Caminho sinodal entre Alemanha e Vaticano. As intervenções de Bätzing, Ladaria e Ouelet

Imagem da última sessão do Caminho Sinodal Alemão, realizada em Setembro de 2022 | Foto: Synodaler Weg/Maximilian von Lachner

29 Novembro 2022

No dia 18 de novembro, no Instituto Augustinianum, realizou-se uma reunião com os dicastérios na qual participaram, juntamente com os responsáveis de alguns Dicastérios da Cúria Romana, os 62 bispos da Igreja Católica na Alemanha presentes em Roma para a sua visita "ad limina Apostolorum". O encontro estava programado para refletir juntos sobre o Caminho Sinodal em curso na Alemanha. O Cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin moderou a reunião. Abaixo as intervenções de Mons. Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã, do card. Ladaria, Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, e do Card. Ouellet, prefeito do dicastério para os bispos.

Os textos foram publicados por L'Osservatore Romano, 24-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o textos.

A questão central para o futuro | Georg Bätzing

Nós bispos estamos gratos pela oportunidade de um encontro com os dicastérios no final da visita ad limina a Roma. Consideramos uma boa ocasião para expressar a estima recíproca neste momento da nossa Igreja: a Igreja na Alemanha, estreitamente entrelaçada com a Igreja universal. Queremos refletir juntos sobre as experiências e resultados do Caminho Sinodal da Igreja em nosso país. Ontem, durante a audiência, o Santo Padre com suas respostas nos disse claramente que a Igreja vive de tensões, e por isso as tensões fazem parte de uma Igreja viva e em caminho. É uma boa indicação para nossa conversa de hoje.

Para começar, gostaria de expressar um duplo agradecimento: é bom que o Santo Padre tenha dado vida ao processo sinodal em nível mundial. Sendo um percurso de vários anos, cuja terceira etapa começou precisamente com o Documento apresentado aqui em Roma, poucas semanas atrás, é - como todo o processo - um caminho para falar uns aos outros e para escutar uns aos outros. Agradecemos ao Santo Padre o movimento de pesquisa teológica sobre o que significa sinodalidade, como explicou em seu discurso histórico por ocasião do 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos em 2015.

Hoje estamos aqui para falar sobre o Caminho Sinodal na Alemanha. Com toda a franqueza, devo salientar que nesta conversa faltam pessoas e líderes fundamentais do Caminho Sinodal em nosso país. De fato, nós bispos fazemos parte de uma assembleia sinodal de 230 pessoas, fiéis que se empenham com grande dedicação à sua Igreja. A presidência sinodal é composta por dois bispos e dois leigos. Infelizmente, portanto, a uma parte substancial dos sinodais - em particular os leigos - não é dada a oportunidade que nós temos hoje. E por isso nossas reflexões, debates, perspectivas comuns e possíveis orientações são propostas com a ressalva de serem discutidas, compartilhadas e aceitas por todos no Caminho Sinodal.

O meu segundo agradecimento vai para a Carta do Santo Padre "ao povo de Deus que está em caminho na Alemanha", datada de 29 de junho de 2019. Ela expressa sua preocupação pastoral pela nossa Igreja local. A perspectiva das palavras do Papa é a da virada decisiva da mudança radical de que fala. Nisso, associamo-nos plenamente. De fato, buscamos um caminho de conversão e de renovação. E o Papa Francisco nos explicou sua maneira de entender a sinodalidade. Asseguro a todos aqui presentes que essa carta nos acompanhou no caminho sinodal. Foi acolhida já no Preâmbulo de nosso Estatuto. Com 80.000 cópias, tornou-se a base de muitas conversas com dioceses, grupos e associações. Na Alemanha, já estamos em caminho sinodal há mais de 50 anos em relação a importantes medidas e decisões. Com o processo atual entramos em uma nova fase. E desejamos exercer a sinodalidade de forma duradoura também no futuro. Talvez ainda não tenhamos integrado suficientemente algumas indicações centrais da Carta, mas estamos dispostos a aprender a fazê-lo mais e melhor no futuro.

No entanto, acrescento também com sinceridade, que despertou estranheza o fato de a Carta do Papa não fazer referência ao verdadeiro ponto de partida do caminho sinodal, ou seja, os abusos sexuais, a maneira insuficiente de lidar com eles por parte das autoridades eclesiais, seu ocultamento por parte de bispos e a persistente falta de transparência por parte dos escritórios romanos em lidar com eles. Caros irmãos e irmãs, gostaria de recordar que hoje lembramos o dia anual proclamado pelo Papa para as vítimas de abusos sexuais na Igreja. Segundo um estudo do mhg [consórcio de pesquisa formado pelas universidades de Mannheim, Heidelberg e Gießen], algo é óbvio para a maioria dos bispos: de pouco servirão todos os esforços de evangelização se não forem precedidos de uma honestidade radical em relação aos erros e às deficiências sistêmicas em nossa Igreja, que nos levam a buscar, com coerência, de forma estrutural e também na prática e na doutrina da Igreja, conversão e renovação. Por último, mas não menos importante, as estruturas que existiram até agora também conduziram ao escândalo devastador dos abusos sexuais contra menores. Estou surpreso com a impressão que tive em algumas conversas nos últimos dias de que nem todos os nossos interlocutores estejam de acordo sobre isso.

