09 Mai 2018
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal analisam diferentes propostas de criação de uma lei geral para o licenciamento ambiental. O processo de emissão de licenças ambientais é obrigatório para empreendimentos e atividades econômicas que possam causar danos ao meio ambiente e a terras pertencentes a comunidades tradicionais, como povos indígenas e quilombolas.
A reportagem é de Débora Brito, publicada por Agência Brasil, 08-05-2018.
Sob a pressão da bancada ruralista e críticas de ambientalistas, os projetos em tramitação no Congresso preveem a dispensa de licenciamento para atividades rurais, além de prazos mais dilatados para licenças e condições especiais e simplificadas para empreendimentos considerados estratégicos para o país.
Atualmente, para que uma obra, empreendimento ou qualquer outra atividade potencialmente causadora de degradação seja autorizada em áreas de preservação, deve ser submetida a um estudo prévio de impacto ambiental (EIA). Os setores passíveis de licenciamento são: energia, mineração, energia nuclear/radioativa, petróleo e gás, recursos hídricos e transportes, entre outros, como atividades rurais.
O procedimento é regido pela Constituição Federal e regulamentada por diferentes normas e resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o Ministério do Meio Ambiente e órgãos estaduais e municipais. Dependendo do porte do empreendimento, o processo de concessão da licença pode ter três etapas: licenças prévia, de instalação e operacional, nos quais estão previstas a elaboração de diferentes relatórios e a realização de audiências públicas.
A flexibilização proposta pelos parlamentares poderia ser concedida na forma de redução dos prazos de análise, aumento de prazos de renovação das licenças, simplificação do procedimento de licenciamento ou outras medidas definidas pelos órgãos licenciadores. Em situações específicas, a obra seria submetida a uma licença única, caso apresente tecnologias ambientais para reduzir os danos. Em outros casos, o empreendedor poderá renovar a licença automaticamente por declaração, desde que mantenha as condições que deram origem à concessão.
A aprovação do projeto é almejada por alguns setores, principalmente o agronegócio, que tem demonstrado pressa em votar o projeto, mesmo em ano eleitoral. Segundo a coordenadora da bancada ruralista na Câmara dos Deputados, Tereza Cristina (DEM-MS), “o agronegócio já está contemplado na proposta”. A deputada disse à Agência Brasil que, pela bancada, o projeto já poderia ser colocado em votação a qualquer momento.
A última versão do projeto em análise na Câmara, elaborada pelo então relator, Mauro Pereira (MDB-RS), exime a atividade agropecuária da obrigatoriedade do licenciamento. Segundo o texto, a licença é dispensada para empreendimentos de “cultivo de espécies de interesse agrícola temporárias, semiperenes e perenes, e pecuária extensiva, realizados em áreas de uso alternativo do solo, desde que o imóvel, propriedade ou posse rural estejam regulares ou em regularização”.
A proposta também restringe a palavra final sobre os impactos do empreendimento e a concessão da licença aos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). E concede às fundações Nacional do Índio (Funai) e Cultural Palmares (FCP) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e órgãos do sistema das unidades de conservação o direito de se manifestar sem, contudo, interferir ou vetar a decisão final dos órgãos licenciadores.
Para algumas entidades ambientalistas, a dispensa de licença para atividades rurais e a restrição do poder da Funai de intervir somente em processos de licenciamento de terras indígenas homologadas ou delimitadas, são dispositivos inconstitucionais.
“São problemas graves, que não vão trazer só impactos ambientais, mas também insegurança jurídica para os empreendedores e para os órgãos ambientais, e mais judicialização. Nesse sentido, o Ministério Público Federal e a entidade que representa os ministérios públicos de meio ambiente federal e estaduais já emitiram notas técnicas afirmando a inconstitucionalidade desses pontos problemáticos”, disse Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).
No caso das atividades agropecuárias, Guetta pondera que as licenças deveriam continuar de acordo com o potencial poluidor da produção e do local onde a atividade está instalada, considerando se está próxima a áreas prioritárias de preservação ambiental.
“Quanto a questões de atividades agropecuárias, defendemos que nem sempre deve ser aplicado o licenciamento com mais rigor, nem deve haver dispensa geral e irrestrita. O que deve ser aplicado como praxe do licenciamento é a proporcionalidade, ou seja, quando um determinado empreendimento tem impacto maior, mais profundo, intenso e significativo, esse licenciamento tem que ser mais rígido. E, se o empreendimento agropecuário tiver impacto menor ou até não tiver impacto esse empreendimento pode ter um licenciamento simplificado ou até mesmo dispensa, mas isso em casos específicos com avaliação dos órgãos ambientais”, recomenda Guetta.
Desde janeiro deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emitiu 180 licenças para diferentes tipos de empreendimentos. Até o dia 30 de abril, o Ibama ainda tinha 2.446 processos de licenciamento em aberto. Destes, 142 são considerados prioritários pelo governo. Segundo o Ibama, tais projetos podem estar em mais de um processo de licenciamento para diferentes partes do empreendimento, por exemplo, hidroelétrica e linha de transmissão.
O volume de licenças concedidas pelo Ibama, contudo, não chega a 2% do total de processos autorizados no país. Cerca de 95% das licenças são expedidas pelos órgãos estaduais e municipais.
Apesar de criar uma lei geral, o projeto da Câmara prevê que os estados e municípios podem apresentar normas específicas de licenciamento de acordo com a realidade local. Atualmente, isso já ocorre, mas o Ministério Público recorre, dependendo do caso, pedindo o aval de algum órgão nacional para os processos conduzidos em âmbito local.
A Associação de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) defende a criação de uma lei geral que oriente todo o processo, mas ressalta que a nova legislação deveria garantir mais autonomia dos estados, além de agilidade e segurança jurídica no processo de emissão de licenças.
“Trazer segurança jurídica para o processo é um dos maiores anseios tanto dos órgãos estaduais de meio ambiente quanto do setor que busca investir ou desenvolver ou ter uma indústria, uma agricultura, uma infraestrutura. Quando as regras estão claras diminuem as chances de interpretações dúbias que acabam atravessando o processo e vão para a seara do Judiciário. Quando se leva um processo ambiental para o Judiciário perde-se muito a possibilidade de negociação”, diz Germano Vieira, um dos integrantes do conselho diretor da Abema.
Algumas entidades ambientalistas, no entanto, alertam que a descentralização das regras do licenciamento pode estimular uma competição entre os estados por normas mais atraentes para grandes empreendimentos. “É possível que um estado, com intenção de atrair investimento, com ocorreu com a guerra fiscal, flexibilize suas regras de licenciamento ambiental, ou até dispense o licenciamento com essa finalidade. O que pode ocorrer é uma corrida pela flexibilização da legislação dos estados e municípios”, disse o advogado Guetta.
A associação de órgãos estaduais contesta essa possibilidade e argumenta que há um controle rigoroso do Poder Legislativo, da sociedade civil e do Ministério Público. A associação destaca que, se a legislação permitir, a otimização do processo pelos estados não significa eliminar as condicionantes ambientais de acordo com a realidade de cada região.
“Se houver um estado que desenvolva um estudo ambiental, que diga que novas tecnologias podem desburocratizar o licenciamento para a indústria, ora, é legítimo que aquele estado utilize esse estudo e que isso repercuta na legislação desse estado e que outros estados tentem fazer outras pesquisas que também tentem fomentar o desenvolvimento sempre em bases cada vez mais sustentáveis. Então, eu vejo essa possibilidade de competição, dentro da legalidade e das regras que são estabelecidas em nível federal, extremamente saudável.”, disse Vieira, que também é secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais.
O projeto que muda as regras de licenciamento ambiental já foi aprovado em duas comissões temáticas da Câmara e ainda aguarda análise das comissões de Finanças e Tributação e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Porém, como no ano passado foi fechado acordo para que o projeto tramite em regime de urgência, o texto poderá ser apresentado diretamente ao plenário.
O novo relator da matéria, deputado Maurício Quintella (PR-AL) está elaborando um substitutivo que poderá ser submetido ao plenário da Câmara ainda este semestre. Depois de se reunir nos últimos dias com representantes de diferentes entidades ambientais e do setor produtivo que poderão ser afetadas pelas mudanças, a expectativa é que o relator divulgue seu substitutivo nos próximos dias.
O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já se manifestou de forma favorável ao projeto e se comprometeu com a Frente Parlamentar Agropecuária a pautar o assunto no plenário.
Enquanto o projeto da Câmara tenta avançar em meio a polêmicas, representantes da bancada ruralista no Senado apresentaram há duas semanas projeto com teor semelhante e que cria a Lei Geral do Licenciamento. Nos moldes do projeto da Câmara, a matéria do Senado também isenta atividades agropecuárias e de silvicultura da necessidade de licença ambiental, entre outros pontos polêmicos.
Segundo o autor do projeto, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), o objetivo é uniformizar os procedimentos em uma única legislação para agilizar o processo para os produtores rurais. “A redução da burocracia com o licenciamento ambiental não excluirá a proteção do meio ambiente, que é prioridade. Uma lei específica que torne este processo mais racional e com regras claras é o que precisamos”, diz Gurgacz em sua conta no Twitter.
O projeto tramita em caráter conclusivo e aguarda deliberação na CCJ do Senado. Em duas semanas de tramitação, a proposta já recebeu 66 emendas, a maioria apresentada pela oposição. A matéria será relatada pelo senador Romero Jucá (MDB-RR), que também é autor de outro projeto de lei pendente no Congresso, que cria um tipo especial de licenciamento com prazos mais rápidos para obras de interesse econômico nacional.
As entidades ambientalistas protestam contra os projetos e alertam que as propostas têm avançado na tramitação sem ser submetidas a uma discussão mais ampla com a sociedade.
“Diferentemente de outros temas ambientais, o tema do licenciamento é eminentemente técnico, científico. Então, a gente entende que, se houvesse abertura para o diálogo entre os setores, inclusive com a participação pública, seria possível chegar a um texto razoável, minimamente acordado. Mas nenhum relator, até o momento, teve disposição de efetivar essas consultas à sociedade”, ressalta o advogado Guetta.
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Congresso analisa propostas para lei geral de licenciamento ambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU