O direito achado na rua. Contribuições para a teoria crítica do direito

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24 Outubro 2022

"É desse movimento, que veio o impulso para a edição de um dossiê celebratório, que a Editoria da Revista acolheu e abriu por edital, resguardados os convites para alguns autores e autoras que formam o diálogo em percurso e para submissão, às cegas, de um qualificado elenco que forma o sumário do dossiê Direito Achado na Rua: contribuições para a teoria crítica do direito", escreve José Geraldo de Sousa Junior, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília - UnB, professor e ex-reitor da mesma instituição, em artigo publicado pela Jornal Estado de Direito, 19-10-2022.

Eis o artigo.

“No marco comemorativo de seus trinta anos de existência, o Direito Achado na Rua recebe, agora, uma edição celebratória da Revista de Direito da Universidade de Brasília (UnB) que homenageia aquele que lhe dedicou sua vida: o professor José Geraldo de Sousa Junior”. (Costa; Diehl; Fonseca; Lima; Miranda; Rampin).

A epígrafe é extraída do prefácio desse número especial da Revista de Direito, editada pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade de Brasília. O prefácio é assinado pelos professores Adriana Andrade Miranda, Adriana Nogueira Vieira Lima, Alexandre Bernardino Costa, Diego Augusto Diehl, Lívia Gimenes Dias da Fonseca e Talita Rampin, respectivamente, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania UnB, professora do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), Pós-Doutora em Direito pela UnB, professora do curso de Direito na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Professor Associado da Faculdade de Direito e da Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania da UnB. Colíder do Grupo de Pesquisa: O Direito Achado na Rua, Doutor em Direito pela UnB, Mestre em Direito pela UFPA e Bacharel em Direito pela UFPR. Professor adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal de Jataí. Professor efetivo do Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás. Secretário executivo do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, Professora adjunta da Faculdade de Direito da UnB, integrante do Grupo de pesquisa O Direito achado na rua e Professora Adjunta da Faculdade de Direito da UnB, integrante do Grupo de pesquisa O Direito achado na rua. Todos e todas vinculados ao Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPQ).

A aposentadoria (jubilamento), compulsório, ainda que continue vinculado aos programas por vínculo formal de colaborador, sênior no caso, abre ensejo para homenagens. Aqui, adornadas com o zelo de colegas cuidadosos, muitos ex-alunos.

Está em curso, por exemplo, memorial para a outorga estatutária de título de professor emérito, e um cadinho desse zelo transparece no documento em processo:

A partir de 1982 se dedicou com afinco à construção e à difusão da Nair, movimento desenvolvido nos marcos da dialética humanista a partir das proposições negativas lyrianas de não tomar a norma pelo direito, não definir a norma pela sanção, não limitar ao Estado o poder de estabelecer normas e sanções, não aderir ao direito positivo e não compreender o direito como instrumento de restrição da liberdade. Nessa escola, o professor se engajou na organização de publicações históricas que tanto formularam criticamente o direito e a democracia, como difundiram uma perspectiva crítica forjada desde a práxis de seus participantes. Destacamos a contribuição do professor na direção do boletim Direito e Avesso e na coordenação da célebre série de “Introdução crítica ao direito”, que atualmente conta com dez volumes e segue sendo uma grande referência no campo da formação jurídica.

Atento às exigências que a realidade impõe, em especial, aos movimentos populares, José Geraldo de Sousa Junior, num movimento freireano, atendeu os chamados de movimentos sociais, de suas assessorias jurídicas, de construtores do direito e agentes de cidadania, e incorporou seus temas geradores para sulear o desenvolvimento da série. Em um movimento que é, ele próprio, uma inovação metodológica no campo da educação e do ensino jurídico. O acervo construído sob sua coordenação se constituiu como referência em temas nevrálgicos à defesa dos direitos dos/as oprimidos/as: teoria crítica do direito, direito do trabalho, direito agrário, direito à saúde, direitos das mulheres, justiça de transição, direito à informação e à comunicação, direito urbanístico, direito à liberdade.

É desse movimento, que veio o impulso para a edição de um dossiê celebratório, que a Editoria da Revista acolheu e abriu por edital, resguardados os convites para alguns autores e autoras que formam o diálogo em percurso e para submissão, às cegas, de um qualificado elenco que forma o sumário do dossiê Direito Achado na Rua: contribuições para a teoria crítica do direito.