Como Igreja, arriscamos muita confiança e ainda nos resta pouca credibilidade. O escândalo dos abusos sexuais não deve de forma alguma ser minimizado ou relativizado. Em primeiro lugar, precisamos nos preocupar com a proteção dos menores, para depois garantir que os abusos não voltem a acontecer. Por causa deles, a Igreja está profundamente ferida. A autoridade de nós, bispos, acabou sendo posta em discussão por nossa culpa. O momento atual constitui uma das crises mais profundas da Igreja e, ao mesmo tempo, uma das crises mais graves do ministério sacramental de sacerdotes e bispos. Os fiéis devem voltar a nos atribuir credibilidade e autoridade. Só assim o ministério na Igreja poderá voltar a agir de modo fecundo. Mas só obteremos nova confiança se a forma como realizamos nosso serviço mudar de forma consistente, séria e perceptível envolvendo o clero, os religiosos e os leigos nos processos consultivos (decision making) e de decisão (decision taking). E isso vale não só para a Igreja em nosso país, mas também para a Igreja universal. Pedimos insistentemente para sermos ouvidos nessa necessidade.

Por que o Caminho Sinodal?

Nós, como bispos, escutamos, e isso nos levou a dar um passo importante e iniciar, junto com o Comitê Central dos Católicos Alemães, o Caminho Sinodal da Igreja Católica na Alemanha. Os temas tratados são, em última análise, as conclusões do "estudo sobre os abusos" (o estudo do mhg) encomendado por nós bispos e cujos resultados foram apresentados em 2018. A essência do estudo é que vários fatores na Igreja, estreitamente ligados ao nosso modo de entender e viver o nosso ministério de clérigos, favoreceram os abusos e impediram a sua punição.

Tivemos que reconhecer que foi a gestão do poder e a exploração da dependência que levavam aos abusos. Também pode ser chamado de clericalismo – contra o qual o Papa Francisco continua alertando – porque uma compreensão autoritário-clericalista do ministério levou a esconder comportamentos abusivos e proteger o sistema. A proteção e a tutela do sistema foram colocadas no centro, enquanto os interesses e a proteção das vítimas foram negligenciados.

O abuso não é apenas um comportamento ilícito individual. O abuso também tem motivações sistêmicas. A maneira como os bispos, os responsáveis pelo pessoal nas dioceses, os irmãos no ministério e às vezes até as comunidades lidaram com perpetradores e vítimas certamente deu aos perpetradores a impressão de que suas ações não fossem tão importantes e não desencorajou outros de cometer abusos. Além disso, o relatório final sobre abusos sexuais encomendado pela Conferência Episcopal Francesa (1) também chega a tal conclusão.

Por isso, também abordar o poder na Igreja Católica, falar da moral sexual católica e refletir sobre o estilo de vida sacerdotal (isto é, os temas de três dos quatro fóruns do caminho sinodal) são consequências da necessidade de elaborar, esclarecer e prevenir os abusos sexuais contra menores, bem como suas causas sistêmicas. Queremos romper essas causas, reconquistar a confiança das pessoas dentro e fora da Igreja.

Alguém objetará que os temas citados, aos quais se deve acrescentar também a questão sobre o papel da mulher na Igreja - na minha opinião a questão decisiva para o futuro - há anos são objeto de controvérsia. Alguns neste contexto chegam a falar do “abuso do abuso”, visando impor uma suposta agenda de reformas. Não consigo entender tal crítica e me pergunto: não deveríamos talvez nos envergonhar pelo fato de ter sido necessário descobrir os abusos sexuais e espirituais para que nos ocupássemos seriamente daqueles aspectos da proclamação e da vida eclesial, cujas problemáticas já nos são sinalizadas há décadas por muitos fiéis e pelos debates teológicos? Hoje devemos reconhecer que as vozes críticas não são uma expressão do espírito do tempo, mas de uma preocupação sincera pelo ser humano e por uma proclamação credível da Igreja. Por amor ao evangelho, é importante escutar essas vozes.

Por isso, nós bispos decidimos percorrer um Caminho sinodal com o povo de Deus na Alemanha. Convocamos uma assembleia sinodal que representa um recorte da vida católica na Alemanha. Nós, bispos, não desistimos do mandato de nosso ministério. Mas queremos viver esse mandato no sentido da sinodalidade. Sei que os debates muitas vezes acalorados durante as assembleias sinodais irritaram muitos na Igreja universal e também aqui em Roma. Alguns expressaram, inclusive publicamente, sua preocupação sobre aonde o caminho sinodal da Igreja na Alemanha levará. Existem muitos mal-entendidos e incompreensões a esse respeito. Portanto, permitam-me afirmar aqui algo de forma totalmente inequívoca.

O caminho sinodal da Igreja na Alemanha não busca um cisma, nem conduz a uma Igreja nacional. Quem continua a falar de cisma ou de uma Igreja nacional não conhece nem os católicos e as católicas alemães nem os bispos alemães. Entristece-me a força que obteve essa palavra, com a qual se tenta negar a nossa catolicidade e o desejo de unidade com a Igreja universal. Infelizmente, isso também inclui a comparação bastante inapropriada com uma "boa Igreja evangélica". Não corresponde à intenção e ao objetivo de nossos esforços. De fato, buscamos uma Igreja católica melhor, que viva a partir da dimensão sacramental. Esses esforços são realmente difíceis e também levam a confrontos e tensões evidentes entre nós, bispos. Sim, em nossos fóruns e em nossas assembleias sinodais brigamos. É como na família, onde às vezes se levanta a voz. O tom às vezes emotivo do debate é uma expressão da paixão pelo Evangelho e da paixão pela Igreja. E o que seria do amor sem paixão? Mas permanecemos unidos.

Enfrentamos de modo teológico os problemas e as questões que surgem cotidianamente no anúncio e na pastoral. Considero a teologia em nossas universidades como uma riqueza da Igreja. O grande empenho dos professores de teologia no caminho sinodal nos ajuda a analisar melhor a situação da Igreja, a elaborar argumentações e a buscar soluções que possam ser apoiadas por boas bases teológicas. A riqueza também pode nos tornar presunçosos e autorreferenciais, irmãos e irmãs, conhecemos essa tentação. Talvez um ou outro às vezes até sucumba a isso. No entanto, o serviço da teologia universitária é indispensável para a Igreja. Precisamos dos conhecimentos e das intuições das disciplinas teológicas, bem como das ciências naturais e humanas, para receber respostas confiáveis às demandas do nosso tempo.

Gostaria de propositalmente citar aqui nossas decisões, pois é sobre isso que falaremos mais adiante.

- Texto de orientação Auf dem Weg der Umkehr und der Erneuerung. Theologische Grundlagen des Synodalen Weges der katholischen Kirche in Deutschland [No caminho da conversão e da renovação. Fundamentos teológicos do caminho sinodal da Igreja Católica na Alemanha]

- Texto base Macht und Gewaltenteilung in der Kirche – Gemeinsame Teilnahme und Teilhabe am Sendungsauftrag [Poder e divisão dos poderes na Igreja – participação comum e participação na missão]

- Texto de ação Einbeziehung der Gläubigen in die Bestellung des Diözesanbischofs [Envolvimento dos fiéis na nomeação do bispo diocesano]

- Texto de ação Synodalität nachhaltig stärken [Fortalecer a sinodalidade de forma sustentável]

- Texto base Frauen in Diensten und Ämtern in der Kirche [Mulheres nos ministérios e escritórios da Igreja]

- Texto de ação Lehramtliche Neubewertung von Homosexualität [Reavaliação magisterial da homossexualidade]

- Texto de ação Grundordnung des kirchlichen Dienstes [Ordenação de base do serviço eclesial]

Esses textos foram aprovados por mais de dois terços dos bispos, chegando até a 85%. Na situação atual, são a nossa resposta ao que consideramos como pedidos à Igreja. Não é fundada uma nova Igreja, mas as decisões do caminho sinodal perguntam, com base na Sagrada Escritura, na Tradição e no último Concílio, como podemos ser Igreja hoje - missionária e dinâmica, encorajadora e presente, ao serviço das pessoas e onde podemos nos ajudar reciprocamente. Esses textos pretendem ser a nossa contribuição para o debate em nível da Igreja universal.

Nas decisões obviamente fazemos distinções: o que podemos fazer localmente, isso como bispos nos sentimos encorajados a fazer; e o que precisa de uma consulta e uma decisão em nível da Igreja universal? Somos gratos porque o processo sinodal mundial fornece um espaço para apresentar esses temas.

Situação de mudança

A questão de como podemos viver a fé e ser Igreja hoje é a questão central para o futuro. Asseguramos a vocês que no Caminho Sinodal não falamos exclusivamente de estruturas e não estamos andando apenas ao redor da nossa particularidade. Pelo contrário: com o Caminho Sinodal queremos reanimar o discurso de Deus em público. Nossa sociedade, por mais laica e por sua vez em mudança, precisa de religiosidade, precisa do testemunho público da fé cristã e de novos impulsos para falar de Deus. No mercado daqueles que oferecem um significado hoje, porém, somos apenas uma proposta entre muitas. Esta proposta, se posso usar o termo, devemos torná-la visível e experimentável novamente.

Ainda que provavelmente não consigamos travar os processos de erosão de uma figura social eclesial em declínio (diminuição do voluntariado, dos batismos, da aceitação da Igreja em público), não nos deixemos desanimar na procura de figuras convincentes da vida de fé contemporânea e conquistar novas pessoas para isso. Não é uma tarefa fácil, sobretudo porque, pela primeira vez na história do nosso país, os católicos e os protestantes representam menos de 50 por cento da população. As consequências da pandemia do coronavírus são inegáveis, também em nossa vida pastoral.

