17 Junho 2025
A exploração do petróleo está intimamente ligada com a necessidade crescente de energia do sistema capitalista para produção e circulação de uma quantidade cada vez maior de mercadorias e serviços. E a transição energética tem sido encarada pelo setor empresarial e industrial mais como uma nova fronteira energética com potencial de aumentar a capacidade produtiva e menos como substituição da matriz energética anterior (você pode saber mais sobre isso aqui).
Artigo de Bruno Araujo, publicado por ((o)eco, 16-06-2025.
Bruno Araujo é geógrafo, especialista em Clima e Políticas Públicas, mestrando em Planejamento Urbano com foco em clima, assessor parlamentar para justiça climática (ALERJ), comunicador no @BrunoPeloClima e apresentador do Podcast Planeta A.
É no mínimo contraditório que no ano que o Brasil receberá a COP30, o governo brasileiro pressione o Ibama pelo licenciamento da Foz do Amazonas.
O auditório da universidade estava cheio. Aquela assembleia atraiu muitos estudantes. Depois das falas iniciais, abriu-se o microfone para que o plenário fosse ouvido e logo uma dezena de jovens se inscreveu para defender suas posições. O primeiro estudante inscrito se apresentou e efusivamente afirmou que a descoberta do Pré-sal significava um marco para a história do país e que os estudantes deveriam se engajar na luta para que parte da riqueza oriunda da exploração do óleo fosse destinada para a educação pública brasileira.
O ano era 2010. Essa defesa ia ao encontro ao que o Ministério da Educação e o Governo Federal debatiam. Segundo o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, os royalties seriam a única fonte de financiamento realista para viabilizar o investimento de 10% do PIB na educação [recurso previsto no Plano Nacional de Educação]. Em previsão feita pelo governo federal, caso os royalties do petróleo fossem vinculados à educação, já em 2013 renderia R$ 16 bilhões para o setor. “Teríamos um fluxo de investimento fantástico”, disse Mercadante. [Grifo nosso]
O primeiro inscrito foi aplaudido e logo passou-se aos próximos, que não fugiram muito da defesa do estudante que abriu as falas. Pelo menos até um jovem cujas letras na camisa laranja-neon formavam a frase “Nós Não Vamos Pagar Nada”. Ele caminhou até o microfone e disse:
“Todos e todas as estudantes que hoje vieram até este auditório concordam que precisamos de mais investimos na educação. Quem frequenta esta universidade sabe que ela poderia ser muito melhor do que é se houvesse mais investimento em políticas de permanência estudantil, nos laboratórios de pesquisa e no reajuste das bolsas, mas o que estamos debatendo aqui não é algo simples, tampouco óbvio, como aparenta ser.
Os royalties do petróleo devem ser para reduzir o impacto socioambiental da sua exploração, proteger o meio ambiente e regenerar o país. A ciência é nítida: estamos na iminência de um colapso ecológico e vincular a receita do petróleo com os investimentos tão necessários na educação é nos fazer depender de um combustível que logo ficará no passado.
Façamos como no Equador, em que a sociedade pressionou o governo a não explorar petróleo no Parque de Yasuni, e está lançando mão de uma nova perspectiva de desenvolvimento! O dinheiro do petróleo não é o único que existe nos cofres do Governo Federal, se quer investir em educação que pare de pagar o juros da dívida, que compromete boa parte do nosso PIB! O petróleo tem que ficar debaixo da terra! Muito obrigado.”
O som dos ralos aplausos permitiam distinguir que apenas duas ou três pessoas o faziam e mesmo assim sem tanta efusividade. A propaganda do governo com direito a mão presidencial suja de óleo e macacões laranjas da Petrobras havia dado certo e a ideologia do petróleo ganhou, mais uma vez, a mente de boa parte dos brasileiros.
Esse momento histórico, conhecido como “maré rosa latino-americana” (Panizza, 2006), se caracterizou pelo ascenso de governos de centro-esquerda em nosso continente durante a primeira década do século XXI. A economia da maioria destes países baseava-se na exploração de commodities minerais e alimentícias para exportação. Uma delas, o petróleo, vivia épocas de ouro, com aumento contínuo do preço dos barris desde o início do século, mesmo com a crise de 2008.
Essa ideologia quase me pegou. Por volta de 2010 e 2011 eu estava cursando o final do meu ensino médio, momento tenso de escolha do que cursar no ensino superior, e meu pai, trabalhador de uma refinaria de petróleo, insistia para eu apostasse nas engenharias de modo a surfar nessa maré de ascenso desta cadeia produtiva próspera e que prometia encerrar as ilusões do neoliberalismo do período anterior: agora vai!
A tamanha confiança e os bons resultados econômicos fizeram o Cristo Redentor decolar. Pelo menos na capa e em mais 14 páginas da revista inglesa “The Economist”. A edição lançada em 2009 cita as descobertas de petróleo no pré-sal e as exportações para países asiáticos como elementos que vão estimular ainda mais o crescimento da economia brasileira nos próximos anos. A previsão é que, ainda nesta década, depois de 2014, o país pode se tornar a quinta economia do mundo, superando o Reino Unido e a França.
A alta do preço das commodities e as inéditas políticas de distribuição de renda cristalizou na mente dos brasileiros e brasileiras que elas eram sinônimo de riqueza e que deveríamos expandir sua exploração.