O prefácio abre com um Resumo: “Analisa as contribuições de O Direito Achado na Rua para a Teoria Crítica do Direito, a partir dos estudos desenvolvidos por José Geraldo de Sousa Junior e tendo como referência o repertório de textos apresentados para a elaboração do Dossiê Especial na Revista de Direito da Universidade de Brasília com foco nas temáticas relacionadas à Educação em Direitos Humanos, Novos Saberes e Práticas Pedagógicas Emancipatórias; Acesso, Democratização e Controle Social da Justiça, Assessoria Jurídica e Advocacia Popular; Constitucionalismo Achado na Rua; Direito à Cidade; Direito, Raça, Gênero, Classe e Diversidade; Direitos Humanos; Movimentos Sociais e Sujeitos Coletivos de Direito; O Direito Achado na Rua: concepção e prática; Trabalhadores, Justiça e Cidadania”.

Aliás, para exibir esse belo conteúdo, transcrevo o prefácio:

O Direito Achado na Rua tem funcionado como uma importante plataforma para o desenvolvimento e a difusão de estudos no campo das teorias críticas do direito. Desde a sua fundação, com sua institucionalização como grupo de pesquisa no Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), na década de 1980, tem acolhido e formato dezenas de pesquisadoras e pesquisadores atuantes nas mais diversas áreas temáticas e com engajamento nas lutas populares que são travadas para denunciar e fazer cessar violências, violações e opressões, em suas variadas dimensões. Nesse movimento, constitui, ele próprio, um instrumento de transformação social necessário à experiência de disputa e construção da experiência democrática brasileira.

No marco comemorativo de seus trinta anos de existência, O Direito Achado na Rua recebe, agora, uma edição celebratória da Revista de Direito da Universidade de Brasília (UnB) que homenageia aquele que lhe dedicou sua vida: o professor José Geraldo de Sousa Junior.

Conforme retratado no artigo “O Direito Achado nas lutas populares: uma ode ao professor José Geraldo de Sousa Junior”, no qual Fredson Oliveira Carneiro busca compreender as reviravoltas dos saberes oficiais e as possibilidades abertas pelos novos saberes e avançar nas respostas que a experiência democrática nos legou, o percurso desenvolvido pelo professor José Geraldo de Sousa Junior foi, desde o início de sua trajetória acadêmica, um “esforço anticolonialista de dedicar-se ao pensamento de um autor nacional capaz de veicular o que pulsava na sociedade brasileira”. O texto apresenta-se com ode pois pretende “prestar homenagens ao professor José Geraldo de Sousa Junior e exaltar suas fundamentais contribuições para o campo jurídico-político em que nos situamos contemporaneamente”.

Suas contribuições ao campo do direito, do ensino jurídico, dos direitos humanos e da democracia adquirem destaque em sua trajetória que, academicamente, teve início em 1968, ano em que inicia seus estudos no curso de Ciências Jurídicas e Sociais na então Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF).

Em 1973, finalizados seus estudos de graduação, inicia o exercício da advocacia. Nessa década, sua atuação é especialmente destacada diante de seu engajamento com aquelas e aqueles que resistiam à Ditadura Empresarial Civil Militar e defendiam a Democracia. Ao longo das décadas seguintes, o professor ampliou e aprofundou os seus compromissos com a defesa dos direitos humanos, advogando em diferentes frentes e pautas que passaram a ser debatidas e, em algumas situações, judicializadas, com o objetivo de mobilizar o direito e o sistema de justiça como recursos necessários à promoção dos direitos humanos.

Com o texto “O Legislativo convida professor José Geraldo de Sousa Jr.: tecendo o fio democrático da formação jurídica crítica no espaço da política” as autoras Sabrina Durigon Marques e Eneida Vinhaes Bello Dultra fazem um belíssimo registro histórico da participação do professor José Geraldo de Sousa Junior na vida pública brasileira, de modo a evidenciar que suas contribuições ultrapassam os espaços institucionais universitários.

O artigo apresenta um levantamento das participações do professor em audiências públicas realizadas no Congresso Nacional entre os anos de 1987 e 2021. Como resultado verificamos uma atuação comprometida com a proteção dos direitos humanos, à defesa da democracia e da ética pública em comissões diversificadas, a convite de parlamentares de diferentes partidos e ideologias, com destaca para a sua participação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987. O artigo intentou “identificar e, propositadamente, oferecer a leitura de principais trechos da narrativa traçada pelo homenageado promovendo o diálogo entre Academia e Poder Legislativo como forma de afirmar a relevância da democracia tanto para a ação política quanto na formação jurídica defendida como instrumento de liberdade”. A pesquisa constatou a fidelidade do professor, ao longo de sua carreira, “a necessária defesa dos direitos humanos e da democracia como condição imprescindível na construção de uma sociedade justa e solidária e como um projeto de quem caminha em parceria, de mãos dadas, em grupos, nos coletivos”.

No âmbito universitário, em específico, registramos o ano de 1977 como início do percurso acadêmico de José Geraldo Junior na pós-graduação, tendo sido o único orientando do professor Roberto Lyra Filho. É com ele que formula a dissertação “Para uma Crítica da Eficácia do Direito: Anomia e outros Aspectos Fundamentais”, que então se destaca pelo seu potencial crítico-reflexivo no campo do direito.

As contribuições de Roberto Lyra Filho à teoria crítica do direito são trabalhadas no artigo “As aventuras de Roberto Lyra Filho contra o Barão de Munchhausen: por um diálogo crítico com a hermeneutica filosófica”. Nele, Diego Augusto Diehl e Helga Maria Martins de Paula realizam “um convite ao diálogo com a hermenêutica filosófica e o relativismo radical, a partir da problematização de algumas críticas que estas apresentam ao humanismo dialético proposto por Roberto Lyra Filho”. O autor e a autora propõem um diálogo entre A Teoria de Roberto Lyra e o pensamento de Alexandre Araújo Costa, professor da Faculdade de Direito da UnB e crítico do humanismo dialético de Lyra. Utilizam, para tanto, como referência, o pós-modernismo emancipatório de Boaventura de Sousa Santos, a teoria discursiva de Jurgen Habermas, a ontologia crítica de Gyorgy Lukacs e Antônio Gramsci, e a filosofia da libertação de Enrique Dussel, com o intuito de evidenciar uma compreensão sobre o humanismo dialético e de problematização das posições da hermenêutica filosófica a partir dos pressupostos do materialismo histórico, lidos sob o prisma da ontologia crítica e da filosofia da libertação.

A influência do humanismo dialético de Lyra Filho sobre as formulações que sustentam o Direito Achado na Rua e que marcam a trajetória de José Geraldo de Sousa Junior pode ser notada na fundação da Nova Escola Jurídica (Nair), movimento desenvolvido nos marcos da dialética humanista a partir das proposições negativas lyrianas de não tomar a norma pelo direito, não definir a norma pela sanção, não limitar ao Estado o poder de estabelecer normas e sanções, não aderir ao direito positivo e não compreender o direito como instrumento de restrição da liberdade (LYRA FILHO, 1983, p. 152). Nessa escola, o professor se engajou na organização de publicações históricas que tanto formularam criticamente o direito e a democracia, como difundiram uma perspectiva crítica forjada desde a práxis de seus participantes.

A formulação do Direito Novo, proposto pela Nair é tratada no artigo “Do Direito Novo e a Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR) ao Direito Achado na Rua: anomia, poder dual, pluralismo jurídico e os direitos humanos”. Nele, Eduardo Xavier Lemos propõe uma “revisitação de temas estruturantes para o conceito de humanismo dialético, projeto da NAIR, retomamos os estudos de Roberto Lyra Filho, José Geraldo de Sousa Junior e os trabalhos escritos pelo coletivo” e analisa a própria formação do movimento. O autor destaca, na proposta de tal escola de pensamento, “o combate fervoroso ao direito positivo e a dogmática jurídica que aprisiona o jurista à letra da lei positivada, ensejando o pluralismo jurídico”.

Atento às exigências que a realidade impõe, em especial, aos movimentos populares, José Geraldo de Sousa Junior, num movimento freireano, atendeu os chamados de movimentos sociais, de suas assessorias jurídicas, de construtores do direito e agentes de cidadania, e incorporou seus temas geradores para sulear o desenvolvimento da série. Em um movimento que é, ele próprio, uma inovação metodológica no campo da educação e do ensino jurídico. O acervo construído sob sua coordenação se constituiu como referência em temas nevrálgicos à defesa dos direitos dos/as oprimidos/as: teoria crítica do direito, direito do trabalho, direito agrário, direito à saúde, direitos das mulheres, justiça de transição, direito à informação e à comunicação, direito urbanístico, direito à liberdade.

Esse movimento é caracterizado em “O Direito Achado na Rua: práxis no percurso de fortalecimento das lutas sociais”, por Euzamara de Carvalho, como sendo um processo de “situar o direito como resultado da luta da classe trabalhadora”. Em sua análise, O Direito Achado na Rua “se apresenta como uma contribuição teórica e política importante e se fortalece com o diálogo com as teorias críticas no campo dos direitos humanos”, e é evidenciada e fortalecida “pela práxis – formação, formulação, ação – presente no horizonte acumulativo e agregador de O direito achado na Rua. Práticas estas que se encontram e as configuram como ações que reinventam os direitos humanos com base no fortalecimento da luta dos movimentos sociais, na pesquisa militante engajada, pertencimento a grupos e projetos de extensão, na assessoria jurídica, e, consequentemente, nos processos de formação protagonizados por seus próprios intelectuais no processo constante de luta.”

Esse horizonte esteve colocado desde as iniciativas que passam a ser desenvolvidas a partir de 1985, ano em que o professor ingressou nos quadros da UnB como professor do magistério superior. Nela, passou a construir uma consistente agenda de ensino, pesquisa e extensão, extremamente engajado com o ensino jurídico, a universidade pública, os direitos humanos e a democracia. É nesta universidade que vem a construir o Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos (NEP/UnB), no Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM/UnB), em 1986, e, também, o Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH).

Exemplo das construções viabilizadas com o engajamento do professor José Geraldo de Sousa Junior no âmbito do Direito Achado na Rua é o avanço no desenvolvimento de projetos de extensão popular que passam a caracterizá-lo no ambiente universitário. No dossiê, um desses projetos é apresentado: as Promotoras Legais Populares. Em “A formação de sujeitas coletivas de direito no Movimento Promotoras Legais Populares”, Lívia Gimenes Dias da Fonseca destaca os desafios para a construção de um feminismo plural capaz de articular particularidades sem ignorar as hierarquias existentes no movimento feminista. Para tanto, defende a necessidade de apropriação da categoria sujeito coletivo de direito pelo movimento feminista. Apresenta o movimento das Promotoras Legais Populares, com enfoque na experiência do coletivo do Distrito Federal e Entorno e da constituição de uma rede nacional, trazendo os desafios da sua prática visando apontar reflexões teórico-práticas que possam servir à construção permanente do movimento de PLPs que se pretende ser plural e libertário.

Da mesma forma, a experiência do Cepafre, retratada em “Centro de Educação Paulo Freire de Ceilândia (CEPAFRE): 32 anos alfabetizando jovens, adultos e idosos trabalhadores e sua relação com a Universidade de Brasília”, por Maria Madalena Tôrres e Danielle Estrêla Xavier, revela como os espaços e as experiências universitárias vão se transformando quando são submersas na realidade social, da qual não podem se dissociar. No texto, as autoras apresentam a história de 32 anos do Cepafre com foco no trabalho de alfabetização de jovens, adultos e idosos, em parceria com a UnB.

Como se pode notar, a categoria “sujeito coletivo de direitos” é gerada pela realidade vivenciada pelos movimentos sociais e aprendida pelo Direito Achado na Rua com o professor José Geraldo de Sousa Junior, que passa a se dedicar à sua formulação. Sua sintetização teórica pode ser conferida em sua tese, intitulada “Direito como Liberdade: O Direito Achado na Rua. Experiências Populares Emancipatórias de Criação do Direito”. Ela foi defendida em 2008 sob a orientação do professor Luis Alberto Warat e é, até hoje, uma obra de referência no campo do direito e mobiliza gerações de estudantes, advogadas e advogados populares, membros das carreiras do estado, movimentos sociais, sociedade civil e todas e todos que lutam pela transformação e democratização de nossa realidade.

Esses marcos acadêmicos, aqui destacados, são fragmentos de uma trajetória diversificada, permeada por incursões nos campos do ensino, da gestão universitária, da gestão pública, da advocacia e, principalmente, no campo popular. É no compromisso com os movimentos sociais populares que vislumbramos a principal incursão tanto do Direito Achado na Rua como do professor José Geraldo de Sousa Junior.