Estamos em uma situação de mudança. Até agora ninguém tem a solução perfeita a propor. Além disso, não existem apenas soluções simples. O que é bom e justo nessa situação e o que deve ser feito, é por isso que nos confrontamos entre nós na Conferência Episcopal. Não estamos de acordo apenas sobre o fato de que discordamos; todos nós acreditamos que temos uma responsabilidade pessoal e comum de contribuir ativamente para moldar a situação atual da Igreja neste momento e não queremos nos limitar a aceitá-la de forma reativa. Mas viemos falar aqui não com uma opinião unitária como “bloco”, mas com uma grande amplitude de visões e de opções de ação.

Perspectiva

Buscamos, portanto, vocês como interlocutores que nos ajudem a sustentar e moldar essa tensão atual. Estamos preocupados que uma "dissolução" muito rápida das tensões possa levar a divisões que não seriam úteis para nenhum de nós. Viemos na esperança de podermos encontrar juntos um quadro católico no qual também possam encontrar espaço diferenças e assincronias.

O Sínodo dos Bispos ressalta que a escuta recíproca é sobretudo importante. Esse aspecto também deve ser considerado levando em consideração que a confiança está prejudicada. No entanto: existe escuta; especialmente nos fóruns sinodais; um fórum até adotou uma maneira especial de gerir a escuta mútua sobre temas ricos de tensões e principalmente permitir a escuta das minorias. E antes das assembleias sinodais nos reunimos em conversas para explorar juntos os temas. Ao mesmo tempo, os textos são trabalhados entre uma assembleia e outra, para que todos tenham a possibilidade de aportar seu ponto de vista para o debate.

Estamos felizes por poder nos inserir com essas nossas preocupações e tensões no processo sinodal da Igreja universal, que na primavera de 2023 continuará em sua fase continental; e agradecemos que o prolongamento da fase da Igreja Universal tenha desacelerado um pouco as coisas, o que certamente é útil para a tranquilidade mútua. O documento de trabalho apresenta as múltiplas vozes da Igreja universal por meio de citações originais. Fala das experiências das Igrejas locais, das dificuldades encontradas na atuação de uma Igreja sinodal, mas também dos frutos que os processos sinodais já produziram. Depois de apenas um ano, esse processo sinodal desencadeou uma dinâmica que levou a uma nova compreensão da dignidade de todos os batizados, a uma mais ampla corresponsabilidade dos fiéis para a missão da Igreja e a uma melhor percepção dos desafios que enfrentamos na Igreja universal. Portanto, o processo sinodal já transformou a Igreja.

Por isso, gostaria de reiterar mais uma vez que o documento de trabalho romano para o Sínodo deixa claro que o Caminho sinodal da Igreja na Alemanha deve ser entendido como parte de uma dinâmica sinodal que envolve toda a Igreja. Os temas que tratamos nos quatro fóruns e durante as assembleias sinodais também são discutidos em outras partes da Igreja. Além disso, o documento de trabalho oferece uma visão extraordinária "além do próprio quintal" sobre temas, demandas e perspectivas em outras partes do povo de Deus ao redor do mundo. Assim descobrem-se muitos aspectos comuns, facilmente comparáveis, mas também distintamente específicos.

E agora esperamos perguntas, impulsos para seguir em frente e uma troca fraterna.

Parte de um corpo maior | Luis Francisco Ladaria Ferrer

Há uma passagem da Carta do Santo Padre ao Povo de Deus que está em caminho na Alemanha que constitui o horizonte de fundo dessa minha breve intervenção. O Papa Francisco escreve no parágrafo 9 da carta que acabamos de citar: “A Igreja universal vive nas e das Igrejas particulares [Lumen Gentium, 23], assim como as Igrejas particulares vivem e florescem na e da Igreja universal, e se se encontram separadas dentro do corpo eclesial, enfraquecem, apodrecem e morrem. Daí a necessidade de manter sempre viva e efetiva a comunhão com todo o corpo da Igreja, que nos ajuda a superar a ansiedade que nos encerra em nós mesmos e nas nossas particularidades, para poder olhar nos olhos, escutar ou renunciar às urgências para acompanhar aqueles que ficaram à beira da estrada. Às vezes, essa atitude pode se manifestar em um gesto mínimo, como o do pai para com o filho pródigo, que deixa as portas abertas para que, quando voltar, possa entrar sem dificuldade [cf. Evangelii Gaudium, 46]. Isso não é sinônimo de não caminhar, avançar, mudar e mesmo não debater ou discordar, mas é simplesmente a consequência de sabermos que somos constitutivamente parte de um corpo maior que nos quer e espera, e que precisa de nós, e que também nós queremos e esperamos, e do qual precisamos. É justo sentirmo-nos parte do santo e paciente povo fiel de Deus”.

