Na Armênia, Papa Francisco arrisca rompimento com a Turquia por chamar assassinatos históricos de "genocídio"

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27 Junho 2016

O Papa Francisco arriscou um novo rompimento entre o Vaticano e a Turquia na primeira de suas visitas durante uma viagem de três dias para cá por incisivamente denominar como "genocídio" os assassinatos de cerca de 1,5 milhão de armênios durante a Primeira Guerra Mundial, termo que os líderes turcos têm firmemente rejeitado.

A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 24-06-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

O pontífice usou este termo em uma reunião com o presidente armênio, Serzh Sargsyan, na sexta-feira à noite, em meio a observações previamente preparadas que tinham cuidadosamente evitado seu uso.

Como indicou o texto, o Papa primeiramente se referiu aos assassinatos pela descrição usada pelos armênios: Metz Yeghérn, ou o "Grande Mal".

Ele então continuou: "Infelizmente, esta tragédia, este genocídio, marcou o início da série deplorável de catástrofes do século passado, causada por objetivos distorcidos raciais, ideológicos ou religiosos que cegaram a mente dos algozes a ponto de povos inteiros serem aniquilados".

Muito do foco da viagem do Papa à Armênia tem sido a discussão sobre se o pontífice usaria a palavragenocídio para descrever as mortes ocorridas sob o domínio do Império Otomano a partir de 1915 ou não.

A Turquia, país sucessor do império, afirma que a palavra "genocídio" não descreve com precisão o que aconteceu. O Papa causou um tumulto diplomático com líderes turcos em 2015, quando ele usou este termo pela primeira vez para se referir às matanças, em uma missa realizada no Vaticano para marcar os cem anos do ocorrido.

A Turquia retirou seu embaixador do Vaticano durante dez meses após o evento.

Além do Papa Francisco, ambos Sargsyan e o líder da Igreja Apostólica Armênia - comunidade Ortodoxa Oriental que representa cerca de 93 por cento da população de três milhões do país - referiram-se às mortes como genocídio de maneira enfática em suas declarações ao receber o Papa nesta sexta-feira.

Sargsyan e o Católico Karekin II também agradeceram ao Papa por ter usado tal termo em 2015.
Karekin disse que o povo armênio "lembra com gratidão" dessa declaração e considera histórico o sermão de Francisco naquela ocasião.

Sargsyan disse prontamente: "A mensagem de justiça está sendo transmitida do coração do mundo católico para a humanidade ao anunciar que a primeira das atrocidades em massa a afetar a humanidade, o genocídio armênio, é um fato histórico e uma realidade inegável".

"Isso ficou evidente pela nova onda de reconhecimento do genocídio armênio que se seguiu à missa celebrada pelo Papa Francisco", afirmou o presidente.

O debate sobre o termo apropriado para designar as matanças históricas evidencia a difícil situação política que o Papa enfrenta em sua viagem, a décima quarta fora da Itália durante o seu pontificado.

A Armênia, uma ex-república soviética na região do Cáucaso, localiza-se entre os mares Negro e Cáspio e faz fronteira com a Turquia a oeste e com o Azerbaijão a leste.

A relação política complexa com a Turquia é um ponto nevrálgico desta visita papal à Armênia. Os dois países, ambos ex-membros do Império Otomano, não têm relações diplomáticas formais entre si e a fronteira que têm em comum é fechada com cercas de arame farpado.

Karekin se dirigiu ao Papa Francisco durante o primeiro evento da viagem papal à Armênia, na sexta-feira, quando o Papa visitou a catedral da Igreja Apostólica. Sargsyan se pronunciou também em uma segunda reunião, com os líderes políticos do país no palácio presidencial.

Neste evento, o Papa mencionou a missa de 2015 e disse que as mortes de 1915  incluíam "uma multidão de pessoas".

"Tendo visto os efeitos destrutivos do ódio, do preconceito e do desejo desenfreado por poder no século passado, tenho uma grande esperança de que a humanidade aprenderá,  com essas experiências trágicas, a agir com responsabilidade e sabedoria para evitar o risco de retornar a tais horrores", continuou ele.

O Papa também disse que era "extremamente importante" que todos os crentes "unissem forças para isolar os que usam a religião para promover a guerra, a opressão e a perseguição violenta e para explorar e manipular o santo nome de Deus".

Ele convocou os armênios, especialmente, a utilizarem a sua experiência para tonarem-se empáticos com os cristãos que sofrem violência e perseguição hoje.

"O povo armênio já viveu estas situações; eles conheceram o sofrimento e a dor; conheceram a perseguição; conservaram não somente a memória do passado dolorido, mas também o espírito que fez com que eles sempre recomeçassem tudo de novo", disse o Papa.

"Meu incentivo é para que vocês não deixem de fazer a sua própria contribuição preciosa à comunidade internacional", continuou ele.

Na reunião anterior com a comunidade ortodoxa, o pontífice disse que o mundo foi "marcado por divisões e conflitos" e que espera que os cristãos de diferentes igrejas demonstrem "estima mútua e cooperação fraterna capaz de revelar a cada consciência o poder e a verdade da ressurreição de Cristo".

"O espírito do ecumenismo assume um valor exemplar também fora dos limites visíveis da comunidade eclesial", disse o Papa. "Ele representa a todos um forte apelo para resolver divergências com diálogo e apreço por tudo aquilo que nos une".

"Nós oferecemos ao mundo - que precisa disso tão urgentemente - um testemunho convincente de que Cristo está vivo e atuante, e é capaz de abrir novos caminhos de reconciliação entre as nações, civilizações e religiões", continuou ele. "Oferecemos um testemunho crível de que Deus é amor e misericórdia".

O Papa Francisco desembarcou em Yerevan, capital da Armênia, na sexta-feira, perante pequenos grupos de alunos que cumprimentavam-no com cartazes e cantos. As crianças vestiam branco e seguravam pequenas bandeiras do Vaticano e cartazes de boas-vindas ao Papa escritos em espanhol.

As ruas que levam ao centro da cidade estavam cobertas de faixas e cartazes com o brasão do Vaticano e o da Igreja Apostólica Armênia. Ao longo do caminho também havia vários monumentos às mortes de 1915, incluindo um cartaz com as chamadas "ferramentas de massacre": uma corda, um machado e outros instrumentos utilizados nos assassinatos.

O Papa Francisco visitará o museu memorial dos assassinatos em Yerevan na manhã de domingo, antes de viajar à segunda maior cidade da Armênia, Guiumri, a 150  km dali. Lá, ele celebrará uma missa e visitará as catedrais armênias apostólicas e católicas da cidade, antes de retornar a Yerevan.

No domingo, o pontífice participará de uma liturgia ortodoxa ministrada por Karekin e visitará o monastério ortodoxo de Khor Virap e, à noite, retornará a Roma.

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