China, a virada de Francisco. Artigo de Alberto Melloni

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04 Fevereiro 2018

“Na obstinação evangélica com que Francisco e seus homens perseguiram o acordo com a China, há a convicção de se deixar guiar pela milenar história de Cristo na China e não pelo uso do catolicismo como ‘correlato religioso’ da ideologia ocidental.”

A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha.

O artigo foi publicado por La Repubblica, 03-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Mesmo aqueles que conhecem a China muitas vezes não ouviram falar de Shantou e Mindong. Muito menos das dioceses de Shantou e Mindong. No entanto, essas duas cidades entrarão para a história, porque foram aquelas em que, há pouco tempo, foi realizada uma operação eclesiástica muito delicada e de significados imensos.

Aparentemente nada disso. Dois bispos idosos e venerados foram substituídos por dois mais jovens, como quer o direito. No entanto, enquanto os dois demissionários nunca haviam sido aceitos pelo governo, mesmo certamente não sendo “clandestinos”, os dois novos bispos foram tomados entre aqueles que Pequim aprovou e que fez consagrar como bispos sem esperar o mandato papal.

Esse “transplante de bispo” é a prova tão esperada de que o acordo entre a China e o Vaticano existe (não é necessário que esteja escrito), funciona, e que seu objetivo – que não é o de “pentear o macaco”, mas sim de favorecer reconciliação entre as ovelhas – é alcançável.

Porém, se era necessária uma confirmação do passo adicional e potencialmente definitivo da “concórdia” sino-vaticana, ela veio do furor do cardeal Zen. O idoso purpurado de Hong Kong, temo que de boa-fé, revelou/manipulou os conteúdos de uma conversa privada sua com o pontífice.

Aplaudido pela ultradireita católica de Steve Bannon e pelos seus imitadores locais, ele disse, em essência, que o papa é um tolo cercado por colaboradores traiçoeiros e um cínico que não sabe reconhecer um regime perseguidor.

Zen certamente não vê, como Romano Prodi, a urgência de agir antes que a montante cultura “imperial” da China reapareça como irreversível. Ele acha que o anticomunismo, que pelo menos tinha um antagonista de verdade durante a efêmera Dinastia Mao, pode funcionar na nova Ditadura da Harmonia. E se torna útil para aqueles que fabricam caricaturas depreciativas sobre a Igreja dividida e contra Francisco, para aqueles que perderam o conclave, para aqueles que preparam o próximo e para aqueles que pragmaticamente aguardam a iminente substituição dos vários chefes do dicastério da Cúria hoje à beira da aposentadoria.

O choque, portanto, é a prova indireta de um passo histórico que tem uma explicação simples. Todos sabem que, quando a Igreja olha apenas para o Evangelho, sempre acaba afetando a história profunda e até a alta política (vice-versa, quando pensa demais ou apenas na política, desfaz-se na lepra intolerável que a leva à irrelevância).

Na obstinação evangélica com que Francisco e seus homens perseguiram o acordo com a China, há a convicção de se deixar guiar pela milenar história de Cristo na China e não pelo uso do catolicismo como “correlato religioso” (como diz Gianni Valente) da ideologia ocidental.

Francisco pensa que a Igreja precisa da fé dos fiéis chineses, que os católicos chineses podem ganhar com isso em unidade, e o mundo, em paz. Entrando assim na cena internacional, sem fins de poder e ogivas atômicas, ele irrita a ultradireita católica, estadunidense ou não, que investe em propalar ataques contra o papa por toda a parte: do Google – que, para aqueles que, como eu, são perfilados como potenciais leitores de coisas sobre o papa, sempre propõe como primeira notícia algumas frases do jornal Libero – até os seminários chineses, graças também a quem (como Zen) dá catequese antibergogliana aos bispos.

Francisco não recua – e com ele seus diplomatas – em relação ao desígnio de paz e unidade. E, com isso, quer posicionar o catolicismo dentro daquela “terceira guerra mundial em capítulos” que todos citam como se fosse uma fórmula e não uma fotografia de um desastre que não morderá para sempre longe daqueles que hoje a veem longe.

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