Mary McAleese condena decisão “cruel” sobre bênçãos de casais do mesmo sexo

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19 Março 2021

 

A ex-presidente da Irlanda, Mary McAleese, escreveu ao chefe da Igreja Católica do país apelando a ele para “reconhecer a mágoa” causada pelo recente documento da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo.

A reportagem é de Sarah Mac Donald, publicada em The Tablet, 18-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Em sua correspondência ao arcebispo Eamon Martin, vista pela The Tablet, a ex-chefe de Estado descreve a linguagem do Responsum de duas páginas sobre a bênção das uniões de pessoas do mesmo sexo como “gratuitamente cruel ao extremo”.

Sua correspondência ao arcebispo Martin estava acompanhada por uma carta que ela escreveu à The Tablet criticando o conteúdo do documento da Congregação e o Papa Francisco.

Admitindo que ela não esperava que a resposta ao dubium fosse positiva – “Eu não sou tão ingênua” – a professora McAleese acrescenta, porém, que não antecipou a “linguagem insuportavelmente perversa que só pode ter provocado mais dores de cabeça nos nossos filhos gays e em nós, suas famílias”.

“Dores e mágoas disparadas como um míssil do centro de governo da Igreja. Tolamente, eu ousava esperar que a linguagem pudesse refletir uma consciência crescente dos danos que a linguagem da Igreja já provocou.”

Na segunda-feira, a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu uma resposta formal à questão sobre se a Igreja pode abençoar as uniões gays. Em seu Responsum sobre a bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo, ela concluiu que a Igreja não tem o poder de abençoar as uniões entre pessoas do mesmo sexo, pois era impossível para Deus “abençoar o pecado”. Tais uniões são “ilícitas”.

Embora a Igreja deva acolher as pessoas gays, escreve a Congregação, ela não deve abençoar suas uniões, pois todo reconhecimento sacramental poderia ser confundido com o matrimônio e poderia “aprovar e encorajar uma escolha e uma praxe de vida que não podem ser reconhecidas como objetivamente ordenadas aos desígnios divinos revelados”, afirma o documento.

Mary McAleese se refere a outra correspondência que ela enviou recentemente ao arcebispo Martin como presidente da Conferência dos Bispos da Irlanda, buscando o apoio da Conferência para a Declaração da Santidade da Vida e da Dignidade de Todos da Comissão Global Inter-Religiosa 2020, “que reconhece o dano causado a nossos irmãos e irmãs gays pela linguagem empregada historicamente dentro dos sistemas religiosos”.

“Agora, estou escrevendo novamente para perguntar se há alguém entre vocês disposto a reconhecer publicamente que a linguagem usada neste documento mais recente da Congregação para a Doutrina da Fé é gratuitamente cruel ao extremo”, desafia ela.

“Eu apelo ao senhor, por favor, reconheça a ferida que essas palavras da Congregação para a Doutrina da Fé e do Papa Francisco provocaram e continuarão provocando. O senhor representa um dos principais influenciadores da sociedade irlandesa.”

Ela destaca que a Igreja Católica na Irlanda administra 90% das escolas primárias do país e 50% das instituições de nível médio.

Crianças em idade escolar em escolas religiosas têm direitos de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança. “O nosso governo é um Estado Parte dessa Convenção (assim como a Santa Sé) e, portanto, um protetor desses direitos”, destaca ela. “Entre eles está o direito de nossos filhos de não serem expostos a ensinamentos com palavras cruéis que levem à homofobia, por apresentarem casais do mesmo sexo como pecadores ipso facto e incapazes de receber a graça de Deus.”

Ela acrescenta: “Já sabemos a disfunção e os danos que esses ensinamentos causaram no passado e a mensagem do referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi um retumbante ‘Parem’. Vocês não ouviram?”.

Referindo-se aos esforços realizados recentemente por alguns clérigos e bispos para contestar a linguagem do documento da Congregação, ela diz que isso foi “encorajador”.

“A coragem deles é louvável. Existe algum vestígio de tal coragem episcopal aqui?”, pergunta ela aos bispos irlandeses, avisando que "sem isso não pode haver nenhum caminho sinodal genuíno, se esse caminho simplesmente volta para o ponto de partida, como a nota explicativa terrivelmente mal formulada da Congregação para a Doutrina da Fé para o responsum.”

A canonista afirma que a postura dos bispos irlandeses “é um mau presságio” para o caminho sinodal no qual, encorajados pelo Papa Francisco, eles estão convidando os fiéis a embarcar.

“É realmente um convite aberto, honesto e de boa fé para um diálogo de escuta, especialmente com aqueles que abandonaram a Igreja ou que estão por um fio de o fazer? Ou a sorte já foi lançada? É pouco mais do que um projeto mal disfarçado de Nova Evangelização, no fim da qual aqueles que discordam conscientemente de aspectos do ensino da Igreja sobre uma ladainha de questões bem repetidas serão convidados, nas palavras do recente documento da Congregação para a Doutrina da Fé, a ‘reconhecer a sincera proximidade da Igreja’ e a ‘acolher com disponibilidade os seus ensinamentos’?”, pergunta ela.

“Em outras palavras, não espere nenhuma mudança por parte do magistério, mas espere ser convidado a renovar a obediência a ele, apesar das suas opiniões em consciência. Se esse for o caminho sinodal, pode ter certeza de que ele já está fadado ao fracasso.”

Em sua carta à The Tablet, a professora McAleese relembra as palavras do Papa Francisco em 2013: “Quem sou eu para julgar?”, em resposta à pergunta de uma jornalista sobre os católicos gays.

Ela observa que o papa, ao usar essas palavras, evitou usar as palavras “cruéis” dos ensinamentos da Igreja sobre a homossexualidade e os atos homossexuais como “objetivamente desordenados” ou “intrinsecamente maus”.

“Mais recentemente, ele até pareceu apoiar as parcerias civis entre pessoas do mesmo sexo. Mas as aparências podem enganar, e as palavras podem aumentar as expectativas apenas para depois decepcionar”, escreve ela.

Ela observa que, encorajados pelas palavras faladas pelo Papa Francisco, alguns cardeais, bispos e padres ofereceram bênçãos a casais católicos que selaram casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo.

“É impossível imaginar o conforto espiritual, a esperança e o sentimento de inclusão que isso provocou. Também provocou a resposta fulminante desta semana da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a questão sobre se saber se a Igreja pode oferecer tais bênçãos. A resposta não é simplesmente um ‘não’ enfático e decepcionante. É uma ladainha de declarações de julgamento envoltas em uma linguagem melosa que pede que os gays católicos reconheçam a genuína proximidade da Igreja e recebam seus ensinamentos com abertura.”

Observando que o Papa Francisco deu seu consentimento a esse documento, ela diz que, com isso, ele deu uma resposta firme à sua própria pergunta: “Quem sou eu para julgar?”.

“Quando ele está em um avião conversando com jornalistas, ele é o papa populista que é alardeado como o grande reformador, um rótulo que ele parece apreciar. Atrás da sua mesa, está o papa que segue a velha linha dura.”

 

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