos mão de uma tarefa específica, embora cansativa.

Uma palavra ainda poderia ser dita novamente sobre a Veritatis gaudium, a exortação apostólica na qual, ao arejado Proêmio, seguem-se muitas normas da respectiva Congregação, desta vez para o ensino da religião católica.

Certamente, o Proêmio pontifício informa e dirige as normas. Ou alguém, por acaso, pensa o contrário? Ou devemos esperar outras normas dispositivo-restritivas? Um retículo quase escondido que pouco a pouco corrói o ar que novamente se libertou?

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