A formulação teórica da categoria “sujeitos coletivos de direitos”, no bojo dos estudos sobre movimentos sociais, merece destaque no campo das teorias críticas do direito. Estas teorias se diversificam e, no Brasil, ganham destaque aquelas que tem conseguido avançar na análise pluralista. Segundo David Sánchez Rubio, em “El Pueblo hace derecho, abriendo espacios de libertad”, José Geraldo de Sousa Junior e Antonio Wolkmer tem conseguido perceber as limitações do paradigma monista do direito, pela sua incapacidade de entender as novas realidades e os novos contextos complexos do Brasil e do restante dos países latinoamericanos. No caso específico do direito achado na rua, analisa o autor constituir “expresión jurídica instituyente del poder popular, que como derecho insurgente, combina la dimensión del derecho estatal con el derecho no estatal, a partir de un paradigma de pluralismo jurídico y una praxis de participación democrática radical que articula y complementa el positivismo de combate, el uso alternativo del derecho, expresiones de pluralismo jurídico, un derecho militante y un derecho insurgente, dependiendo de los actores sociales y el contexto social e histórico de cada lugar, momento y época.”

Conforme destaca o professor Antônio Carlos Wolkmer em seu artigo “A legitimidade dos sujeitos sociais e a construção plural de direitos”, é preciso enfatizar “a relevância de se buscarem formas plurais e alternativas de fundamentação para a instância convencional da justiça institucionalizada, projetando uma construção relacional e comunitária solidificada na realização material concreta e efetiva de novos sujeitos sociais que entram em cena e inauguram autênticos processos instituintes”.

Essa realização material concreta e efetiva dos novos sujeitos sociais precisa ser evidenciada a partir do desenvolvimento de múltiplos olhares sobre a realidade social. Com o artigo “Ocupação do espaço urbano pela arte e cultura LGBTQIA+ como mecanismo de luta na garantia de direitos”, temos um importante exemplo disso, ao nos depararmos com uma análise sobre como movimentos artísticos e culturais idealizados e organizados por sujeitos LGBTQIA+ atuam para garantir o direito fundamental e humano à cidade, com referência especial à Sousa Júnior (2008, 2019a, 2019b), Butler (1990) e Castells (1983). Nele, Lucineide Barros Medeiros, Elvis Gomes Marques Filho e Diego Silva de Sousa concluem que “as movimentações coletivas artísticas e culturais LGBTQIA+, associadas às conquistas de caráter jurídico-político, a exemplo das que estão previstas no Estatuto da Cidade e o suporte epistemológico, de base crítica, de construções como a do Direito Achado na Rua se constituem um processo que aponta para a ampliação da conquista dos direitos LGBTQIA+, em oposição à violação sistemática pelo Estado dos direitos fundamentais e exclusão desse grupo da cena pública”.

Da mesma forma contribui o texto “Conversações entre José Geraldo e Franco Basaglia: por uma nova práxis social para o direito e a psiquiatria”, de Ludmila Cerqueira Correia. Nele a autora adentra aspectos relacionados à necessária construção de ‘novas lentes para enxergar o Direito e suas formas de realização’, que apenas podem emergir como produção de um ‘conhecimento engajado’ que é definido pela autora como sendo aquele “capaz de atender as expectativas de uma reflexão acerca da práxis social constituída na sua experiência comum de luta por justiça e direitos.”

O enfoque do texto, que pode ser localizado no campo da Psiquiatria Democrática, é analisar as suas interseções com o Direito Achado na Rua, num movimento próximo ao que é realizado em “Dialética social no Rastro do pensamento de Roberto Lyra Filho e Milton Santos: aportes teóricos no campo do direito e geografia”, que tem como objetivo contribuir com a teoria crítica a partir dos possíveis encontros entre o Direito e a Geografia, com base na crítica epistemológica dos respectivos campos de conhecimento. Nele, Sara da Nova Quadros Côstes e Cloves dos Santos Araújo buscam questionar o Direito e a Geografia, a partir da “concreticidade das relações sociais conflituosas de produção dos espaços geográficos e dos direitos radicada nos clamores populares por liberdade e justiça social para a construção de novos caminhos teórico-metodológicos”. Duas obras de grande importância para os campos são utilizadas como referência: “O que é Direito” (1982) de Roberto Lyra Filho e “Por uma Geografia Nova” (1978) de Milton Santos, pois “ambas buscam reconstruir o objeto de estudo dos seus respectivos campos sob uma perspectiva interdisciplinar e crítica que desvenda as ideologias com ajuda da dialética marxiana”.

Ainda no mote dos diálogos e interseções entre áreas do conhecimento, o artigo “Uma releitura da sociologia jurídica a partir do Direito Achado na Rua” se destaca pela leitura reflexiva realizada por Christiane de Holanda Camilo e Marcos Júlio Vieira dos Santos sobre a obra “Direito como Liberdade: O Direito Achado na Rua Experiências Populares Emancipatórias de Criação do Direito”, de autoria de José Geraldo de Sousa Júnior (2008), com atenção especial ao capítulo intitulado Condições Sociais e Possibilidades Teóricas para uma Análise Sociológico-Jurídica. O objetivo foi destacar as conexões entre Direito e Sociologia, que deram origem à chamada Sociologia Jurídica e discutir “as possibilidades teóricas, metodológicas e práticas para uma epistemologia jurídica emancipatória socialmente legítima, que nasce nas nos espaços públicos articulada pelo elo do protagonismo dos movimentos sociais, enquanto sujeitos de direitos coletivos e revolucionários”, notadamente no contexto da nova democracia latino-americana.

Isso pode ser verificado em “O Direito Achado na Rua e a relação direito e movimentos sociais na teoria do direito brasileiro”, de Antonio Escrivão Filho e Renata Carolina Corrêa Vieira, no qual analisam o percurso do Direito Achado na Rua em diálogo com seu próprio processo de formulação teórica e identificam nos estudos de José Geraldo de Sousa Junior ‘pioneirismo e intuição analítica’ na incorporação dos movimentos sociais no estudo do direito no Brasil. Em sua análise, verificam que o professor “passou a desenvolver de modo original no Brasil estudos orientados para um reconhecimento político-constitutivo da práxis dos movimentos sociais de luta por moradia, por terra e pelo combate à violência e discriminação racial, de modo a inscrever tais práticas no campo jurídico, desde uma perspectiva da legitimidade dos sujeitos coletivos que desafiam a ordem estatal, para então inscrever nela o reconhecimento dos seus modos de ser e de viver com liberdade e dignidade.”

Com esse repertório de reflexões e provocações, publicizamos o dossiê, na esperança de que inspire e entusiasme as novas gerações, como um chamado à transformação social e um despertar a refutação do direito como opressão.

E, conforme expressamos na carta de solicitação de outorga do título de Professor Emérito ao professor José Geraldo de Sousa Junior, na ‘universidade necessária’ de Darcy Ribeiro, construída por muitas vidas, com muitos esforços, o professor figura como sendo o ‘educador necessário e emancipatório’ que construiu um legado de ultrapassagem da promessa utópica da Universidade de Brasília. Mestre que com sua vida, energia, alegria e luta, tem formado e provocado tantas gerações.

Depois da realização do Seminário Internacional O Direito Como Liberdade: 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, o volume 10 da Série, com o título de Introdução Crítica ao Direito como Liberdade, estava posto como mais amplo e atualizado balanço da fortuna crítica desse projeto substantivo.

Tal como expuseram os organizadores da obra (para referência clique aqui), o contexto em que ela foi preparada teve o “sentido plural, ora de revisitar os conceitos teóricos e epistemológicos de O Direito Achado na Rua, desde a sua concepção até os momentos atuais, a partir de suas linhas de pesquisa, ora para se projetar em novas formulações teóricas e práticas, a partir de uma atualização de temas que hoje, há exatos 30 anos da sua concepção, se reconhece a urgência e necessidade de sua abordagem, sem os quais não se é possível a formulação de um projeto de sociedade livre, justo e solidário, como os são a pauta antirracista e antipatriarcal”.

O volume então publicado (2021) se apresentou também “como uma compilação de autoria do coletivo de pesquisadoras e pesquisadores de O Direito Achado na Rua, bem como intelectuais e representantes de movimentos sociais que ao longo desses 30 anos compõem a fortuna crítica do Direito, e que historicamente estiveram sempre em diálogo com O Direito Achado na Rua, além de anunciar novas e atuais parcerias para a construção de agendas em comum na dimensão teórica e prática”. Assim, a obra pretendeu se constituir “como um espaço com disposição e potencial para colecionar elementos temáticos e estéticos, modos de interpretar, de narrar e de instituir redes e plataformas para a conformação teórico-prática dos protocolos de pesquisa e extensão que se projetaram e se projetarão no tempo, refletindo sobre o atual momento de crise paradigmática do direito e da sociedade brasileira”.

De resto, nos trabalhos cotidianos, do fazer acadêmico e político, o contínuo desse projeto se realiza permanentemente, atento à emergências, revisitações e discernimentos próprios de uma travessia que responde a urgências de discernimento sobre as três perspectivas que balizam o projeto: determinar o espaço social e político de sociabilidades vivas; compreender e reconhecer os protagonismos que se movem nesses espaços, seus movimentos e os sujeitos coletivos de direito que neles se manifestam; e aferir os achados que desafiam inteligibilidade como categorias de um direito vivo.

Isso se materializa em monografias, ensaios, artigos, dissertações, teses, que aplicam essas categorias e esses parâmetros, e que formam hoje um magnífico repositório, a partir de resultados que se espalham no Brasil e mundo afora.

Agora mesmo, enquanto escrevo, interrompo para integrar banca examinadora de tese de doutoramento, na Faculdade de Direito de Vitória, defendida por Shayene Machado Salles. Bioética Latino-Americana e Afrecentricidade como Práxis Educativa de Libertação: Referenciais Epistemológicos para a Implementação da Política Pública de Educação das Relações Étnico-Raciais nos Cursos de Direito. Destaco o capítulo 4 da Tese:

  • 4. Ciência do direito, ensino jurídico e sua crítica em Luís Alberto Warat, Roberto Lyra Filho e José Geraldo de Sousa Junior: premissas marginais para a aplicação de uma perspectiva pedagógica libertadora na educação superior jurídica;
  • 4.1. Da crítica ao pensamento jurídico tradicional à elaboração de uma epistemologia contradogmática em Warat: para libertar-se da concepção hegemônica de ciência e do caráter político-ideológico do discurso;
  • 4.1.1. Conhecimento, mito, discurso e poder na ciência jurídica;
  • 4.1.2. Por uma epistemologia contradogmática da complexidade;
  • 4.2. Concepção dialética do direito e crítica ao ensino jurídico em Roberto Lyra Filho (da oposição entre direito e legalidade à afirmação da marginalidade como alternativa para a construção de novas categorias jurídicas): para libertar-se do positivismo acrítico e do distanciamento entre o jurista e a realidade social;
  • 4.3. Direito como liberdade em José Geraldo de Sousa Junior: para libertar-se consciente e coletivamente a partir das ruas, à luz dos direitos humanos, e para a adesão à proposta de intervenção ético-política advinda do marco regulatório da educação superior jurídica brasileira.

Para mais pormenores, remeto à coluna Lido para Você:

Do mesmo modo, nesse sentido de construção permanente do campo crítico, o rico acervo formado pela Coleção Direito Vivo, que coordeno juntamente com o colega professor Alexandre Bernardino Costa, na Editora Lumen Juris. Obras editadas com o marcador O Direito Achado na Rua, seguindo-se um sub-título que assinala o campo de interesse do período acadêmico de estudantes de pós-graduação na disciplina O Direito Achado na Rua, componente curricular dos cursos de Pós-Graduação em Direito (Faculdade de Direito da UnB) e de Direitos Humanos e Cidadania (CEAM - Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília).

Está com lançamentos programados para esse fim de ano o volume 6 da Coleção: O Direito Achado na Rua. Do Local ao Universal – A Proximidade Solidária que Move o Humano para Reagir e Vencer a Peste. Organizadores: Alexandre Bernardino Costa, José Geraldo de Sousa Junior, Sabrina Cassol. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2022, resultado dos trabalhos desenvolvidos por professores e professoras da Universidade Federal do Acre, em programa de doutoramento interinstitucional com a UnB, na disciplina O Direito Achado na Rua. Para informação sobre a obra, clique aqui.

Por tudo, conforme pontua a professora Inez Lopes, coordenadora da pós-graduação em Direito da UnB e Editora-Chefe da Revista, “O Direito Achado na Rua é sui generis e resulta em transformações sociais mediante uma dialética social para afirmar a legitimidade dos sujeitos sociais e coletivos, por promover um efetivo acesso à justiça, pelo reconhecimento do pluralismo jurídico, por abrir novos espaços para o exercício do direito como liberdade e consolidação dos direitos humanos”.

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