Ter fé no tempo da incerteza, segundo Timothy Radcliffe

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15 Agosto 2016

Aqueles que conhecem o dominicano inglês Timothy Radcliffe, ex-mestre da Ordem de 1992 a 2001, apreciam o seu espírito livre que faz dele um dos autores católicos mais lidos no mundo e um dos conferencistas mais procurados.

A reportagem é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada no sítio Settimana News, 11-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

E uma confirmação disso chega das livrarias, aonde acaba de chegar a sua última publicação, Il bordo del mistero. Aver fede nel tempo dell’incertezza [A borda do mistério. Ter fé no tempo da incerteza]. No rastro de uma feliz intuição (cf. Essere cristiani nel XXI secolo e Parole di oggi, Ed. Queriniana, respectivamente 2011 e 2014), trata-se, mais uma vez, de um coletânea de discursos de amplo alcance sobre diversas temáticas, que representam, por assim dizer, um pouco os seus cavalos de batalha, sintetizados naquilo que ele colocava como título de um seus livros de 2005, que lhe fizera ganhar o prêmio de divulgação religiosa, What in the Point of Being a Christian? (tradução brasileira, "Por que ser cristão?", Ed. Paulinas).

"O teólogo que, silenciosamente, faz a revolução", escrevera o historiador Alberto Melloni (jornal La Republica, 07-07-2016), indicando Radcliffe como herdeiro de uma série de teólogos pós-conciliares – Chenu (do qual foi aluno), Congar, De Lubac, Daniélou, von Balthasar, Grillmeier – que "deslegitimavam a ideia de um cristianismo monolítico, satisfeito por resistir imóvel às ondas".

E, ao ler os discursos recolhidos desta vez pela Editrice Missionaria, o que chama a atenção é especialmente a constância da sua atitude. Por um lado, a forte vontade de adentrar na cultura de hoje, escutar as suas vozes, interceptar as suas ansiedades, compartilhar as expectativas, conhecer, como se costuma dizer, as leituras, as músicas, os filmes que traçam a vida das pessoas hoje. Só desse modo será possível propor um Anúncio que tenha qualquer probabilidade de ser compreendido ou mesmo apenas tocado.

Por outro lado, a urgência de um testemunho credível daquilo que se anuncia, sem compromissos de qualquer espécie, com o rosto (e o coração) entusiasmado de quem decidiu apostar e confiar a própria vida ao Pai dos Céus e deseja compartilhar a Sua alegria (uma atitude de clara marca bergogliana, que lhe rendeu, no ano passado, a nomeação a consultor do Pontifício Conselho para a Cultura).

A Igreja (mas ele quer dizer os cristãos) tem algo a dizer ao mundo? Sim, responde Radcliffe, porque é preciso oferecer esperança nos momentos de angústia e ajudar a encontrar a alegria nas ocasiões de desorientação.

Na série dos seus discursos mais significativos, principalmente de 2015 (também de 2010 e 2013) e de janeiro de 2016, ecoa a voz de alguém que é capaz de "escutar" o mundo com antenas sensíveis para captar todo fragmento de bem, às vezes até inconsciente, especialmente "externo": aquele que, em outras palavras, estamos acostumados a chamar de "distante", mas que nunca é distante, se cavamos profundamente.

Assim, um dos elementos característicos dos escritos do Papa Francisco – que alguns, bondade sua, viram como uma novidade bastante bizarra –, as inúmeras citações não só de Conferências Episcopais, mas também de filósofos, escritores e até filmes da cultura secular, representa, para Radcliffe, um hábito e, hoje, mais um ponto de contato com o estilo de Bergoglio.

Assim, não admira que o texto comece com Naomi Klein, feminista judia laica, porque, há anos, ele acompanhou, e citou, o rabino-chefe Sacks ou o primaz anglicano, emérito e amigo fraterno, Rowan Williams, e, hoje, Justin Welby. Ou as ainda mais numerosas citações de estudiosos de área anglo-saxônica (estadunidenses, britânicos, australianos): sociólogos, historiadores, cientistas da computação, economistas, cientistas políticos, escritores, diretores, músicos, estrelas do pop... a partir dos quais ele inicia uma reflexão.

Apenas um exemplo: "Zygmunt Bauman declara que a mobilidade da sociedade moderna encoraja, de algum modo, a se refugiar na uniformidade. Mas o cristianismo está em relação com a diferença há dois mil anos. Temos quatro evangelhos que se encontram em desacordo radical uns com os outros, e estão todos reunidos no Novo Testamento...", escreve ele, fortalecido pela sua experiência de professor de Novo Testamente em Oxford, ilustrando aos universitários de Toronto a doutrina da Trindade como "a diferença na unidade".

Mas é, principalmente, o pensamento amplo que se respira a plenos pulmões percorrendo as páginas: a necessidade de projetar ("os políticos tendem a pensar nas próximas eleições, as empresas, no próximo orçamento, os jornalistas, no próximo prazo") contra o efêmero que passa, a urgência de habitar a complexidade sem ser esmagado por ela, manter viva a esperança no amanhã, apesar do pesadelo da crise ecológica (um tema que, para dizer a verdade, entre nós, está quase escanteado).

E não destoa o fato de que inúmeros relatos, exemplos, piadas devam ser consideradas já como parte do repertório ("Eu sou um monge verde", ele gosta de repetir, no sentido de que recicla...): tudo se enquadra harmoniosamente em um discurso que vale para hoje, com o olho sempre voltado para o amanhã, em um contexto de desarmante confiança em um Deus que guia a história e na capacidade do ser humano, apesar de tudo, de percorrer os seus caminhos.

  • Timothy Radcliffe. Il bordo del mistero. Aver fede nel tempo dell’incertezza. Bolonha: EMI, 2016, 142 páginas.

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