17 Mai 2018
Dos cerca de 318.860 imigrantes protegidos pelo Status de Proteção Temporária, que garantia que eles não tivessem de regressar aos seus países de origem perigosos, no momento em que o presidente Donald Trump tomou posse, mais de 97% deve perder este estatuto jurídico devido a uma série de decisões que, segundo defensores, se baseiam mais em ideologias anti-imigrantes do que em fatos.
A reportagem é de Maria Benevento, publicada por National Catholic Reporter, 16-05-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Quase sem esperanças de que o governo Trump volte atrás em suas decisões voluntariamente ou até mesmo conceda o estatuto a países que vivem novas crises, os grupos de direitos dos imigrantes continuam defendendo proteções legislativas, desafiando as decisões em juízo e oferecendo assistência jurídica aos que tinham o status de proteção temporária.
"Tenho consciência de que estamos lutando contra uma máquina que está investindo recursos em uma retórica que gera medo e cria ainda mais incertezas como a que eu sinto", disse Yanira Arias, que é líder da campanha nacional da rede de imigrantes Alianza Americas nos EUA e imigrante de El Salvador cujo Status de Proteção Temporária expira em 9 de setembro de 2019.
"Mas eu acredito que vozes do coletivo falam de um resultado mais positivo", acrescentou Arias, "elevando as contribuições que as pessoas com SPT dão os Estados Unidos".
Somente 7.070 pessoas com status de proteção temporária da Síria e do Sudão do Sul conseguiram renová-lo no governo Trump, enquanto o status de proteção temporária de 310.540 pessoas de El Salvador, Sudão, Haiti, Honduras, Nicarágua e Nepal foi cancelado e 1.250 pessoas da Somália e do Iêmen anda estão à espera de uma decisão.
O objetivo do status de proteção temporária é dar autorizações de trabalho e proteção temporária da deportação — mas não um caminho à legalidade permanente — a imigrantes em situação irregular.
"O SPT tem sido utilizado por inúmeras razões por governos dos partidos Republicano e Democrático", observou Lisa Parisio, advogada da Catholic Legal Immigration Network Inc. (CLINIC), uma rede católica de imigração legal. O programa incorpora princípios internacionais e dos Estados Unidos, como a "não repulsão, que é o compromisso do país de não enviar pessoas de volta a países onde a vida ou a liberdade possa estar em risco".
A proteção é concedida quando o Departamento de Segurança Interna determina que um país é muito perigoso para receber emigrantes de volta, devido a catástrofes naturais, conflitos violentos ou outras condições temporárias, e pode ser renovada por seis, 12 ou 18 meses, tantas vezes quantas forem necessárias até as condições melhorarem.
O Status de Proteção Temporária só está disponível para imigrantes que já estejam nos Estados Unidos quando o país é assim designado — o que normalmente acontece logo após o desastre que incita tal designação. Este acordo significa que os imigrantes que recebem o status de proteção temporária já estão nos EUA por um tempo considerável, em alguns casos, por décadas. Muitos trabalham, têm casas e filhos que são cidadãos dos EUA.
Os hondurenhos e nicaraguenses titulares do status de proteção moram nos Estados Unidos há pelo menos 19 anos, e os salvadorenhos há pelo menos 17. (Mais de 250.000 beneficiários são hondurenhos, nicaraguenses e salvadorenhos.)
O Sudão e a Somália foram protegidos por ainda mais tempo, quase 22 e 27 anos, respectivamente, embora alguns imigrantes com o status que vêm desses países tenham chegado mais recentemente, já que o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos alterou a data de chegada necessária em um processo conhecido como redesignação.
O governo Trump não é o primeiro a cancelar o status de um determinado país. Bush acabou com o status de proteção da Libéria em 2007, e Barack Obama, da Libéria, de Guiné e de Serra Leoa em 2017, após colocá-la em vigor durante a epidemia de Ebola de 2014. (Tanto Bush como Obama mantiveram a proteção dos liberianos num programa de deferimento de extradição forçada chamado Deferred Enforced Departure, proteção que acabou no governo Trump em março deste ano).
No entanto, a escala de cancelamentos e as decisões de Trump representam uma ruptura drástica com as políticas anteriores, segundo defensores. Além disso, suscitam dúvidas de que circunstância alguma possa levar o governo a designar um país a ser beneficiário do estatuto. O senador da Flórida Marco Rubio (Partido Republicano) pediu que a Venezuela fosse protegida e foi ignorado.
"O que a atual administração está fazendo não tem precedentes", afirmou Kevin Appleby, diretor de política internacional de migração do Centro de Estudos Migratórios (Center for Migration Studies). "Parece que eles sequer consideraram todos os fatores em jogo nesses países ao tomar a decisão. Isso é impulsionado por interesses políticos ou ideológicos".
Embora o programa seja previsto pela lei de imigração dos EUA e, portanto, poderia retornar de forma relativamente rápida num governo mais simpático, essa possibilidade viria tarde demais quem tem o status de proteção atualmente. Mesmo com o período de 12 ou 18 meses a que cada país terá direito antes do encerramento do programa, o status deve expirar entre novembro de 2018 e janeiro de 2020.
Os EUA não possui recursos para deportar todos os imigrantes ilegais, assinalou Arias, e pessoas com status de proteção temporária não serão prioridade, mas perder a proteção significa que os imigrantes estarão suscetíveis a serem pegos em alguma operação.
Jill Marie Bussey, diretor da defesa da CLINIC, também explicou que as pessoas com status de proteção temporária podem estar em risco ainda maior, porque muitos o solicitaram "defensivamente" depois de entrar em contato com o controle de imigração, ou seja, podem ter processos de remoção em andamento que estavam suspensos.
"Esse processo já é retomado assim que eles não tiverem mais o SPT”, afirmou Bussey, e provavelmente serão os primeiros a ser deportados.
Apesar da falta de transparência do governo, mencionou Bussey, a CLINIC está tentando descobrir quantos imigrantes estão nessa situação para fornecer assistência jurídica. Ela e outros defensores também recomendam a avaliação da situação de imigração aos beneficiários do status para checar se podem se regularizar por alguma outra via.
Uma solução que protegeria grande parte dos que vão perdê-lo, entretanto, teria de vir da legislação ou da justiça. A administração chamou o Congresso por diversas vezes para fornecer proteção permanente para os beneficiários do estatuto, o que os apoiadores da causa defendem apesar de duvidar que seja sincero ou factível.
"Não acho que é realista num futuro próximo, considerando o panorama político", disse Appleby, mas autoridades do governo apoiam um caminho à cidadania publicamente. "Mesmo que eles tenham falado só para despistar as pessoas, é possível apontar para o fato de que falaram e que o Congresso deve incluí-los em algum pacote de reforma de imigração".
Outra via que pode dar esperança aos beneficiários do status de proteção temporária é a justiça. Há pelo menos quatro processos desafiando o cancelamento do status de alguns países e buscando liminares que impeçam sua implementação pelo Departamento de Segurança Interna.
Os quatro processos alegam discriminação racial ou étnica; alguns apontam comentários depreciativos feitos por Trump sobre os haitianos e outros beneficiários de status de proteção temporária quando um grupo bipartidário de legisladores se aproximaram dele com um compromisso de imigração que incluía um estatuto jurídico para alguns beneficiários.
Os processos também acusam o governo de não seguir os procedimentos adequados para determinações do status de proteção.
Relatórios recentes afirmam que o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos ignorou conselhos de diplomatas que disseram que alguns países estavam despreparados para aceitar o retorno de imigrantes e que o governo Trump pressionou autoridades a acabar com o programa.
"Não é surpreendente que isso seja conduzido pela Casa Branca e por uma ideologia... apesar de conselhos de diplomatas de carreira que conhecem a situação", disse Appleby. "As decisões que foram tomadas divergem dos nossos interesses e dos interesses das nações no nosso hemisfério".
Enquanto governos anteriores interpretaram que o status de proteção temporária lhes permitia considerar todos os fatores que podem tornar o país perigoso, como a violência das gangues ou desastres subsequentes, o governo Trump insiste em que só se pode considerar a recuperação do desastre ou conflito que motivou a designação.
Um relato da CLINIC traça as irregularidades cometidas no processo, como ignorar informações, investigar questões não relacionadas e não publicar informações essenciais para os beneficiários do status de proteção temporária em tempo hábil.
Os relatórios que estão "trazendo à tona os conselhos dos diplomatas para que o presidente Trump não cancelasse o programa porque nenhum país esteja preparado me faz crer que não é errado esse sentimento de incerteza sobre minha possível deportação a El Salvador”, disse Arias.
"Continuo com a sensação de incerteza. E se não houver solução?", relatou. "Mas continuar os esforços de mobilização também me dá energia e esperança".
Um dos aspectos mais preocupantes da situação é que o governo ignorou o fato de que a vida das pessoas poderia estar em risco caso elas sejam enviadas de volta cedo demais, observou Bussey, mesmo que por lei o governo deva ponderar isso. "É insensível, cruel, imoral enviar pessoas de volta a esse enorme risco, temendo por suas vidas", ela disse.
"Muito poucas pessoas que estão aqui há décadas vão querer sair e se separar da família", acrescentou. "Não há nada lá esperando por eles, e, na verdade, voltar ainda colocaria suas vidas em risco".
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EUA. Mais de 300 mil imigrantes com status de proteção temporária enfrentam a perspectiva da expulsão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU