14 Setembro 2024
"A sabedoria africana do Ubuntu nos ensina que o senso de identidade é moldado pelas relações com os outros. É preciso uma aldeia para criar uma criança. É preciso uma família coletiva cósmica para cuidar da Criação", escreve o físico italiano Luigi Togliani, em artigo publicado por Settimana News, 10-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Este ano, o habitual encontro do Tempo da Criação, de 1º de setembro a 4 de outubro, está voltado para "Esperar e agir com a criação" e se inspira na Carta aos Romanos, capítulo 8, vv. 19-25. Como nos lembrou o Papa Francisco em sua mensagem de 1º de setembro, é o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação:
"O Espírito torna os crentes criativos, proativos na caridade. Ele os insere em um grande caminho de liberdade espiritual, não isento, contudo, da luta entre a lógica do mundo e a lógica do Espírito, que têm frutos opostos entre si. [...] A existência do cristão é vida de fé, operosa na caridade e transbordante de esperança, na espera do retorno do Senhor em sua glória. [...] Eis a bem-aventurada esperança a ser testemunhada: onde? quando? como? Dentro dos dramas da carne humana sofredora [...].
A salvação cristã entra na profundidade da dor do mundo, que não atinge apenas os humanos, mas todo o universo, a própria natureza, o oikos do homem, seu ambiente vital; abrange a criação como “paraíso terrestre”, a mãe terra, que deveria ser um lugar de alegria e promessa de felicidade para todos. O otimismo cristão baseia-se em uma esperança viva: sabe que tudo tende para a glória de Deus [...] No tempo que passa, porém, compartilhamos dor e sofrimento: toda a criação geme (cf. Rm 8,19-22), os cristãos gemem (cf. vv. 23-25) e o próprio Espírito geme (cf. vv. 26-27) [...].
A esperança é a capacidade de permanecer firme em meio às adversidades, de não desanimar no tempo das tribulações ou diante da barbárie humana. A esperança cristã não decepciona, mas também não ilude [...] A esperança é uma leitura alternativa da história e dos acontecimentos humanos: não ilusória, mas realista, com o realismo da fé que vê o invisível [...] A salvação do homem em Cristo é uma esperança segura também para a criação: de fato, “a própria criação será libertada da escravidão da corrupção para participar da liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8,21). Assim, na redenção de Cristo é possível contemplar com esperança o vínculo de solidariedade entre os seres humanos e todas as outras criaturas [...].
Esperar e agir com a criação significa, antes de tudo, unir forças e, caminhando juntos com todos os homens e mulheres de boa vontade, contribuir para “repensar a questão do poder humano, seu significado e seus limites. Nosso poder, de fato, aumentou freneticamente em poucas décadas. Fizemos avanços tecnológicos impressionantes e surpreendentes, e não percebemos que, ao mesmo tempo, nos tornamos altamente perigosos, capazes de colocar em risco a vida de muitos seres e a nossa própria sobrevivência” (Laudate Deum, 28) [...].
Esperar e agir com a criação significa então viver uma fé encarnada, que sabe entrar na carne sofredora e esperançosa das pessoas, compartilhando a espera da ressurreição corporal à qual os crentes são predestinados em Cristo Senhor".
Por que a criação geme e sofre
Uma explicação aprofundada do título, do tema e do símbolo do Tempo da Criação 2024 pode ser encontrada neste endereço. Neste documento, encontramos muitos pontos de reflexão que, partindo da análise das diferentes dimensões da esperança, veem a ação como um sinal das primícias da esperança e sugerem modos voltados para todos, enquanto pessoas chamadas a pensar e agir junto com a Criação. Em particular:
"Para esperar e agir junto com a Criação, devemos realmente escutar como e por que a Criação geme. Devemos impulsionar uma ação maior porque estamos mais conscientes do que nunca dos problemas.
- A Criação geme. A Criação faz parte da revelação de Deus, devemos aprender com e pela Criação para saber esperar e agir por um futuro melhor.
- Embora o testemunho dos cristãos indígenas e sua espiritualidade sejam respeitados, eles não são ouvidos. Normalmente, as Igrejas cristãs encontram resistência em falar da Terra ou da Criação como um ser, enquanto para os povos indígenas e originários isso é uma parte intrínseca de sua visão de mundo cósmica e de seu modo de viver.
- A Criação geme enquanto as indústrias de combustíveis fósseis criam campanhas de greenwashing para a energia limpa. Estão expandindo suas atividades energéticas em vez de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Falam de transição energética, mas estão apenas fazendo uma expansão energética para manter os lucros elevados.
- Devemos reconhecer os danos causados por decisões egoístas e insensatas que ignoram os gritos dos mais marginalizados, incluindo os refugiados, ou os deslocados por causa das mudanças climáticas, da mineração e da devastação ecológica. A presença das grandes companhias petrolíferas na COP28 que vimos no ano passado é um exemplo claro disso.
- À medida que os recursos diminuem e o acesso a eles se torna mais restrito, há mais guerra. O resultado inevitável da crise climática será uma violência maior. Não é possível ter paz sem uma partilha justa dos recursos.
A sabedoria africana do Ubuntu nos ensina que o senso de identidade é moldado pelas relações com os outros. É preciso uma aldeia para criar uma criança. É preciso uma família coletiva cósmica para cuidar da Criação. Eu sou porque somos, o mesmo vale para a Criação. Nós somos a natureza, a natureza somos nós, somos as mãos de Deus para a justiça global e cósmica".
Além das várias iniciativas locais preparadas para o Tempo da Criação, destaco em particular as organizadas pelas Comunidades e Círculos Laudato Si’. Alguns eventos globais a serem considerados:
- o encontro ecumênico de oração de 1º de setembro, com a participação de representantes de várias Igrejas cristãs (Irmã Alessandra Smerilli, secretária do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral; Reverenda Rachel Mash, coordenadora ambiental da Igreja Anglicana da África do Sul; Dom Gerardo Alminaza, bispo de San Carlos, Filipinas; Reverenda Pumla Nzimande, bispa da Igreja Metodista da África do Sul; o Metropolita da Igreja Copta Ortodoxa do Egito; Reverendo David Coleman, Eco-Congregação de Edimburgo, Escócia; Reverenda Sally Azar, Igreja Luterana Evangélica de Jerusalém, Palestina);
- o dia de ação de 21 de setembro para apoiar o "Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis" (FFNPT) com um webinar online;
- o evento de encerramento do Tempo da Criação, com a participação de jovens de todo o mundo
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