As palavras que seguem gostariam agora justamente despertar em cada um de nós essa consciência de ser constitutivamente parte de um corpo maior e que precisamente tal comunhão com todos os outros membros da Igreja pode permitir - mais de mil outros gestos ou proclamações marcantes - aquela hospitalidade hoje tão necessária para com aqueles que ficaram à beira do caminho.

E, na verdade, são muitos e muitas aqueles que hoje já não se sentem mais “em casa” na casa do Senhor e ficam fora. Ainda são muitos e muitas aqueles que se sentem profundamente traídos pelos homens e pelas mulheres da Igreja Católica e já não nos frequentam mais. Acima de tudo, enfim, são muitos e muitas aqueles que já não sentem mais nenhuma confiança em nós, Bispos. E isso não acontece sem razão. O pensamento aqui se volta imediatamente para a página dolorosa dos abusos sexuais e, mais em geral, de poder cometidos pelo clero e para todas as vezes que, nesses casos, a nossa resposta como Igreja não esteve à altura da situação. A respeito, nunca nos cansaremos de pedir perdão às vítimas desses abusos, oferecendo-lhes a nossa possível ajuda; ao mesmo tempo, não nos cansaremos de renovar todos os dias a nossa determinação de que nunca mais aconteçam abusos contra menores e abusos de poder por parte de homens e mulheres da Igreja. Deste ponto de vista, posso assegurar-lhes que o Dicastério para a Doutrina da Fé está empenhado com todas as forças e com o maior escrúpulo para garantir que as penas previstas pelo código sejam aplicadas aos clérigos que são culpados de tais abomináveis crimes.

Deste ponto de vista, parece totalmente louvável o esforço que a Igreja na Alemanha está fazendo internamente para estabelecer protocolos de segurança para evitar qualquer abuso contra menores e qualquer outra forma de violência contra pessoas adultas por parte de clérigos e, em todo caso, dentro das instituições eclesiais. Esse compromisso encontrou a sua particular concretização no Caminho Sinodal lançado em 2019 pela Igreja que está na Alemanha e que nos últimos meses está chegando a uma fase de particular importância.

Ora, precisamente no espírito daquele "saber que [todos] somos constitutivamente parte de um corpo maior que nos quer e espera, e que precisa de nós, e do qual também nós queremos e esperamos, e do qual precisamos", evocado pelo palavras acima citadas da Carta do Santo Padre ao Povo de Deus que está em caminho da Alemanha, é minha função, como prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, apresentar a vocês, veneráveis coirmãos, cinco específicas preocupações que surgem de uma leitura atenta dos textos até aqui discutidos de seu Caminho Sinodal.

A primeira preocupação diz respeito ao gênero literário dos textos. Como o seu não é um Sínodo, mas um caminho sinodal, nenhum documento final parece estar previsto no momento. Mas talvez seja oportuno pensar em algo como um documento final do Caminho Sinodal ou algo semelhante? Tal questão surge quando notamos que em muitas passagens dos textos do Caminho Sinodal há afirmações genéricas sobre as posições presentes no povo santo de Deus, referências alusivas a evidências científicas e sociológicas, uso de resultados exegéticos que ainda são discutidos e discutíveis, declarações sem hesitação do fim da metafísica e do eclipse de toda verdade, protocolos genéricos de possível reconhecimento público da doutrina eclesial e, finalmente, referências a teólogos e teólogas sem nomes e sem possibilidade de identificação. Trata-se de detalhes que talvez sejam muito claros para os redatores dos textos e para leitores qualificados, mas se fizermos parte de um corpo maior e esses textos (com sua tradução já disponível para outras línguas) começarem a ter uma difusão global, não parece inoportuno a proposta de um documento final ou algo semelhante em que possa emergir um procedimento mais linear e menos dependente de afirmações não plenamente esclarecidas.

A segunda preocupação diz respeito à conexão entre a estrutura da Igreja e o fenômeno dos abusos de clérigos contra menores e outros fenômenos de abuso. O discurso levado a cabo pelos textos, também pela sua extensão e pelas necessárias repetições em diversas ocasiões, parece não levar em devida consideração a natureza específica do corpo eclesial. Resulta disso que tudo o que se pode fazer para evitar novos abusos dos clérigos contra os menores, deve ser feito, mas isso não deve implicar uma redução do mistério da Igreja a uma simples instituição de poder ou a uma consideração prévia da Igreja como organização estruturalmente produtora de abusos, que deve ser colocada o mais rápido possível sob o controle de supercontroladores. Deste ponto de vista, o maior risco de muitas sugestões operacionais dos textos do Caminho Sinodal é o de perder uma das maiores conquistas do Concílio Vaticano II, ou seja, a clara doutrina da missão dos bispos e, portanto, da Igreja particular.

A terceira preocupação diz respeito à visão da sexualidade humana segundo a doutrina da Igreja e, em particular, como encontra expressão no Catecismo da Igreja Católica de 1992. A impressão generalizada que a tal respeito poderia surgir da leitura dos textos do Caminho Sinodal é que neste terreno na doutrina da Igreja não há quase nada para salvar. Tudo teria que ser mudado. Como não pensar no impacto que tudo isso tem sobre tantos fiéis que escutam a voz da Igreja e se esforçam por seguir as suas orientações de vida? Eles deveriam pensar que fizeram tudo errado até este momento?

Não se deveria pensar com muita facilidade que a sexualidade humana seja algo claramente diante de nós e desprovido daquela ambivalência que todo gesto humano comporta e ainda mais todo gesto humano ligado ao exercício da sexualidade. Teria sido desejável, por parte dos redatores dos textos e da Assembleia do Caminho Sinodal, uma maior cautela e alguma antecipação de confiança sobre a visão da sexualidade que o magistério realizou nas últimas décadas. Salvaguardar o caráter constitutivamente generativo e geracional do ser humano continua sendo uma das grandes tarefas proféticas da comunidade dos crentes neste tempo de progressiva mercantilização da existência humana.

A quarta preocupação diz respeito ao papel da mulher na Igreja e, em particular, à questão do acesso da mulher à ordenação sacerdotal. Também nesse caso, os textos do Caminho Sinodal aparecem abaixo de uma hermenêutica participativa das posições magistrais, reduzindo tudo à seguinte observação: a dignidade fundamental da mulher não é respeitada na Igreja Católica, porque elas não podem aceder à ordenação sacerdotal. A posição do magistério é, na verdade, mais específica. O ponto decisivo a tal respeito não é que na Igreja Católica as mulheres não possam ter acesso à ordenação sacerdotal; o ponto é que se deve acolher a verdade de que "a Igreja não tem de forma alguma a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres" (São João Paulo II, Ordinatio sacerdotalis).

Aqui encontra todo o seu sentido o sentimento de fazer parte de um corpo maior, de um corpo que não é desarticulado, mas de um corpo que, por vontade explícita do Senhor Jesus, tem em Pedro e nos seus sucessores o seu guia. Gostaria de acrescentar imediatamente que as últimas resoluções do Caminho Sinodal para dirigir o pedido ao Santo Padre Francisco de reabrir a questão certamente atenuam o tom muito polêmico do texto específico sobre o acesso das mulheres à ordenação sacerdotal e sobre isso não se pode que agradecer. Claro, mais uma vez permanece a questão do destino último desses textos do Caminho Sinodal. Fica a sugestão fraterna de se chegar a uma síntese mais pacata e decididamente mais em sintonia com aquele “sentirmo-nos constitutivamente parte de um corpo maior” que orienta esta minha intervenção.

A quinta e última preocupação diz respeito ao exercício do magistério eclesial e, em particular, ao exercício do magistério episcopal. Nos textos do Caminho Sinodal permanece quase esquecido o ditado da constituição conciliar Dei Verbum e em particular a questão da tradição da fé precisamente graças à sucessão apostólica: “para que o Evangelho fosse perenemente conservado integro e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram os Bispos como seus sucessores, ‘entregando-lhes o seu próprio ofício de magistérios’" (dv, 7).

Antes da redação do corpus do Novo Testamento, havia de fato a comunidade dos discípulos do Senhor Jesus chamada a levar a todos os homens e as mulheres da terra a mensagem da boa nova do amor de Deus por todos. Essa comunidade, porém, é uma comunidade ordenada, fundada sobre uma cabeça que é Pedro e colocada sob a guia dos Doze, aos quais cabe justamente a tarefa de autenticar o testemunho dos outros discípulos e das outras discípulas do Senhor. Ao longo dos séculos, essa ordem na diaconia de todos no reino dos céus foi possível graças à presença e missão dos bispos e de modo especial à presença e à missão do bispo de Roma. Aos quais cabe, precisamente por isso, a particular tarefa de acompanhar todos a viver a caridade na verdade e a verdade na caridade. E se é verdade que o magistério está sob o juízo da Palavra, também é verdade que a Palavra se torna viva e ressoa como viva graças ao exercício do magistério dos bispos e do bispo de Roma em particular. Como é reconfortante para todo bispo saber-se sempre cum Petro e sub Petro!

Não é possível, portanto, equiparar essa tarefa tão delicada e decisiva na vida da Igreja Católica a outros ministérios nela presentes, como aquela dos teólogos e dos especialistas em outras ciências.

Veneráveis coirmãos, são essas as preocupações que, no espírito daquele nos sentirmos todos constitutivamente parte de um corpo maior, desejei trazer ao seu conhecimento. A Igreja universal precisa da Igreja que está na Alemanha, assim como a Igreja que está na Alemanha precisa da Igreja universal. Mas devemos querer "precisar" uns dos outros, devemos querer nos atender uns dos outros, devemos querer essa comunhão de vida e de caminho. E em verdade é precisamente isso que requer o vosso sincero e profundo desejo de ser cada vez mais uma Igreja em que todos possam se sentir em casa, em que todos possam se sentir parte de uma família, uma Igreja em que Deus revela a todos o seu rosto de Pai, Filho e Espírito Santo, sobretudo agora depois das páginas dramáticas que vivemos por causa da evidência dos terríveis abusos de parte dos clérigos contra os menores e a sua gestão, por parte de alguns bispos, nem sempre à altura da gravidade da situação.

Deus abençoe nosso desejo de precisar uns dos outros.

Voltar ao espírito dos Atos dos Apóstolos | Marc Ouellet

Na Carta ao povo de Deus que está em caminho na Alemanha, o Papa Francisco, em comunhão com seu predecessor Bento XVI, tomava ato da deterioração da vida cristã no país e convidava todo o povo a confiar em Cristo como chave para a renovação; o Santo Padre escrevia que se tratava de “uma deterioração, certamente multifacetada e não fácil e rápida de resolver, que requer uma abordagem séria e consciente que nos leve a nos tornarmos, no limiar da história presente, como aquele mendigo a quem o Apóstolo disse: ‘Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!’ (Atos 3,6). Refiro-me a essa passagem da carta citada, para oferecer algumas breves considerações eclesiológicas relativas à vossa busca sinodal, no espírito dos Atos dos Apóstolos. Faço-o como irmão no episcopado, mas também pensando nas necessidades dos simples fiéis.

Vocês, Sucessores dos Apóstolos na Alemanha, levaram a sério a tragédia dos abusos sexuais perpetrados por clérigos e lançaram, de maneira tipicamente alemã, uma operação de estudo com os recursos da ciência, da fé e das consultas sinodais, a fim de chegar a um uma reforma radical que colocaria fim a esse fracasso moral e institucional. Os acalorados debates ocorridos e as propostas de reforma que deles emergem certamente merecem aplausos pela atenção, empenho, criatividade, sinceridade e audácia demonstrada pelo seu Caminho Sinodal, onde os leigos desempenharam um papel paritário, senão preponderante. Após o estudo cuidadoso das suas conclusões, é natural tributar um sincero reconhecimento ao gigantesco esforço de autocrítica institucional, ao tempo dedicado a essas reflexões e ao investimento de trabalho em comum entre teólogos, bispos e párocos, homens e mulheres, para alcançar determinados consensos, ainda que com esforços e consideráveis tensões. Cabe-nos agora reagir às vossas propostas, que contêm muitos elementos partilháveis de tipo teológico, organizativo e funcional, mas que também suscitam sérias dificuldades do ponto de vista antropológico, pastoral e eclesiológico.

Vários críticos abalizados da orientação atual do Caminho Sinodal na Alemanha falam abertamente de um cisma latente que a proposta de seus textos, tal como estão, arriscaria endossar. Eu sei bem que não é sua intenção chegar a uma ruptura com a comunhão universal da Igreja, nem favorecer uma vida cristã menos exigente mais de acordo com o "Zeitgeist" do que com o Evangelho; pelo contrário, as concessões que aparecem em suas propostas foram, por assim dizer, extorquidas pela fortíssima pressão cultural e midiática; entendo que sua intenção é justamente evitar um cisma, tornando os ministros do Evangelho mais credíveis, multiplicando-os e qualificando-os, e criando comunidades cristãs mais inclusivas e respeitosas de todas as atitudes, a serem avaliadas de acordo com a dignidade humana e o conceito cristão de pessoa. No entanto, chama a atenção que a agenda de um grupo limitado de teólogos de algumas décadas atrás, de repente tenha se tornado a proposta majoritária do episcopado alemão: abolição do celibato obrigatório, ordenação de viri probati, acesso da mulher ao ministério ordenado, reavaliação moral da homossexualidade, limitação estrutural e funcional do poder hierárquico, consideração da sexualidade inspirada na Teoria de Gênero, importantes mudanças propostas ao Catecismo da Igreja Católica, etc.

“O que aconteceu?”, “A que ponto chegamos?” se perguntam incrédulos muitos crentes e observadores. É difícil resistir à impressão de que a história dos abusos, muito grave, tenha sido explorada para fazer passar outras ideias não imediatamente relacionadas.

Avaliando o conjunto das propostas, temos a impressão de que estamos diante não apenas de uma interpretação mais ampla da disciplina ou da moral católica, mas de uma mudança fundamental que suscita sérias preocupações, como acaba de recordar o prefeito do Dicastério para a Doutrina da fé. Parece que estamos diante de um projeto de “mudança da Igreja” e não apenas de inovações pastorais no campo moral ou dogmático. Infelizmente, devo constatar que essa proposta global, já amplamente divulgada na Alemanha e alhures, fere a comunhão eclesial, porque semeia a dúvida e a confusão no povo de Deus. Todos os dias recebemos testemunhos espontâneos que se queixam do escândalo causado aos pequenos por essa inesperada proposta de ruptura com a Tradição católica.

Não causa surpresa que esses resultados dividam, não apenas a conferência episcopal local e a Igreja na Alemanha, mas também o episcopado mundial, que não deixou de reagir com espanto e preocupação. Esse fato deve nos fazer refletir sobre a primeira tarefa dos bispos, que é o ensinamento segundo o magistério da Igreja e do Sumo Pontífice (cf. lg 25). Cada bispo, desde a sua ordenação e agregação até ao colégio dos sucessores dos apóstolos, cum et sub Petro, está habilitado a representar a Igreja universal na porção particular que lhe foi confiada e a garantir a comunhão da sua porção com a Igreja universal. Os critérios dessa comunhão estão listados na Lumen gentium, na Christus Dominus e no Código.

O fato da Carta de Orientação do Papa Francisco em junho de 2019 ter sido acolhida como ponto de referência espiritual, mas não realmente como guia para o método sinodal, teve consequências consideráveis. O calendário de trabalhos, após esse distanciamento inicial do magistério do pontífice em nível metodológico, viu crescer progressivamente a tensão com o magistério oficial em termos de conteúdo, resultando em propostas abertamente contrárias ao ensinamento reafirmado por todos os pontífices do concílio ecumênico Vaticano II em diante. A este respeito, causa estranheza a atitude assumida perante a decisão definitiva de São João Paulo II sobre a impossibilidade de a Igreja Católica proceder à ordenação sacerdotal das mulheres. Essa atitude revela um problema de fé em relação ao magistério e um certo racionalismo intrusivo que não se conforma com as decisões tomadas, exceto pelo que parece pessoalmente convincente ou se não amplamente recebido pelo sentimento comum. Esse exemplo simbólico, somado a outras mudanças morais e disciplinares desejadas, põe em risco a responsabilidade dos bispos perante o seu primeiro ministério e lança uma sombra sobre todo o esforço da Assembleia citado, que parece ser fortemente influenciado por grupos de pressão, sendo assim julgado por muitos como uma iniciativa arriscada, destinada a decepcionar e fracassar porque "saiu dos trilhos".

Graças a Deus, esses textos elaborados e votados, mas ainda abertos a novas modificações na última sessão prevista para março, comportam também apreciáveis desdobramentos para o repensamento pastoral e eclesiológico, por exemplo: um forte senso de justiça e de obrigação moral de reparação para com as vítimas de abusos, a promoção do sacerdócio batismal, a atitude de reconhecimento dos carismas. Tendo em conta as circunstâncias e as tensões agudas que acompanharam as sessões no momento das votações, tendo em conta sobretudo a consulta em curso para o Sínodo Universal sobre a sinodalidade, parece-nos necessária uma moratória sobre as propostas apresentadas e uma revisão substancial a ser feita posteriormente, à luz dos resultados do Sínodo romano. Providencialmente temos a oportunidade de combinar as perspectivas, adotando uma mudança metodológica que poderia ajudar a aprimorar as teses do Caminho Sinodal Alemão, no sentido de uma escuta mais profunda da orientação do Papa Francisco e do Sínodo Universal dos Bispos. É evidente que a metodologia do Sínodo Universal é diferente daquela utilizada na Alemanha: é certamente menos parlamentar, mais atenta à participação global e à obtenção de consensos formados a partir de uma profunda escuta espiritual do povo de Deus.

A razão fundamental de tal moratória é a preocupação com a unidade da Igreja, que se alicerça na unidade dos bispos na comunhão e em obséquio a Pedro. Alicerçar essa proposta controversa de um episcopado em dificuldade semearia ainda mais dúvidas e confusões no povo de Deus. Tendo presente o panorama ecumênico e o panorama geopolítico mundial devastado pelas guerras, é previsível que uma maior divulgação dessa proposta não resolveria os problemas que gostaria de remediar: as maciças saídas dos fiéis da Igreja, o êxodo da juventude, as chamadas "causas sistémicas" dos abusos, a crise de confiança dos fiéis.

A principal limitação dessa proposta talvez seja uma certa orientação apologética, baseada nas mudanças culturais em vez de se apoiar no anúncio renovado do Evangelho. Vocês possuem ouro e prata, ciência e prestígio amplamente reconhecidos e gerem tudo com generosidade, não se esqueçam de testemunhar com força e simplicidade a fé em Jesus Cristo da qual o vosso povo é demandante.

Com o exemplo e o ensinamento do Papa Francisco, podemos voltar ao espírito dos Atos dos Apóstolos, oferecendo sobretudo Jesus Cristo aos necessitados de cuidado e de conversão do nosso povo, sem pretender que soluções culturais ou institucionais sejam indispensáveis para tornar credível a figura de Jesus, embora proposta por ministros imperfeitos, mas confiantes na graça e misericórdia divinas. Essa é a mensagem inicial do Papa Francisco que agora deve ser retomada e aplicada na revisão dos resultados do Caminho Sinodal.

Nota: 

(1) Cf. Commission indépendante sur les abus sexuels dans l'Église (ciase), Les violences sexuelles dans l'Église catholique. França 1950-2020, 5 de outubro de 2021 (cap. ii. Le questionnement quant aux causes profundes du phénomène des violences sexuelles perpétrées au sein de l'Église catholique, p. 311-345).

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