28 Setembro 2018
Advogados oportunistas e casamentos forçados, casais que moram juntos e jovens que se casam sem entender o que estão realmente fazendo. Francisco mergulha nas “fragilidades” que muitas vezes afetam as famílias, especialmente as famílias jovens, aproveitando sua experiência pessoal como pároco, bispo e Papa, oferece “indicações” precisas a padres, diáconos, casais e solteiros leigos ativos na pastoral do casamento. Cerca de 850 pessoas se reuniram na Basílica São João Latrão para o curso sobre “Casamento e Família”, de 24 a 26 de setembro, organizado pela Diocese de Roma e pelo Tribunal da Rota Romana.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 27-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Durante o encontro da tarde na Basílica de Latrão, Bergoglio retornou ao tema da nulidade matrimonial e, com seu pensamento fixo em todos os cônjuges “que experimentam sérios problemas em seu relacionamento e encontram-se em crise”, ele pediu aos padres para que ouçam e acompanhem sem, no entanto, ceder ao “complexo de onipotência”.
Durante a reunião, o Papa alertou contra o “perigo” dos advogados que, nestas situações de crise, só pensam no lucro que podem ter. “Devemos defender esses casais das mãos de alguns advogados”, diz ele, distanciando-se do discurso escrito. “Deixem-me fazer uma confissão. Quando o decreto sobre o processo matrimonial foi promulgado [o Motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus publicado em setembro de 2015, que reforma o processo canônico para casos de declaração de nulidade matrimonial, nde] recebi muitas cartas e reclamações. Mais de 90% eram de advogados. A gratuidade é muito importante.”
Francisco então conta uma história sobre o assunto: “Lembro-me de um caso de uma diocese sufragânea, dois meses depois da promulgação do motu proprio. Liguei para o bispo e lhe perguntei: ‘Eu tenho esse caso de segundo casamento. Ela se casou da primeira vez porque estava grávida, então o que você fez?’. ‘Eu procurei um padre especialista em direito canônico e um defensor do vínculo. Tanto as testemunhas quanto os parentes disseram que a mulher foi forçada. O que devo fazer?’. ‘Você tem uma caneta à mão? Assine. Não ligue para o advogado’. É por isso que eu elogio o trabalho do advogado da Rota e de seus colaboradores pela gratuidade dos processos.”
“O advogado deve ser pago, mas o mínimo”, insiste o Papa. “A Igreja não é um negócio, esta é a pastoral matrimonial. Penso naqueles padres, quando se dão conta de que os noivos vão se casar porque precisam se casar na Igreja. O padre tem a obrigação de impedi-lo.”
Daqui Francisco aproveitou a oportunidade para abordar uma outra questão, ainda pressionando algumas realidades da Itália e do mundo: a dos casamentos feitos “na pressa”, diz ele, mais conhecido como “reparadores”, talvez porque a noiva se encontra grávida antes do casamento. “Na minha diocese anterior, isso era um hábito cultural, embora agora tenha mudado. Quinze anos atrás tivemos o chamado casamento apressado”, diz ele. “A criança estava chegando e a dignidade da filha dentro da sociedade tinha que ser preservada. Mas então os bebês nasciam prematuros pesando apenas alguns quilos. Eu proibi que se fizessem casamentos apressados.”
“Continuem com o noivado, deixem a criança chegar, deixem o tempo passar”, afirma Bergoglio. “Também procedi assim com pessoas da minha família. Não tenham medo de dizer não quando vocês veem que eles não têm fé. Uma mulher uma vez me disse: ‘Vocês, padres, são espertos. Vocês estudam oito anos e então, se algo der errado, vocês podem pedir para renunciar do estado clerical, começar uma nova vida e se casar. Enquanto para nós que fazemos um sacramento para a vida toda, vocês nos dizem para lidar com isso com quatro conferências’.”
Esta é uma verdadeira “injustiça”, diz o Papa. Por isso, exortou os padres a “trabalhar no catecumenato matrimonial”, mas sempre com uma “equipe de leigos”, talvez “casais com experiência familiar consolidada e especialistas em disciplinas psicológicas”. “Mas eles são pessoas leigas? Sim, eles conhecem o casamento melhor do que vocês”, diz Francisco.
Muitas vezes, ouvir é o suficiente para salvar um casamento. “Quando surgem problemas, quando as coisas não funcionam... a esposa, o marido ... ouçam-nos, mas façam propostas concretas”, disse Francisco, sempre de improviso. “Precisamos de grupos de apoio. Nós padres não podemos fazer isso sozinhos. Um pároco me disse não há muito tempo que veio uma mulher casada havia dois anos, sem filhos, e ela dizia todo tipo de coisas contra o marido: ‘Amanhã nós iremos ao tribunal e pediremos o divórcio’. Meia hora depois, o marido veio também e fez o mesmo. ‘Você é capaz de dizer isso à sua esposa?’, perguntou o padre. Então o marido chamou a esposa. Eles disseram algumas coisas um para o outro e, quando terminaram, se abraçaram. Eles precisavam de ‘um ouvido’. ‘Você quer continuar?’. ‘Sim’. ‘Vocês precisam encontrar um casal experiente que irá ajudá-los a resolver seus problemas’. ‘Sim’.”
O Papa recorda então aquela que é a primeira e suprema lei da Igreja, a “salus animarum”, em virtude da qual “aqueles que perceberam que a sua união não é um verdadeiro casamento sacramental e querem sair desta situação”, devem poder “encontrar nos bispos, padres e agentes pastorais o apoio necessário, que é expresso não só na comunicação de normas jurídicas, mas antes de tudo numa atitude de escutar e compreender”.
Um “válido instrumento” é precisamente o motu proprio que “pede para ser aplicado concretamente e indistintamente por todos, em todos os níveis eclesiais”, afirma Francisco. Que recorda o ensinamento de seus predecessores, primeiramente João Paulo II, sobre os temas de casamento e família, e sua Amoris Laetitia, que colocou no centro “a urgência de um sério caminho de preparação para o matrimônio cristão, que não pode ser reduzida a poucos encontros”. Porque “o casamento não é apenas um evento ‘social’, mas um verdadeiro Sacramento que envolve preparação adequada e celebração consciente”, observa o Pontífice. “O vínculo matrimonial, de fato, requer uma escolha consciente por parte dos noivos, que tenha como foco a vontade de construir juntos algo que nunca deve ser traído nem abandonado.”
“Muitas vezes me pergunto quão válidos são esses matrimônios que celebramos? Por falta de fé”, acrescenta o Papa sem ler o texto. “Eles acreditam na Trindade, em Nossa Senhora, nos santos, mas sabem o que estão fazendo para o resto de suas vidas e não enquanto o amor durar? Bento XVI também se fez essa pergunta em três discursos: no Alto Ádige, em Milão ou no Valle D’Aosta, o terceiro acredito que aqui em Roma. A questão da validade do sacramento por falta de fé. Nos cursos de preparação para o casamento...”
Bergoglio conta então outra história pessoal, quando certa vez, como pároco, celebrava uma missa de Pentecostes com cerca de 150 crianças e perguntou: “Quem de vocês sabe quem é o Espírito Santo?”. “O paralítico”, respondeu um dos pequeninos. “Ele tinha ouvido paracleto, mas entendeu paralítico. É o mesmo caso... Eu me pergunto quantos desses casais sabem quem é o Espírito Santo e o que o Espírito Santo faz?”, pergunta Francisco. No fim das contas, trata-se de “oferecer aos noivos a possibilidade de participar de seminários e retiros de oração”. Muitas vezes, diz ele, “a raiz última dos problemas” que emergem após a celebração do sacramento deve ser encontrada “não apenas numa imaturidade oculta e remota que de repente explodiu, mas acima de tudo na fraqueza da fé cristã e na falta de acompanhamento eclesial, na solidão em que os recém-casados costumam ser deixados após a celebração do casamento”.
“Apenas quando confrontados com o cotidiano da vida juntos, que chama os cônjuges a crescerem em um caminho de doação e de sacrifício, alguns percebem que não tinham entendido completamente o que estavam começando”, explica o Papa. Assim, muitos cônjuges, especialmente os mais jovens, “se consideram inadequados, especialmente se confrontam o escopo e o valor do matrimônio cristão, no que diz respeito às implicações concretas ligadas à indissolubilidade do vínculo, à abertura para transmitir o dom da vida e à fidelidade”.
A proposta do Papa argentino é, portanto, a de “um catecumenato permanente” para o sacramento do matrimônio que diz respeito “à preparação, à celebração e aos primeiros momentos que se seguem”. Quanto mais esse caminho é “aprofundado e ampliado no tempo”, mais os casais jovens “desenvolverão os ‘anticorpos’ para enfrentar os inevitáveis momentos de dificuldade e fadiga da vida conjugal e familiar”.
Finalmente, uma palavra sobre casais que moram juntos sem serem casados. Como em seu discurso de fevereiro de 2017 aos participantes de um curso semelhante organizado na Rota Romana, o Papa reiterou sua esperança de que “o horizonte da pastoral familiar diocesano seja cada vez maior, seguindo o modelo do Evangelho, encontrando e acolhendo até os jovens que escolhem viver juntos sem se casar”. “É um escândalo que o Papa esteja dizendo isso”, observa ele de improviso, mas também para essas pessoas “é necessário que a beleza do casamento seja testemunhada”.
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Cuidado com os advogados que se aproveitam de casamentos em crise, diz o Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU