China e Vaticano próximos de acordo inovador

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05 Fevereiro 2018

Um acordo entre a Santa Sé e a República Popular da China “está praticamente pronto” e deve ser assinado nos próximos meses, abrindo uma nova fase nas suas relações, segundo informou uma fonte experiente do Vaticano a respeito das negociações secretas entre os dois lados.

A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 02-02-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

A fonte, que pediu anonimato, disse ao America que as negociações chegaram a esta fase crucial após a visita de uma delegação da Santa Sé a Beijing em dezembro, quando, pela primeira vez desde que o governo comunista chinês expulsou o Núncio Apostólico da China em 1951, representantes do Vaticano puderam conhecer e conversar com dois bispos da comunidade religiosa subterrânea.

A delegação de cinco pessoas da Santa Sé, liderada pelo Arcebispo Claudio Maria Celli, que esteve envolvido com questões das relações Sino-Vaticano desde 1983, viajou a Beijing pouco antes do Natal para outra reunião do grupo de trabalho conjunto (GTC) formado em 2014. O GTC foi criado depois que os dois lados assinaram um protocolo de intenções sobre a nomeação dos bispos.

O grupo deveria resolver os vários elementos problemáticos no texto. Desde então, já se reuniu cerca de 12 vezes, alternando entre Beijing e o Vaticano. Em sessões anteriores, chegou a um acordo sobre grande parte das questões-chave no texto do quadro, dentre as quais a mais importante para a Santa Sé: que o papa tenha a palavra final na nomeação dos bispos.

Um dos problemas mais controversos que ainda precisa ser resolvido, no entanto, relacionava-se com os sete bispos chineses (no início, oito, mas um morreu) que a Santa Sé considera ilegítimos por terem recebido a ordenação episcopal sem o mandato papal, violando o direito canônico. Com efeito, três foram formalmente excomungados. Além disso, os católicos chineses levantaram questões relativas à adequação moral de dois dos sete. Desde o início das negociações, os chineses insistiram que todos os sete tinham que ser legitimados e reconhecidos pela Santa Sé como os bispos ordinários de suas respectivas dioceses.

Após considerável reflexão e investigação, a Santa Sé concluiu que podia reconhecer os sete. O Papa Francisco deve assinar um decreto que retira a excomunhão dos três bispos sujeitos a tal pena, concede o perdão aos sete bispos ilícitos e os reconhece como bispos legítimos da Igreja Católica e como ordinários nas sete dioceses onde agora residem. O America descobriu cada um dos sete bispos pediu perdão ao Papa e solicitou reconciliação com ele e com a Igreja universal.

Mas ainda havia um problema a ser resolvido: Dois dos sete estão nas dioceses — Shantou e Mindong — onde a chamada comunidade religiosa subterrânea é muito maior do que a aberta e é liderada por dois bispos subterrâneos altamente respeitados: Mons. Peter Zhuang Jianjian e Mons. Joseph Guo Xijin. Ambas as dioceses têm bispos oficiais e extraoficiais hoje. Para resolver o problema da liderança dessas dioceses, a delegação da Santa Sé precisava atender e apresentar a proposta para os dois pastores subterrâneos e, se possível, ter a sua aceitação "para o bem e o futuro de toda a Igreja na China". A proposta da Santa Sé convidava o Mons. Zhuang, agora com 88 anos, a renunciar e dar espaço para que o ilícito Mons. Huang Bingzhang se tornasse bispo da diocese de Shantou. Da mesma forma, convidou o bispo Guo Xijin para ser auxiliar ou coadjutor para o ilícito Mons. Zhan Silu na diocese de Mindong.

Para facilitar a realização da primeira proposta, funcionários do governo chinês local escoltaram o idoso Mons. Zhuang a Beijing, de 18 a 22 de dezembro. Eles o trouxeram de uma aldeia na diocese de Shantou, no sul da província de Guandong, onde ficou confinado desde sua ordenação como bispo subterrâneo em 2006. Foi a primeira vez que saiu de sua aldeia desde então. Em 21 de dezembro, um sacerdote chinês, membro da delegação da Santa Sé, levou-o para encontrar o arcebispo Celli e os outros delegados. O arcebispo orou com ele e depois explicou a proposta, acrescentando que Beijing concordou em reconhecê-lo como bispo emérito da diocese (até então havia se recusado a reconhecê-lo como bispo) e garantiu que ele não assinaria nenhum documento sobre a independência da igreja.

Dizer que foi um momento difícil para o bispo é um eufemismo. Ele já havia sofrido muito por sua lealdade ao Papa e agora estava sendo convidado a se afastar e deixar alguém que havia desobedecido ao pontífice se tornar bispo. Ele chorou, mas disse que estava disposto a "fazer a vontade de Deus" e "obedecer ao Papa." Mas quando voltou para casa, dizem, parecia ter segundas intenções.

Para abordar a segunda proposta, o Bispo Guo Xijin, um homem relativamente jovem que foi detido por um mês em 2017, viajou da Diocese de Mindong, na província oriental de Fujian, para encontrar a delegação de Roma. O arcebispo do Vaticano explicou que para o bem maior e o futuro da Igreja na China, a Santa Sé o convidava a aceitar o bispo ilícito Vincent Zhan Silu como bispo da diocese e a ser seu auxiliar ou coadjutor. O Bispo Guo Xijin, que tem 60 sacerdotes com ele na diocese, dos quais apenas seis estão com o bispo Zhan Silu, expressou sua forte discordância com a proposta, mas disse que ia obedecer e fazer o que o Papa quisesse. Novamente, foi um momento doloroso de obediência para um homem que já havia pago o preço de sua lealdade a Roma.

O AsiaNews publicou um relato bastante preciso do que aconteceu nessas discussões. O Cardeal Joseph Zen, antigo bispo de Hong Kong, forneceu mais informações e comentou em se blogue, no dia 30 de janeiro, revelando o que aconteceu em sua conversa privada de meia hora com o Papa Francisco, em 12 de janeiro. Ambos os relatos, e o do cardeal em especial, foram amplamente divulgados e levantaram a seguinte questão: Que preço a igreja subterrânea tem de pagar pelo acordo Sino-Vaticano?

O cardeal considera as solicitações da Santa Sé para os dois bispos subterrâneos uma traição àquela igreja. No entanto, em sua longa entrevista ao Vatican Insider, em 31 de janeiro, o cardeal Parolin negou que a abordagem da Santa Sé arrisque apagar o sofrimento do passado e atual dos fiéis da China.

"Não é uma questão de esquecer o que se passou, ignorando ou apagando o caminho doloroso de tantos fiéis e pastores quase num passe de mágica", disse, "mas de investir o capital humano e espiritual de tantos julgamentos na construção de um futuro mais sereno. O Espírito Santo que até agora tem protegido a fé dos católicos chineses é o mesmo que os apoia hoje no novo caminho em que eles embarcaram".

Em seu blogue, em chinês e inglês, o cardeal Zen revelou, em 30 de janeiro, que o bispo Huang havia lhe pedido ajuda após receber uma carta da Santa Sé, em outubro do ano passado, solicitando que ele renunciasse e abrisse caminho para o bispo excomungado. O cardeal disse que recebeu a carta do bispo e enviou para Roma. Mas quando o bispo o contatou novamente, após a reunião de dezembro, ele decidiu ir a Roma no dia 9 de janeiro e entregar a carta em mãos ao Papa.

Alguns dias depois, em 12 de janeiro, prestes a partir para o Chile, o Papa Francisco convidou o cardeal Zen a Santa Marta para uma reunião privada para discutir tudo isso. Em um comunicado enviado à imprensa no início desta semana, o cardeal revelou, entre outras coisas, que durante a conversa privada o Papa disse que havia pedido a seus colaboradores na Santa Sé "para não criarem outro caso Mindszenty".

Referia-se ao cardeal Josef Mindszenty, arcebispo de Budapeste, que sofreu durante muitos anos na prisão pela perseguição comunista na Hungria, após a Segunda Guerra Mundial, mas foi libertado pelos rebeldes durante a curta revolta de 1956 e refugiou-se na Embaixada dos Estados Unidos. Depois, no entanto, pressionado pelo governo comunista, que buscou um acordo com as autoridades húngaras, a Santa Sé ordenou que o cardeal Mindszenty deixasse o país e pôde então nomear um sucessor que fosse aceitável para o governo. A observação do Papa Francisco ao cardeal sugere que ele disse aos colaboradores para convidarem, e não forçar, os bispos subterrâneos a se demitirem. Na opinião da Santa Sé foi exatamente isso que aconteceu quando os bispos Huang e Guo Xijin encontraram a delegação em Beijing: tomaram o que uma fonte chamou de "decisão sofrida."

Em seu blogue, o cardeal Zen sugeriu que essa forma de lidar com as negociações com a China nem sempre estão em consonância como o papa. O cardeal Parolin, Secretário de Estado e principal arquiteto das negociações, negou, em entrevista ao Vaticano Insider, e afirmou categoricamente: "O Santo Padre acompanha pessoalmente os contatos atuais com as autoridades da República Popular da China. Todos os seus colaboradores agem em harmonia com ele. Ninguém toma iniciativas individuais. Francamente, qualquer outro pensamento me parece fora de contexto". A declaração do cardeal Zen provocou muita reação dentro e fora da China e decepcionou altos funcionários do Vaticano, levando a uma declaração do diretor do escritório de imprensa da Santa Sé, Greg Burke, a negar de forma categórica qualquer ruptura entre o papa e seus colaboradores.

De fato, confirmando isso, disse uma fonte ao America, antes da delegação ir a Beijing em dezembro do ano passado, o arcebispo Celli conversou com Francisco sobre sua missão e o que ele pretendia fazer lá e, ao retornar, prestou um relatório completo ao Papa.

Ficou claro que a reunião da delegação com os dois bispos subterrâneos em dezembro era crucial. Ganhou a aceitação “sofrida” dos dois bispos subterrâneos das propostas da Santa Sé, em obediência ao Papa, e, assim, abriu a porta para o próximo passo significativo na aproximação entre os dois lados, que deve ocorrer na próxima reunião do GTC, desta vez no Vaticano, depois da celebração do ano novo chinês (16 de fevereiro a 2 de março). A data ainda não foi definida.

Na próxima sessão do GTC, o líder da delegação da Santa Sé vai entregar o decreto papal perdoando e legitimando os sete bispos ao líder chinês, que o levará de volta às autoridades de Beijing. Se tudo correr como o planejado, isso deve preparar o cenário para a assinatura do acordo, em lugar e horário ainda a ser determinados. Segundo relatos de fontes ao America, "é um acordo sofrido; não é um bom acordo, não é o que gostaríamos, mas é o melhor que temos neste momento".

O cardeal Zen disse que "nenhum acordo é melhor do que um acordo ruim", mas a fonte do Vaticano não concorda. "Acho que é melhor ter um acordo. Abre portas", disse. Ao mesmo tempo, nem ele tem certeza de que o acordo será assinado, porque há quem não queira que isso aconteça, não apenas na Igreja Católica, mas também na República Popular da China. "Só acredito vendo!", acrescentou.

Desde que se tornou Papa, em março de 2013, Francisco buscou ativamente entrar em acordo com a China e, seguindo os passos de seus antecessores jesuítas, São Francisco Xavier e o missionário jesuíta Matteo Ricci, está disposto a ir além para conseguir, convencido de que o futuro da Igreja está na Ásia.

A assinatura do acordo representaria um grande avanço nas relações Sino-Vaticano, porque pela primeira vez a Santa Sé está assinando um acordo com o governo da República Popular da China. Até agora, os funcionários chineses sempre insistiram que não deveria haver "nenhuma interferência nos assuntos internos da China", mas o acordo proposto dá um entendimento diferente dessa declaração.

Sua assinatura refletiria uma mudança significativa no modo como a China vê a Igreja Católica. Nos séculos XVI e XVII, o catolicismo — e principalmente os jesuítas — foram respeitadas na China, nos séculos seguintes a Igreja passou a ser vista como aliada das potências estrangeiras que humilharam a China e ainda hoje, aos olhos de muitos, em nível político, é vista dessa maneira. Um acordo, portanto, abre a possibilidade de uma melhor compreensão da natureza da Igreja Católica e de trocas culturais e geopolíticas.

Acima de tudo, abre caminhos para uma nova vida para a Igreja Católica na China e para a superação das divisões causadas dentro da Igreja por interferência política do Estado. Há cerca de 100 dioceses na China: 98 de acordo com o governo, 144 (112 dioceses mais outras regiões administrativas) de acordo com a Santa Sé. Há mais de 100 bispos na China atualmente (cerca de 70 na igreja aberta e cerca de 30 na clandestinidade), e todos, com exceção de sete — os sete ilícitos — estão em comunhão com a Santa Sé e atendem uma população católica estimada de 10,5 a 12 milhões de fiéis. Hoje, no entanto, mais de 40 dioceses não têm bispo, enquanto muitas outras são lideradas por pastores com mais de 75 anos de idade, alguns até com mais de 90.

A Santa Sé pressionou pelo acordo por vários motivos, como o fato de temer que, se não chegassem a um acordo sobre a nomeação dos bispos, havia um risco elevado de que Beijing nomeasse seus próprios bispos para as dioceses vagas e, assim, o futuro da Igreja na China ficaria comprometido, bem como a possibilidade de reconciliação entre as comunidades subterrâneas e abertas.

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