Acabou que não me deixei levar pela tentação da prosperidade petrolífera (confesso que muito mais pelo medo da matemática do que qualquer outra coisa) e fui cursar Geografia. Os anos se passaram e cá estou escrevendo um texto para tentar te convencer de que o petróleo, essa maravilha do mundo moderno, responsável por boa parte da energia que a humanidade usou para transformar o planeta na paisagem que conhecemos hoje e promessa de riqueza e bem estar, deve ficar debaixo da terra. Longe de esgotar os argumentos, seguem alguns que considero fundamentais:
O preço do barril do petróleo hoje está na casa dos US$ 70,00, bem abaixo dos US$ 100,00 do auge da década de 2010.
E mesmo que tivesse em alta o saldo final da exploração do petróleo, contabilizando suas riquezas e seus impactos, estaria devendo: pesquisa, publicada na revista Nature, estima que as emissões de gases de efeito estufa de 111 companhias petrolíferas e de gás tenham causado, coletivamente, US$ 28 trilhões em prejuízos relacionados ao calor extremo (somente calor extremo) entre 1991 e 2020.
Em um rápido olhar para o Brasil percebemos que a Petrobras obteve um lucro de R$ 36,6 bilhões em 2024 enquanto a estimativa dos danos causados pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul sejam de R$ 90 bilhões.
Até 85% da extração planejada pela Petrobras pode não gerar lucro. Isso porque a produção não será rentável em um cenário climático de 1,5ºC, por falta de demanda. Segundo o estudo das organizações internacionais, os empreendimentos da Petrobras só gerariam lucro se a rota da descarbonização mundial falhar e as temperaturas globais aumentarem 2,4ºC ou mais. E não é isso o que queremos, não é mesmo?
Em 2024 o estado do Rio de Janeiro e os municípios cariocas, juntos, receberam R$ 44 bilhões, o que equivale a 75% da renda do petróleo distribuída para todo o país. O estado do Rio de Janeiro, sozinho, concentrou 82,6% da renda distribuída aos estados. Os municípios do Rio de Janeiro, sozinhos, concentraram 66,23% da renda distribuída aos municípios.
A exploração do petróleo está intimamente ligada com a necessidade crescente de energia do sistema capitalista para produção e circulação de uma quantidade cada vez maior de mercadorias e serviços. E a transição energética tem sido encarada pelo setor empresarial e industrial mais como uma nova fronteira energética com potencial de aumentar a capacidade produtiva e menos como substituição da matriz energética anterior (você pode saber mais sobre isso aqui).
O argumento de que o recurso vindo da exploração deste combustível financiará a urgente transição energética tem se mostrado fajuto, já que apenas 0,16% da renda nacional do petróleo foi direcionada à agenda ambiental e climática em 2024, segundo estudo do INESC.
De acordo com o mesmo estudo, apenas 1% da renda foi direcionada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) via FNDCT. Agrava o quadro o fato de que essa pequena parcela é, em sua quase totalidade, utilizada para financiar o CT – Petróleo, em detrimento de Centros que têm atribuição de pensar inovações tecnológicas orientadas à transição energética e a uma economia livre do petróleo.
O Fundo Social, que destina 50% dos royalties da exploração do pré-sal para a educação básica, ainda está longe de ser o trampolim para o salto de qualidade no ensino brasileiro. Em 2015, apenas 10% do montante orçado foi pago até a metade do ano. Ao longo de 2014, apenas 30% foram usados. As projeções apontavam que mais de 84 bilhões de reais iriam para a educação até 2022. Não foram encontrados dados consolidados sobre o histórico do repasse do Fundo Social para a educação brasileira. A notícia mais recente é a edição de um Medida Provisória do Presidente Lula que amplia o escopo de possibilidades de uso do recurso como a mitigação e adaptação às mudanças climáticas e seus efeitos, além do enfrentamento das consequências sociais e econômicas de calamidades públicas, infraestrutura social, e habitação de interesse social. Segue valendo a obrigação de 50% em educação pública, mas um olhar rápido para a situação das universidades brasileiras me faz perguntar se o montante tem sido suficiente.
No próximo dia 17 haverá mais um leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP) em que há previsão de vender o direito de exploração de novos poços por todo o país, incluindo na Foz do Amazonas, mesmo sem a licença ambiental expedida. Organizações climáticas e ambientais estão chamando este de o “Leilão do Juízo Final”.
É no mínimo contraditório que no ano que o Brasil receberá a COP30, o governo brasileiro pressione o Ibama pelo licenciamento. Nossa condição de subdesenvolvido não deveria servir de pretexto para incentivar a expansão da fronteira petrolífera. Pelo contrário, deveríamos aproveitar nossa liderança em energias renováveis para desenvolver o país no rumo certo: um que encare a natureza como sujeita de direitos e compreenda de uma vez por todas que a nossa vida depende dela. A Petrobras deveria ser reorientada para uma transição, deixando de ser uma empresa petrolífera e caminhando para se tornar uma empresa de energia (a Solarbras?).
Por fim, a transição da qual falamos aqui deve ser mais profunda do que a troca da produção da energia: ela deve ser justa, respeitando territórios e comunidades e deve vir acompanhada pelo questionamento do “para quê” a humanidade utiliza energia? Para resolver suas desigualdades e oferecer vida digna para todas as pessoas ou para seguir produzindo mercadorias inúteis enquanto esfacela as bases da vida?
Você aplaudiria aquele jovem com sua camisa laranja-neon?
Agradecimento pela revisão à Felipe Rimes (o jovem da camisa laranja-neon) e Julio Holanda.