03 Março 2019
A escolha de uma suplente para um conselho pouco popular e com cargo sem remuneração colocou à prova a força de Sergio Moro. Considerado inicialmente um ministro com superpoderes, o resultado foi que ele teve que ceder à pressão de grupos de direita nas redes sociais.
A reportagem é de Laís Alegretti e Eric Camara, publicada por BBC Brasil, 02-03-2019.
O recuo foi em relação à nomeação de Ilona Szabó, diretora-executiva do Instituto Igarapé, como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, o conselho tem 26 componentes, entre titulares e suplentes, e tem como função implementar novas diretrizes criminais e carcerárias.
A nomeação foi publicada no Diário Oficial na quarta-feira. Na noite do dia seguinte, a desistência foi anunciada, após repercussão negativa nas redes sociais entre eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Ilona é conhecida por sua posição contrária à flexibilização do porte de armas.
Ilona também se posiciona contra a redução da maioridade penal para 16 anos - que, segundo ela, não é capaz de reduzir a quantidade de crimes. Em relação à política de drogas, Ilona defende a legalização de drogas e diz que as atuais condições são prejudiciais à sociedade brasileira e argumenta que falta um programa de saúde adequado para lidar com esse público.
Este e outros episódios vividos por Moro nos dois primeiros meses de governo confrontam a versão de que ele teria carta branca para atuar, opinam cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.
"O Moro acha que pode mudar as coisas como quer, como quando era juiz, mas não pode. Ele está ligado a um governo de extrema direita e que defende o armamento", disse a cientista política Vera Lucia Chaia, professora da PUC-SP.
Segundo a especialista, Moro está tendo de lidar com um cotidiano muito diferente daquele a que estava acostumado à frente da Operação Lava Jato.
"Agora, ele não está sabendo se enquadrar nos esquemas do governo Bolsonaro. Ele está ligado umbilicalmente à proposta de Jair Bolsonaro. Ou ele se enquadra nas propostas de Jair Bolsonaro ou ele sai", disse Chaia.
No dia da nomeação de Ilona, logo cedo, foram publicadas críticas à escolha de Moro no Twitter. Em uma dessas mensagens, Bene Barbosa, da ONG Viva Brasil, que milita pela liberação de armas, classificou Ilona como "inimiga do governo".
Também teve repercussão na rede social, entre apoiadores de Bolsonaro e dos movimentos de direita, mensagem com uma foto de Ilona acompanhada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do empresário húngaro-americano George Soros.
Ele é um dos mais renomados investidores e filantropos do mundo, criticado por ativistas de direita no Brasil que o acusam de ser "esquerdista" por financiar ONGs de defesa de direitos humanos.
O Instituto Igarapé confirmou que recebe financiamento da Open Society Foundations, fundada por George Soros, e presidida por Patrick Gaspard. Esclareceu que também é financiado por diversas outras fundações, agências de países estrangeiros e think tanks.
"Nós temos um financiamento diversificado e isso é muito importante para nós, inclusive com recursos que vêm de fora do Brasil. Além disso, é importante esclarecer que trabalhamos em outros países, como África do Sul, Colômbia, Haiti, México, e EUA. Não somos focados exclusivamente no Brasil", disse à BBC News Brasil Robert Muggah, especialista em segurança e desenvolvimento e um dos fundadores do instituto.
Ainda na manhã da quarta-feira começou a circular a hashtag #ilonanão, que apareceu em 70 mil mensagens no Twitter entre quarta-feira e quinta-feira e alcançou o primeiro lugar nos trending topics mundiais.
"Ilona não é uma infiltrada, não é um cavalo de Tróia! Para que isso fosse possível seria necessário que ela tivesse escondido as pautas que defende e NUNCA O FEZ, está tudo lá, preto no branco, claro e cristalino. #IlonaNão", escreveu Barbosa em uma de suas mensagens.
Após publicar diversas críticas à escolha de Ilona no Facebook, o MBL (Movimento Brasil Livre), um dos principais impulsionadores dos protestos anti-Dilma em 2016, comemorou o recuo de Moro: "Vencemos!!"
Em nota do ministério, Moro pediu desculpas a Ilona e deixa claro o motivo do recuo, ao mencionar que a revogação da nomeação foi feita "diante da repercussão negativa em alguns segmentos".
O órgão diz, ainda, que a escolha foi motivada "pelos relevantes conhecimentos da nomeada na área de segurança pública e igualmente pela notoriedade e qualidade dos serviços prestados pelo Instituto Igarapé".
Bacharel em Relações Internacionais, Ilona tem mestrado em Estudos de Conflito e Paz pela Universidade de Uppsala, na Suécia, e é especialista em Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Oslo.
O cientista político Thiago Trindade, professor da Universidade de Brasília (UnB), defende que um conselho deve ter integrantes com diferentes opiniões.
"Do ponto de vista republicano e democrático, o Moro estava tomando uma atitude que muitos poderiam considerar louvável, porque ela é uma pessoa que tem divergências públicas em relação ao pacote anticrime, flexibilização das armas. O que caracteriza a democracia é a possibilidade de embate entre grupos que pensam diferente", afirmou.
Embora também considere que um conselho deve ter membros com posições diversas, Vera Lucia Chaia diz que foi "incoerente" com o governo a decisão de Moro chamar Ilona, considerando as posições dela e os efeitos previsíveis de críticas entre os eleitores de Bolsonaro.
Procurada nesta sexta-feira para comentar a situação do ministro, a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça e Segurança Pública disse que as informações sobre o caso já estavam contidas na nota.
Ilona disse lamentar que não pôde assumir o mandato "devido à ação extremada de grupos minoritários". Uma nota, que começa com um agradecimento a Moro, foi divulgada pelo Instituto Igarapé, com o título: "Ganha a polarização. A pluralidade é derrotada".
"O país precisa superar a intolerância para atingir nossos objetivos comuns na construção de um país mais justo e seguro. O Instituto Igarapé desde sua fundação trabalha de forma independente e em parceria com as instituições de segurança pública e justiça criminal no Brasil e em diversos países do mundo. Continuaremos abertos a contribuir com interlocutores comprometidos com políticas públicas baseadas em evidências. O Brasil, mais que nunca, precisa do diálogo democrático, respeitoso e plural", diz o texto assinado por Ilona.
Outro exemplo recente em que Moro sentiu a pressão da opinião pública sobre suas declarações foi em relação ao tema do caixa dois.
Para justificar o fatiamento do pacote anticrime proposto pelo governo Bolsonaro, e após pressão de parlamentares, ele declarou que, embora seja grave, o caixa dois não tem a mesma gravidade que a corrupção.
"(O caixa dois) não tem a mesma gravidade que corrupção, crime organizado e crimes violentos", disse o ministro, em fevereiro.
Na mesma ocasião, ele disse que as reclamações dos políticos em relação ao tema eram "razoáveis".
Enquanto foi juiz, contudo, ele declarou que caixa dois é "trapaça" e "pior que enriquecimento ilícito".
Depois das críticas pela mudança de opinião, Moro disse que houve má interpretação da imprensa e negou que exista contradição entre as declarações que fez como ministro e como juiz sobre o tema.
"Quando era juiz, tinha o próprio código dele. Agora, está sentindo nas costas o peso de ter entrado na política. Ele tinha uma avaliação pessoal em relação ao caixa dois e agora é obrigado a recuar e dizer que não é pior que corrupção", disse Thiago Trindade.
Para o cientista político, posições de Moro antes de assumir o ministério revelam que ele gostaria de, dentro do governo, tomar atitudes que ele não tem conseguido assumir.
"Moro não tem conseguido implantar algumas ideias que ele gostaria que fossem feitas, segundo o que podemos interpretar pela a trajetória dele", disse Trindade.
Um grande desconforto para Moro, segundo os especialistas, são as denúncias que envolvem o partido do presidente - a suspeita de candidaturas de laranjas do PSL abastecidas com verbas públicas na última eleição - e a família dele - investigação sobre as movimentações financeiras atípicas de Fabricio Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro.
"São problemas que todo mundo está vendo e sobre os quais o ministério não está", disse Vera Lucia Chaia.
Os cientistas políticos ouvidos pela reportagem criticam a falta de profundidade dos debates que têm as redes sociais como palco.
"As redes sociais são importantes, mas o debate é de uma pobreza tremenda. É como se as redes sociais tivessem o poder absoluto de governar um país como o Brasil, de resolver os problemas que nós temos", avalia Chaia.
Thiago Trindade concorda que a qualidade do debate costuma ser diminuída nas redes sociais. Ele acha que, ao tentar dialogar por esse meio, o presidente tenta passa a imagem de que tem um canal direto com a sociedade.
"A imagem que se tenta construir do Bolsonaro é de um líder que dialoga direto com o povo, sem a intermediação da imprensa tradicional, que geralmente aparece como inimiga e com interesses particulares nesses discursos. Isso valoriza menos até o Parlamento, que seria um canal de diálogo muito importante do poder público com a população", afirmou.
No Twitter, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, comemorou a saída de Ilona.
"Após exoneração de Ilana Szabó outro que era contra o projeto anticrime de Moro pede para sair. O desarmamentista Renato Sérgio de Lima, do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, dispensou-se em solidariedade a Szabó #grandedia", escreveu.
Para Vera Lucia Chaia, o episódio também revela que os filhos de Bolsonaro continuam atuantes no governo, inclusive por meio das redes sociais. Em café da manhã com jornalistas recentemente, Bolsonaro negou isso, dizendo: "nenhum filho meu manda no governo, não existe isso".
"Os filhos ainda estão atuando livremente, pressionando o governo e pressionando o ministro Sergio Moro", disse.
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Forçado a recuar no caso de Ilona Szabó, Moro perde seus 'superpoderes' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU