China, esse país distante do qual todos nós dependemos

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03 Novembro 2017

Se você não está interessado no país onde vive a maior quantidade de pessoas do planeta, 1 bilhão e 380 milhões, do qual um terço de todo o crescimento da produção mundial depende, não se ocupe com a China e com o XIX Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC).

O artigo é de Esteban Valenti, publicado por ALAI, 02-11-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.

A renda per capita anual teve um aumento anual de 7% desde 2008 até o momento, após a crise mundial continuou crescendo em média de 7,2% ao ano, e desde 2012 até hoje os gastos em pesquisa cresceram 52%, a solicitação de patentes aumentou 70% e a pobreza foi reduzida pela metade em 5 anos. A China é o maior cliente de produtos uruguaios e seu principal parceiro comercial...

Fiz uma pequena pesquisa nas redes, nos meios de comunicação, e a importância do XIX Congresso do PCC é totalmente, absolutamente, desproporcional à importância que tem na vida do mundo, o seu impacto na economia e nas relações internacionais.

E isso é mais visível na mídia de esquerda. É o maior partido político do mundo, com 89 milhões de membros e seu congresso é presidido por um enorme martelo e foice emoldurados em bandeiras vermelhas...

A pouca importância na imprensa não é uma conspiração, é porque a China é totalmente previsível, não há tensões nem internas, nem externas e o PCC não desempenha um papel mundialmente chamativo, mas permanece firme em seu caminho para transformar o país no mais poderoso da Terra, em 2050.

Inclusive o seu projeto atual, de modernização e desenvolvimento de suas forças armadas, que se propõem a alcançar o primeiro lugar no mundo, com 10 porta-aviões de última geração para o 100º aniversário da revolução (em 2049), também nesse plano não é inquietante, pelo contrário, pode parecer absurdo, mas neste mundo de equilíbrio do medo, é um fator de estabilidade.

Todas as previsões de um futuro colapso chinês, de seu "impossível" crescimento sustentado e impetuoso rompe muitos esquemas de direita e esquerda, e já desmoronou diversas vezes.

Xi Jinping, que acumula os cargos de secretário-geral do PCC, presidente da República Popular da China e da Comissão Militar Central, subiu ao palco acompanhado por seus dois antecessores, Jiang Zemin e Hu Jintao, e transmitiu uma mensagem de grande confiança e um olhar estratégico amplo para os 2.287 delegados reunidos no Grande Salão do Povo, em Pequim.

Xi Jinping, de 64 anos, é considerado como o mais poderoso líder da China nos últimos 25 anos, assim como foram Mao Zedong e Deng Xiaoping. Ninguém tem dúvidas de que ele será reeleito.

Geralmente, não prestamos a atenção devida à esquerda, especificamente porque não entendemos bem o discurso acerca de uma "reflexão sobre o socialismo com as cores da China, para uma nova era", não conseguimos sair de certos esquemas e voltar realmente às fontes do chamado "socialismo científico", de Karl Marx, e acabamos sendo capturados na visão de que tudo acontece pelo crescimento ilimitado e absoluto do Estado na economia, a produção, a vida social dos países.

A via chinesa para o socialismo, cujo grande impulsor não era exatamente Mao, mas Deng Xiaoping, não negou todo o passado revolucionário, mas produziu uma mudança radical nas relações de produção e de propriedade que, neste Congresso não apenas foram reafirmadas, mas também consideradas a chave para a "nova era", ainda que com ajustes, baseando o crescimento não apenas no investimento privado e público, mas no consumo e no desenvolvimento das infra-estruturas não só nacionais, mas das rotas que levam à China.

A China aprofundará suas reformas econômicas e financeiras e abrirá mais seus mercados para investidores estrangeiros em uma tentativa de passar de um crescimento de alta velocidade para um de qualidade elevada e sustentabilidade, de acordo com o Secretário-Geral Xi Jinping, na abertura do Congresso.

À nível social, a China pretende tirar 10 milhões de chineses da pobreza todos os anos, mas isso não significa que eles vão diminuir o número de milionários chineses, que alcançam um número assustador de 150 milhões de pessoas, ou 650 milhões de pessoas que vivem em famílias com renda mensal superior à US$ 10.000. Essas realidades não se encaixam em determinados padrões. É notório que eles elegeram um caminho, uma rota para o socialismo totalmente diferente do russo, que por 70 anos orientou a União Soviética, até que tudo desmoronou, ali e em todos os países com esse modelo, ainda com variantes como a Iugoslávia e a Albânia.

As reformas nos dois blocos socialistas tiveram resultados muito diversos: de um lado Mikhail Gorbachev e a Perestroika são atualmente uma memória fracassada distante, enquanto que as ideias de Deng Xiaoping hoje são uma realidade poderosa.

Outros que seguiram esse caminho para sair do atraso, dos vestígios das guerras e dos diversos colonialismos, criando uma estrutura produtiva e social sólida e crescente, foram os vietnamitas. Outra heresia sepultada no esquecimento para a maioria da esquerda. Incluindo a uruguaia.

Dos norte-coreanos, essa dinastia vergonhosa e opressiva em declínio, que sobrevive baseada em um poder militar desproporcional que bebe o sangue de sua sociedade, nem falemos.

Cuba, o outro país que permaneceu do antigo sistema socialista mundial, tateando, lenta e tardiamente dirige-se para mudanças que tentem salvar sua economia sempre ameaçada pela crise e pela paralisia, e não avança precisamente pela via de um maior controle estatal.

Apenas os míopes podem achar que a Venezuela tem algo do socialismo, a menos que a consideremos o socialismo do século XI, do final da Idade Média.

Para os mortais comuns, os 1 bilhão e 450 milhões de chineses e vietnamitas que vivem, trabalham, estudam, criam, arriscam, investigam e investem em seu país, a sua situação, sua qualidade de vida, a sua comida, seus consumos materiais e culturais, os serviços que recebem e que produzem, são infinitamente melhores aos do passado, embora o caminho percorrido não se compadeça de certos dogmas. Muitas vezes os dogmas, inclusive aqueles fracassados pela exaustão e pelo desmoronamento, são mais fortes do que a realidade.

O XIX Congresso do PCC é realizado em meio a grandes sucessos nos cinco últimos anos, inclusive em uma questão muito complexa, a atual liderança do Partido Comunista concentrou uma de suas principais batalhas contra a corrupção, destituindo ou aprisionando mais de 1 milhão e 300 mil funcionários e empresários. Era uma ameaça muito séria para a continuidade do processo e para o papel do PCC na sociedade chinesa, e o enfrentaram com extrema dureza, a seu estilo.

A melhor resposta, a que tem um conteúdo mais profundo e histórico para a crise expressa pela ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, é a que a China está dando neste momento. Sem gritarias ou declamações, com abertura e firmeza.

É possível entender todo o processo chinês atual sem considerar sua história, sua história antiga? Não, basta ver o cinema chinês, o pouco de sua literatura que podemos conseguir, e veremos de que forma o PCC desempenha o papel de unificador dessa enorme quantidade de povos diferentes (são reconhecidos oficialmente 56 grupos étnicos) e dar-lhes um horizonte de grandeza e de perspectivas para todo o país, o papel que as grandes dinastias desempenharam em sua época. Também por isso nos custa tanto entendê-los.

A história "ocidental e cristã" que consumimos nestas latitudes e que é apresentada como "História Universal" está fortemente distorcida. A China era econômica e militarmente mais poderosa do que a Europa há apenas 200 anos. Teve desenvolvimentos tecnológicos muito mais cedo do que no Ocidente, como por exemplo o uso da impressão de tipos móveis. E o grande salto que dá hoje, tem sólidos antecedentes em seus milhares de anos de história. Nisso também guarda profundas diferenças com o império czarista.

Uma delegação muito recente de empresários uruguaios, que visitou diversas províncias e que foram muito bem recebidos pela embaixada uruguaia naquele país, retornou deslumbrada. Eles foram cheios de preconceitos e perguntavam a todos se sentiam falta da liberdade, a falta de democracia. E as respostas nos mais diversos ambientes os desarmaram: uma parte fundamental da sociedade chinesa tem uma visão completamente diferente de liberdade da nossa. Para nós, nos demandaria demais, seria impossível adaptarmos essa visão, mas a eles lhes resulta exatamente igual à nossa.

A via chinesa para o socialismo não será um exemplo político que devemos imitar, mas não há dúvida de que foi o caminho transitado por um quarto da humanidade para mudar sua vida e influenciar na mudança de vida da maioria dos seres humanos neste planeta. O mínimo que podemos fazer é estar atentos, estudando essa realidade e tentando compreendê-la.

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