24 Setembro 2018
"Ao pensar sobre o acordo entre o Vaticano e a China em relação a nomeação dos bispos anunciados no sábado, o ponto central a ser esclarecido é que não há realmente muito sobre o que pensar", escreve John L. Allen Jr., jornalista, em artigo publicado por Crux, 22-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Ele revela algo sobre discussões públicas no início do século XXI visto que o acordo já foi descrito tanto como uma “incrível traição” quanto como um “fato positivo para os católicos chineses” antes que alguém realmente saiba o que ele contém.
O que o Vaticano anunciou sábado é que um acordo foi assinado, mas nenhuma indicação sobre o que ele realmente contém. Não está claro, por exemplo, se o governo chinês escolherá um bispo a partir de candidatos propostos pelo Vaticano, se o Vaticano escolherá uma lista proposta pelos chineses, ou se o papa teria algum tipo de "poder de veto".
Tudo o que sabemos é que, como parte do acordo, Francisco concordou em aceitar oito bispos que foram nomeados pelo governo sem a aprovação do Vaticano, um dos quais agora está morto. Um comunicado do Vaticano disse que Francisco o fez "na esperança de que, com essas decisões, possa começar um novo processo que permita superar as feridas do passado, levando à plena comunhão de todos os católicos chineses".
Na falta desse tipo de informação, é impossível avaliar exatamente quanto poder sobre as nomeações dos bispos o Vaticano realmente se rendeu, quanto mais as implicações de longo prazo de fazê-lo.
Também vale ressaltar que ele foi descrito como um "acordo provisório" sujeito a revisão, talvez refletindo, entre outras coisas, que nem todos do lado chinês estão em acordo com a ideia. Os observadores da China há muito sentem que a classe dominante está dividida entre os moderados que apoiam um acordo e os radicais comunistas que a veem ameaçando o controle do partido sobre a sociedade, ou seja, ameaçando o seu poder.
No entanto, mesmo na ausência dos detalhes, há três conclusões nas quais podemos chegar.
Primeiro, indiferentemente de como você a vê, é uma vitória diplomática para o Papa Francisco e sua equipe. O que quer que se pense sobre os méritos de fazer um acordo - e há vozes fortes que acham que é imprudente, incluindo membros da igreja clandestina anticomunista na China - tem sido claro que é a diplomacia tem sido uma prioridade máxima para Francisco, e depreciadores de seu trabalho pensaram que ele nunca conseguiria.
A classe dominante da China, em teoria, estava basicamente satisfeita com o status quo, então eles estavam restringindo as coisas porque não queriam ser os únicos a acabar formalmente o diálogo. De acordo com essa visão, no entanto, eles nunca tiveram uma intenção real de assinar na linha pontilhada.
Obviamente, eles agora assinaram algo, seja lá o que for. Dada quanta credibilidade diplomática o Vaticano investiu para chegar a este ponto, o simples fato de ter chegado tem que ser considerado uma vitória.
Em segundo lugar, este é também outro caso em que Francisco muitas vezes recebe sozinho o crédito, ou culpa, por medidas tomadas, mas que na verdade estão em clara continuidade com seus predecessores, o papa João Paulo II e o papa emérito Bento XVI.
Tanto João Paulo II quanto Bento XVI estavam ansiosos para progredir nas relações diplomáticas com a China e dispostos a fazer praticamente o que fosse necessário para chegar lá.
O cálculo diplomático e geopolítico básico do Vaticano é que, para funcionar como uma voz de consciência no cenário global, ele precisa engajar a China, porque é cada vez mais uma superpotência com enorme influência mundial. Além disso, também vê a divisão de longa duração na China entre uma igreja “oficial” e uma igreja “clandestina” como prejudicial à saúde da Igreja e há muito aspirava curar essa ferida.
Para atingir esses dois objetivos - engajar a China e unificar os católicos do país - o Vaticano há muito acredita que quase qualquer acordo é melhor do que nenhum acordo, uma postura que dificilmente se originou sob o atual governo.
Terceiro, não está claro que o anúncio de hoje necessariamente signifique que os laços diplomáticos formais entre Roma e Pequim estão próximos, ou que um novo dia está prestes a nascer em termos de liberdade religiosa para os cerca de 13 milhões de católicos na China.
A curto prazo, na verdade, as coisas poderiam piorar antes de melhorar dada a notória política de “um passo à frente, um passo atrás” do governo chinês em muitas frentes. Além disso, se as tensões dentro do partido sobre sua política religiosa se intensificarem como resultado desse acordo, os mais conservadores podem estar buscando oportunidades para reafirmar o controle aumentando as restrições neste terreno.
Em outras palavras, provavelmente o único comentário até então ouvido no anúncio de sábado que parece inquestionavelmente objetivo, veio do porta-voz do Vaticano, Greg Burke, que disse que o acordo "não é o fim de um processo, mas o começo”.
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Três breves apontamentos sobre o acordo China-Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU