19 Mai 2025
De Bergoglio a Prevost, um legado que não impõe, mas acompanha, em nome da caridade, do diálogo e de uma autoridade desarmada.
O artigo é de Antonio Spadaro, jesuíta, ex-diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicado por La Repubblica, 19-05-2025.
Fiquei pensando qual seria o ponto de contato entre Francisco e Leão na passagem do bastão do pontificado. Entre Bento e Francisco ficou claro: "Os desafios das mudanças rápidas e os desafios das questões de grande relevância para a vida de fé", como disse Ratzinger (em latim) em sua despedida. Bergoglio traduziu esses desafios em uma "sã inquietação", a única "que dá paz", imprimindo um terremoto lento, mas constante e franciscano na vida da Igreja. E "inquietação" é a palavra que Francisco recomendou em 28 de agosto de 2013, numa formidável homilia ao então Padre Prevost, geral da Ordem de Santo Agostinho, e ao seu capítulo reunido na igreja de Campo Marzio. Eu estava em Santa Marta quando Francisco partiu para ir aos agostinianos, e lembro que ele se despediu de mim repetindo: "Inquietação! Ansiedade!"
E inquietação é a primeira palavra que Leão pronuncia na homilia do início do seu ministério petrino, repetindo ao pé da letra as do seu então predecessor. Mas Francisco sabia que deixava este mundo abençoando na Páscoa um mundo que — acabara de escrever — "está a ruir e talvez se aproxime de um ponto de ruptura" (Laudate Deum), para o qual a Igreja devia ser sinal de diálogo, de encontro, de fraternidade de todos, para além do fracasso da Revolução Francesa e até mesmo daquele iluminismo que tinha expulsado o coração do raciocínio e aberto as portas ao artifício do algoritmo (Dilexit nos).
Leão recomeça daqui, do coração que "não tem descanso até descansar". E o único descanso é Deus. A inquietação é, portanto, o verdadeiro bastão que passa de mão em mão entre os dois papas em sua corrida. Sobre um cenário de desintegração ao qual Leão, como bom agostiniano sem consequências luteranas, é muito sensível. Para ele, lançar as redes de pesca significa "olhar para o futuro, para enfrentar as questões, as preocupações e os desafios de hoje". Falando sobre a doutrina social da Igreja, há poucos dias ele havia especificado que ela «não quer levantar a bandeira da posse da verdade, nem em relação à análise dos problemas, nem na sua resolução. Em tais questões, é mais importante saber como abordar do que dar uma resposta precipitada". Palavras de capital importância que expõem claramente, se não o conteúdo do pontificado, pelo menos o método. E o objetivo: "abordar os problemas, que são sempre diferentes, porque cada geração é nova, com novos desafios, novos sonhos, novas perguntas".
Ele tem características reconfortantes de todos os Prevost, que são as do felino que anda pacificamente como o leão Aslan das Crônicas de Nárnia de Lewis. Ele não tem as características de um animal captura "com propaganda religiosa ou com meios de poder", como ele fez questão de salientar. Este é um golpe claro em todo o cesaropapismo e colateralismo.
Prevost abraça plenamente a crítica agostiniana da religião como parte essencial de toda a construção simbólica e imaginária que sustenta a sociedade por meio de um poder sacralizado. O fundamento radical do seu ministério é simplesmente ter "experimentado em sua própria vida o amor infinito e incondicional de Deus". Leão confirma que a "verdadeira autoridade" da Igreja de Roma é a caridade de Cristo. E assim ele descontrói a imagem do líder como "líder", assim como a da pseudosseita, "nosso grupinho" — como ele chamava — daqueles que se sentem "superiores ao mundo".
A Igreja não é um regimento, mas um "sinal de unidade e comunhão" que se torna "fermento para um mundo reconciliado". Mas — atenção — ele acrescenta um adjetivo não de pouca importância: "pequeno fermento", contra qualquer tentação de grandeza. Ele cai naquele mundo em ruínas que Francisco havia denunciado. "Muita discórdia, muitas feridas causadas pelo ódio, pela violência, pelo preconceito, pelo medo da diversidade, um paradigma econômico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres", lamenta Prevost com as mesmas notas de seu antecessor. E o medo do diferente é vencido porque a paz e a verdade do Evangelho são “desarmadas e desarmantes”.
É desse ponto de vista que Leão clama pela unidade. Não por um chamado à ordem, mas pela necessidade de fazer um "caminho juntos" entre os católicos — que, aliás, muitas vezes traduziram as diferenças em polarização de forma espúria —, entre as Igrejas cristãs irmãs, mas também "com aqueles que seguem outros caminhos religiosos, com aqueles que cultivam a inquietação da busca de Deus, com todas as mulheres e homens de boa vontade". Inquietação, precisamente. A verdadeira unidade “não anula as diferenças”, mas as assume e as potencializa. E o da diversidade será certamente um grande desafio positivo para o pontificado de Leão, chamado — sem ter pretendido sê-lo — à estatura moral de única referência de valor global que, como toda a Igreja, “se deixa perturbar pela história”.