25 Março 2021
No centro da disputa sobre a recente proibição do Vaticano para bênçãos a casais homossexuais está o papel do Papa Francisco. No início desta semana, New Ways Ministry apresentou reportagens que mostram o papa se distanciando da proibição, como na sua mensagem de Angelus no domingo, mas muitas pessoas ainda acusam o papa. Quando se refere a Francisco, parece inevitável que alguns analistas considerem suas duas faces sobre questões LGBTQ.
A reportagem é de Robert Shine, publicada por New Ways Ministry, 25-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Paul Elie da Georgetown University, na revista The New Yorker, levantou a questão sobre as mensagens confusas do Papa Francisco em relação à proibição, escrevendo: “o responsum não foi uma grande surpresa, mas sua linguagem absoluta sim, porque vai contra a ênfase do Papa Francisco de a Igreja como um agente de menos julgamento e mais misericórdia”. Sobre a questão do porquê o papa aceitou tal documento ser publicado, Elie escreve:
“Por que, então ele deixou isso ser publicado? Várias fontes citam circunstâncias extenuantes: Francisco é o líder da igreja global, não apenas da Igreja progressista da Europa. Ele está praticando a realpolitik – dando um osso para os tradicionalistas o apoiarem em outros temas. Ele estava encurralado pelos burocratas clericais da Doutrina da Fé, que se reuniu sub-repticiamente para redigir o documento e depois o empurrou enquanto ele se preparava para a tão esperada viagem ao Iraque...”.
“As circunstâncias não diminuem nem a dor do documento, nem a responsabilidade do Papa por ele”, pondera.
Elie não está convencido de que Francisco estava muito ocupado para ler um documento, ao qual concordou, de acordo com o documento da Congregação para a Doutrina da Fé. Elie afirma que os argumentos sobre as uniões homossexuais devem ser minimizados em uma igreja global decadente. Ele conclui:
“O novo responsum, de fato, deixa os católicos LGBTQ no limbo, tentando dar sentido a uma Igreja que abençoa as suas vidas. E sugere que, em questões de casamento e sexualidade, o pontificado do Papa Francisco também está em uma espécie de limbo – incapaz de acompanhar os marginalizados, porque a própria Igreja está marginalizando, e bloqueada por fórmulas jurídicas tão cruéis que o Papa acaba tentando se distanciar delas”.
No Daily Beast, várias pessoas entrevistadas também falaram sobre o papel do papa nessa controvérsia. Jobert Abueva, que é gay e deixou a Igreja, comentou: “Perdi toda a esperança... É como se seu pensamento progressista tivesse sido esmagado por forças mais poderosas da Igreja e desde então ele teve que recuar”.
Dawn Ennis, uma ex-católica transgênero, acrescentou: “Como a saúde do Papa Francisco está piorando e ele está sob maior controle das forças conservadoras dentro do Vaticano, tenho zero de esperança e o mesmo interesse... Pessoas que uma vez acreditaram que ele traria necessidades de mudança podem se despedir e ir embora”.
Mas nem todos os entrevistados no The Daily Beast condenaram tanto Francisco. Michelle Fitzhugh-Craig, uma jornalista lésbica negra, disse sobre o papa: “Eu acredito nele como homem, como ser humano... embora eu ainda questione muito a liderança do papado”.
Finalmente, foi divulgada na quarta-feira a notícia de que o Papa Francisco havia nomeado um homossexual, Juan Carlos Cruz, como membro do Pontifício Conselho para a Proteção de Menores. Cruz, que também é sobrevivente de abusos do clero, criticou publicamente Francisco no passado. Mais recentemente, ele criticou duramente a proibição de bênçãos do Vaticano, comparando-a com a Inquisição.
Tudo isso aumenta a confusão sobre onde o Papa Francisco realmente se posiciona nas questões LGBTQ. Infelizmente, Paul Elie percebeu que, a partir de agora, tanto os católicos LGBTQ quanto o pontificado de Francisco estão ainda mais no limbo depois da semana passada.
Leia mais
- É preciso uma “virada copernicana” na Igreja em relação à sexualidade. Entrevista com Józef Niewiadomski
- Bênção a casais homossexuais: “O responsum não é um documento definitivo”. Entrevista com Andrea Grillo
- Papa Francisco é o anjo da guarda da ambivalência dos fiéis
- Todos os “nãos” do papa Francisco aos progressistas. O último, fortíssimo, é sobre o fim da vida
- Francisco contesta a Doutrina da Fé: “O anúncio do Evangelho requer a valentia de escutar a realidade”
- Por que o Papa Francisco “bendiz” a nota da Doutrina da Fé sobre as uniões homossexuais?
- Sobre as uniões LGBT, os jesuítas leem nas entrelinhas a posição do Papa Francisco
- Papa Francisco está “muito preocupado pelo dano causado” pela nota da Doutrina da Fé, e prepara um “gesto de amor” aos católicos LGBT
- Fontes do Vaticano suspeitam que o Papa Francisco se distanciou, na Oração do Angelus, da declaração da Doutrina da Fé sobre uniões homossexuais
- "Quem quiser ver Jesus, olhe para a cruz", diz o Papa Francisco
- Decisão sobre bênçãos de uniões entre pessoas do mesmo sexo “não é a última palavra”
- Na doutrina católica, a hierarquia deve ser muito clara, transparente e verdadeira. Não deve se deixar levar pelas lógicas midiáticas
- Elton John critica determinação do Vaticano sobre casamento gay
- Homossexualidade e misericórdia. Comentário de Vito Mancuso
- A mãe de um garoto gay: "quem se opõe ao amor, perde"
- Homossexualidade e a Igreja: "Precisamos sair do aspecto emocional". Entrevista com Joël Pralon
- Em meio à polêmica sobre as bênçãos a casais homossexuais, cardeal Farrell diz que ninguém é excluído do amor da Igreja
- Começa o Ano Amoris Laetitia. O Cardeal Farrell: “Ninguém será excluído dos cuidados da Igreja”
- "Essa não é a linguagem da Amoris laetitia." Artigo de Johann Bonny, bispo da Antuérpia
- “Faça a coisa certa”: a recepção da Amoris laetitia e as categorias dos canonistas. Artigo de Andrea Grillo
- Mary McAleese condena decisão “cruel” sobre bênçãos de casais do mesmo sexo
- Bispo belga está “envergonhado” pela Igreja e pede desculpas pela proibição do Vaticano às bênçãos a casais homossexuais
- Um novo “caso Galileu”? O nascimento da sexualidade e a doutrina católica. Artigo de Andrea Grillo
- O que é um problema sistemático? Casais homossexuais e pedagogia da lei. Artigo de Andrea Grillo
- Bênção e poder: uma confusão ilícita. Artigo de Andrea Grillo
- Deus abençoa o pecador
- Presidente dos bispos católicos alemães “não está feliz” com a proibição do Vaticano às bênçãos às uniões homossexuais
- “Um chamado à desobediência”. Padres austríacos respondem à proibição do Vaticano às bênçãos aos casais homossexuais
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Depois da proibição do Vaticano, analisando as duas faces do Papa Francisco sobre questões LGBTQ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU