18 Dezembro 2025
O Cardeal José Tolentino de Mendonça é teólogo e professor universitário. Nascido na ilha de Madeira em 1965, é prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, grão-chanceler do Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã e, de 2018 a 2022, foi bibliotecário da Igreja.
A entrevista é de Alain Elkann, publicada por La Stampa, 07-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
O senhor é membro da Ordem Terceira de São Domingos. Isso significa que é um dominicano?
Significa que pertenço a essa família espiritual, embora não seja um dominicano professo: sou um sacerdote diocesano, mas, em nível espiritual, aderi aos valores e à tradição dominicana.
O senhor começou a escrever poesia muito jovem. Foi um chamado para a escrita?
Em primeiro lugar, foi um chamado para a leitura, porque a poesia sempre desempenhou um papel importante na minha curiosidade, na minha combustão interna. Desde os meus primeiros anos como leitor ou ouvinte, a poesia teve um efeito quase mágico sobre mim, como um feitiço. Eu pensava que era uma forma de falar e, depois, entendi que era uma forma de pensar o mundo, de buscar significado, de ir além.
O senhor trabalhou com Bento XVI e Francisco e agora trabalha com Leão XIV. O que mudou de pontífice para pontífice em relação à cultura?
A cada papa se pede para ser ele mesmo, e por isso houve grandes mudanças ditadas por suas personalidades. Dito isso, também vimos uma grande continuidade. Bento XVI, graças também à sua história pessoal, era um artista, muito sensível à importância da dimensão cultural. Mas também no Papa Francisco a dimensão cultural era muito vital, apesar de ele ser um homem muito diferente. Lembro-me de sua visita à Bienal de Veneza, a primeira da história de um papa, quando ele disse: 'O mundo precisa de artistas'. Acabamos de nos deparar com o mundo do cinema, uma arte muito importante, mas jovem e inquieta, como Leão XIV a definiu. Diz-se que o novo papa é um cinéfilo, que não só ama o cinema tradicional estadunidense e europeu, mas entende como é necessário um diálogo entre diferentes disciplinas artísticas para a busca do sentido.
As universidades estão investindo cada vez mais em tudo que é relacionado a ciência, tecnologia e inovação, e cada vez menos em humanidades. Considera isso um erro?
Sou otimista. O futuro exigirá cada vez mais uma união entre a tecnologia e as disciplinas humanas. Sem filosofia, sem o desenvolvimento do pensamento crítico, a humanidade perderia a capacidade de resistir à evolução da história.
O que pensa da inteligência artificial?
Ela reproduz o conhecimento humano, é capaz de inovar apenas dentro dos limites do que já existe, enquanto os humanos são capazes de criar o inimaginável. Sua inteligência não é simplesmente o produto de dados acumulados; é criativa e emocional. Os humanos choram, riem, rezam — operações que uma máquina não pode realizar.
Como explica que, apesar do progresso, as guerras continuam a explodir em várias partes do mundo?
A leitura de George Steiner teve um impacto profundo em mim. Partindo da experiência da Segunda Guerra Mundial, marcada por atrocidades impensáveis, bem como por pessoas capazes de grandes emoções, ele disse que não acreditava que a cultura pudesse levar ao progresso da humanidade. A cultura é um bem frágil; não basta para salvar o homem de si mesmo, da violência e dos instintos mais sombrios que habitam seu coração, contraditórios e paradoxais. Portanto, precisamos de uma visão geral de educação e cultura: as formas não bastam, porque, no fim das contas, os seres humanos precisam empreender uma jornada interior de transformação.
Mas parece que hoje muitos líderes ignoram completamente a cultura, e talvez até a religião?
Esse é o problema dos nossos tempos. O filósofo alemão Walter Benjamin falava da relação entre cultura e barbárie. A cultura é uma forma de humanização: ouvir música, ler poesia, admirar os grandes mestres, nos ajuda em um processo que nunca termina, porque o ser humano está sempre em viagem.
Quando o Papa fala de paz, acredita que alguém o escuta?
Eu posso parecer ingênuo, mas acredito sinceramente nisso. Nunca usamos a palavra ‘paz’ sem produzir algum efeito, mesmo que nem sempre seja visível. As primeiras palavras do Papa Leão foram "’A paz esteja convosco’, e ele frequentemente repete essa saudação. Se quisermos ser cínicos, podemos dizer que são palavras bem-intencionadas que nunca assumem uma forma concreta. No entanto, em um discurso público, elas introduzem a centralidade da paz. As palavras não são apenas palavras; elas têm o poder de nos transformar.
O senhor acredita que as palavras "gratidão" e "reconhecimento" fazem parte da linguagem atual?
A palavra 'gratidão' é uma das mais belas do mundo, porque reconhece a graça que está na raiz de cada história. Todos nós somos o resultado de uma graça, porque não fomos nós que inventamos a vida: nós a recebemos de outros, de nossos pais e do mistério da vida, das mãos de Deus. Hoje, conversamos e deveríamos ser gratos por isso, porque a escuta não é algo dado. Escutar-se é reconhecer o outro.
A poesia é diferente do romance, tem capacidade de síntese, e o peso de cada palavra é importante?
Acredito que as palavras são a maior invenção da humanidade. As palavras nos permitem não só comunicar, mas também realizar um trabalho interior. Usamos palavras até para dialogar conosco mesmos. As palavras são a lareira em torno da qual encontramos companheirismo: hoje conversamos e é uma forma de estarmos juntos. Assim que a conversa termina, voltamos às nossas vidas, e quem sabe se nos encontraremos novamente, mas foram as palavras que nos permitiram estar próximos, por um breve momento. Esse é o dom das palavras para os seres humanos: passar da solidão à companhia, da indiferença ao conhecimento. As palavras são sempre uma pequena pátria, ainda que temporária, porque permitem a amizade entre desconhecidos.
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