O diaconato feminino e a biopolítica ''católica'' sobre as mulheres. Artigo de Alessandro Santagata

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26 Agosto 2017

“O corpo das mulheres ainda é o campo de uma biopolítica que é exercida em uma Igreja em que as mulheres são uma maioria que não governa em uma comunidade que cada vez menos entende tudo isso.”

A opinião é do historiador italiano Alessandro Santagata, professor da Universidade de Roma Tor Vergata, em artigo publicado por Il Manifesto, 25-08-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No processo de atualização da Igreja iniciado pelo Papa Francisco, qual espaço será reservado para as mulheres? Ao longo dos séculos, as palavras de Paulo de Tarso, “não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo”, foram removidas por uma instituição que negou às mulheres até mesmo o diaconato, testemunhado, ao contrário, pelas Escrituras (pense-se na figura de Febe) e pelos estudos históricos, que contaram uma Idade Média povoada por diaconisas e abadessas, às vezes dignitárias de poderes feudais e semiepiscopais.

Teólogas como Serena Noceti e Adriana Valerio não se esforçam para admitir que o Concílio Vaticano II não tocou o sistema androcêntrico da Igreja, mas abriu novos filões de reflexão que amadureceram graças também à entrada em massa das mulheres no mundo dos estudos teológicos.

A Coordenação de Teólogas Italianas representa hoje a expressão mais viva disso. No estatuto, afirma-se que a associação tem o objetivo de valorizar e promover os estudos de gênero em âmbito teológico, bíblico, patrístico, histórico, em perspectiva ecumênica. Entrevistada pelo jornal Il Manifesto, Cristina Simonelli, presidente da Coordenação de Teólogas Italianas desde janeiro de 2013, explica que os filões mais recentes dizem respeito ao gênero e ao feminismo, e, mais em geral, “a todos os âmbitos do saber teológico, seja nas faculdades teológicas e nos contextos acadêmicos, seja nos lugares de pastoral e de práticas de base, além das publicações”.

Obviamente, também é central a possibilidade de ter acesso ao diaconato, que se tornou objeto de discussão em meados dos anos 1990, graças ao interesse do cardeal Martini, depois que João Paulo II, na carta apostólica Ordinatio sacerdotalis, tinha confirmado a exclusão da mulher do sacerdócio. Como escreveu Anna Carfora, a questão crucial era a distinção entre um diaconato feminino entendido como serviço e o diaconato como primeiro grau da ordem sagrada.

Em tempos recentes, voltou-se a falar a respeito por ocasião do Sínodo dos bispos sobre a família em outubro de 2015, mas a proposta do bispo canadense Dom Paul-André Durocher de permitir às mulheres o acesso ao diaconato e à homilia não encontrou resposta no documento final.

No dia 12 maio de 2016, o Papa Francisco, falando diante de 900 irmãs de 80 países, anunciava a criação de uma comissão de estudo, recebendo o aplauso da organização internacional Women Ordination Conference e o mau humor do cardeal Müller, na época à frente da Congregação para a Doutrina da Fé.

A comissão, composta por 12 membros (seis são mulheres) e presidida por Luis Francisco Ladaria Ferrer, atual prefeito da Congregação para a Doutrina, foi instituída oficialmente poucos meses depois. Sabemos que, em seu interior, estão presentes orientações diversas sobre a opção do diaconato feminino. No entanto – explica Simonelli – “tratou-se, mesmo assim, de uma decisão importante, que deu origem, também na Itália, a congressos, debates, publicações, que consideraram não só o caso específico (mulheres diáconos), mas o conjunto, da situação homens/mulheres com o respectivo imaginário à estruturação dos papéis eclesiásticos como um todo. Eu não sei dizer que configuração prevalecerá: alguns eventos deste pontificado foram inesperadamente inovadores, outros, ao contrário, de indubitável mediação, que muitas vezes significa status quo”.

Também no nível do discurso público da Igreja, as saídas do Papa Francisco não pareceram particularmente incisivas e, de todos os modos, não foram desprovidas de pontos problemáticos. Em 2013, voltando da Jornada Mundial da Juventude do Rio, Bergoglio explicava aos jornalistas que a Igreja é feminina, utilizando a imagem da Virgem como exemplo e desejando uma “teologia da mulher”, em sua opinião ausente do debate.

Falando poucos meses depois à Civiltà Cattolica, ele culpou um suposto “machismo de saias” e exaltou de forma genérica aquilo que ele define como “gênio feminino”.

São afirmações decisivamente cautelosas, que manifestam uma certa dificuldade em enfrentar o problema e um imaginário muito tradicional. É verdade que o Papa Francisco convidou a “refletir sobre o papel específico da mulher, também lá onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja”, e que a posse da comissão ainda é recente, assim como se pode observar que as chamadas “questões inegociáveis” em matéria de bioética passaram decisivamente para o segundo plano na pastoral, embora não tenha havido intervenções doutrinais de relevo e no sinal da descontinuidade.

Como Simonelli nos explica, a Igreja continua condenando as teorias de gênero como uma ideologia perniciosa, “revelando, em alguns componentes particularmente ruidosos, uma homofobia pelo menos igual à homogeneidade dos quadros católicos”. O corpo das mulheres ainda é o campo de uma biopolítica que é exercida em uma Igreja em que as mulheres são uma maioria que não governa em uma comunidade que cada vez menos entende tudo isso.

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