20 Novembro 2018
Em reconhecimento aos 30 anos da Constituição Federal, movimento indígena nacional fortalece importância do cumprimento de direitos historicamente conquistados.
A reportagem é de Michelle Calazans, publicada por Ascom Cimi, 19-11-2018.
Lideranças indígenas e representantes do movimento indigenista nacional realizaram, nesta segunda-feira (19), no Memorial dos Povos Indígenas em Brasília/DF, ato em defesa dos direitos tradicionais dos povos indígenas, garantidos na Constituição Federal de 1988. O evento realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e parceiros da mobilização nacional indígena marcou os 30 anos de promulgação da Constituição Cidadã, completados no dia 05 de outubro.
O evento fortaleceu a necessidade de fazer cumprir direitos conquistados a duras penas com a incidência dos povos indígenas na época da Constituinte. Unidos pelo sentimento de “resistência”, indígenas reforçaram a prevalência do combate ao retrocesso de direitos, no processo evolutivo contra políticas e práticas genocidas e etnocidas. Além de combater o cenário nacional de violência e o discurso de intolerância provocado incisivamente pelo governo eleito aos povos indígenas.
Lideranças indígenas marcam presença no ato. Foto: Michelle Calazans | CIMI
O reconhecimento de direitos indígenas, em evidência no ato, repudia, inclusive, as propostas anti-indígenas em tramitação no Congresso Nacional. Atualmente, mais de 100 propostas legislativas tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados em detrimento à cultura, ao território e à própria existência dos povos indígenas no Brasil. Entre elas estão: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 215/2000, que pretende impor barreiras no processo demarcatório das Terras Indígenas e o PL 490/2007, que estabelece um conjunto de dispositivos que inviabilizam as demarcações, facilitam obras e a exploração de recursos em terras indígenas e retiram o direito de consulta prévia dos povos originários, direito consagrado internacionalmente na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Foto: Michelle Calazans | CIMI
De acordo com o levantamento realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) “Congresso Anti-Indígena: Os parlamentares que mais atuaram contra os direitos indígenas”, que mapeia os 50 parlamentares – 40 deputados e 10 senadores, foi constatado que no contexto dos deputados, 39 integram a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Destes, 34 recebem investimentos financeiros de empresas ligadas diretamente a corrupção e ao agronegócio, como JBS, Andrade Gutierrez, Odebrecht. Além disso, com enfoque na tentativa de restringir o direito à demarcação de terras indígenas, somente em 2017, se contabilizaram 848 tramitações de projetos de leis anti-indígenas. Entre 2015 e 2017, foram registrados 1930 procedimentos legislativos contra os direitos desses povos tradicionais.
Secretario adjunto do Cimi, Gilberto Vieira. Foto: Michelle Calazans
O secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto Vieira, ressaltou que o país caminha na contramão dos direitos originários dos povos indígenas, apesar da soberania da Constituição Federal. “Entre os indícios evidenciados na conjuntura política nacional, infelizmente nos deparamos com a precarização da saúde indígena, por exemplo. Com o fim da cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Cuba no programa Mais Médicos, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) sofre impacto de 301 do total de 372 médicos em atendimento à população indígena, em todo o território nacional. A perda é de 81% do atendimento médico à saúde indígena”, esclareceu.
Gilberto Vieira resgatou, também, o processo histórico de lutas que os povos indígenas enfrentaram desde as primeiras articulações e resistências, há 518 anos, e afirmou que a força e a união predominantes hoje entre os povos e seus parceiros estão mais aguerridas do que nunca. “Neste marco de 30 anos da Constituição, nós, indígenas e seus parceiros, não vamos recuar. Cada um, dentro das suas atividades, vamos resistir. Não descansaremos nossos arcos, flechas e canetas até conquistar avançar nos direitos já articulados”, ressaltou.
Cacique Ilson Soares, da Tekoha Y’Hovy, em Guaíra. Oeste do Paraná. Foto. Michelle Calazans | CIMI
O Cacique do Tekoha Y’Hovy, Ilson Soares, de Guaíra, Oeste do Paraná, ressaltou o grave quadro de violência praticado contra os povos indígenas, originado pela omissão e morosidade na regularização de terras indígenas. “Recentemente, um jovem indígena Ava-Guarani, de 21 anos, sofreu atentado a tiros após sair de uma reunião da Funai e ficou paraplégico. Ele ainda está com a bala alojada na medula para não correr o risco de perder os movimentos dos braços, tronco e pernas – tetraplégico. Além disso, nesse último fim de semana, um jovem de 16 anos cometeu suicídio na aldeia indígena Tekoha Taturi. Infelizmente, esses casos são cada vez mais comuns na região. Precisamos lutar para mudar essa triste realidade”, explicou.
Segundo informações do Relatório “Violência contra os povos indígenas – Dados 2017”, o Estado do Paraná está entre os 63% das 847 terras indígenas que encontram-se sem nenhuma providência por parte do governo. No total, o Paraná possui 20 terras tradicionais em situação de total omissão. Além de 14 terras indígenas com pendência para identificação, uma terra declarada e quatro identificadas.
Joênia Wapichana, primeira mulher indígena a ser eleita Deputada Federal. Foto: Michelle Calazans | CIMI
Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena a ser eleita Deputada Federal, reiterou o compromisso assumido na Câmara dos Deputados em defesa dos direitos dos povos indígenas e ressaltou que a luta desses direitos originários não é somente dos indígenas, mas sim de toda a nação. “Quando defendemos os direitos indígenas, estamos defendendo nossa própria história enquanto sociedade, defendemos as riquezas naturais contidas nessas terras e nosso meio ambiente e, por consequência, nosso país e o mundo. Está tudo interligado. A responsabilidade é de todos. Nós fazemos parte desse processo de luta. Agora, mais do que nunca, precisamos combater a negação de acordos internacionais que foram feitos e que não estão sendo respeitados, que o Brasil é signatário, em defesa dos direitos dos povos indígenas. Resistir sempre, desistir jamais”, reforçou.
Acerca da exploração econômica predatória nas Terras Indígenas, Joênia Wapichana (Rede-RR) alerta que está bastante preocupada com as discussões que estão se agravando. “Minha preocupação abrange as invasões das Terras Indígenas, com os projetos de mineração que pretendem aprovar a qualquer custo. Devemos ficar em alerta diante desse contexto nacional”, pontuou.
Alberto Terena, representante do Conselho Terena e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Foto: Michelle Calazans | CIMI
Por fim, Alberto Terena, representante do Conselho Terena e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), destacou que a bandeira dos povos indígenas sempre foi e sempre será de luta e resistência. “É uma vergonha nosso povo estar sofrendo, sendo massacrados, enquanto nossos direitos estão assegurados na Constituição. É direito adquirido. Por isso, nossa ordem é avançar contra aqueles que negam nossos direitos. O legislativo vem a anos, com o apoio da bancada ruralista investindo contra nós, indígenas, destruindo nossas terras e deixando nossos povos na miséria. Mas juntos vamos continuar resistindo. A Constituição nos garante o direito originário [sobre nossas terras]. Aqui estávamos e aqui vamos continuar”, completou.
Indígenas encerram ato com reza tradicional. Foto: Michelle Calazans | CIMI
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Resistir sempre, desistir jamais: ato marca os 30 anos de defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU