18 Abril 2016
"Criatividade para expandir o campo de influência, ampliar as possibilidades de ação, afetar o (a) outro (a) e deixar-se afetar. Criatividade tem tudo a ver com subjetividade. É exatamente no campo das subjetividades que estamos perdendo de lavada daquele 1%", escreve Joviano Mayer, militante das Brigadas Populares, advogado popular do Coletivo Margarida Alves e ator do Núcleo de Teatro do Espaço Comum Luiz Estrela.
Eis o artigo.
Querida Esquerda,
Vivemos tempos complexos, futuro incerto, sentimento de angústia e mal estar generalizado. Fantasmas do passado voltam a nos assombrar. Mas a conjuntura está em aberto. Acertar nas apostas políticas de hoje pode amanhã nos tirar dessa incômoda posição coadjuvante. Independente do resultado final da votação no congresso nacional, o que podemos extrair de aprendizado disso tudo? Quais reflexões irão (re)orientar nossa atuação e as principais apostas que faremos diante do atual cenário? Quem de nós imaginaria, depois de passar por junho de 2013, experimentar a presente crise política, temperada com conservadorismos, condimentos de ódio e pitadas de fascismo? O que era sonho virou pesadelo.
Em 2013, “as vozes que vêm das ruas” trouxeram exigências por uma vida melhor (sem catracas). Agora, uma massa de pessoas verde e amarelo saem às ruas em torno da difusa pauta contra a corrupção. A multiplicidade das reivindicações de junho ficou reduzida ao campo amorfo e seletivo do discurso anticorrupção. Estamos chocados (as). O que aconteceu de lá pra cá? Uma coisa é certa: fenômenos sociais complexos não podem ser enfrentados com respostas simples, demandam criação e atividade: criatividade!
Criatividade para expandir o campo de influência, ampliar as possibilidades de ação, afetar o (a) outro (a) e deixar-se afetar. Criatividade tem tudo a ver com subjetividade. É exatamente no campo das subjetividades que estamos perdendo de lavada daquele 1% que representa a casa grande. Enquanto renegamos junho, nossos inimigos capturaram subjetivamente a revolta, dividiram a nação e instalaram o caos espetacularizado, com pompas de legalidade. Como muita gente neste país, não me reconheço em nenhum dos extremos da polaridade apregoada em tom futebolístico: governistas versus golpistas. Nem um, nem outro. Mamãe tá furiosa com o governo Dilma, além da corrupção escancarada todos os dias na TV, ela sempre chega revoltada do supermercado: “compro mais nada com cinquenta reais”. Do hospital, nem se fala. Enfim, ela torce pelo impeachment domingo. Nem por isso mamãe é golpista. O discurso contra o golpismo não foi suficiente para fazer ela mudar de opinião.
Eu, tal como mamãe, sou duramente crítico ao atual governo, responsável pelo massacre indígena, extermínio da juventude negra, ajuste fiscal, lei antiterrorismo, acordo espúrio com a Samarco e por aí vai... a lista é longa. Por outro lado, reconheço as razões de fundo que nos colocam (majoritariamente) contra o golpe ora em curso, com especial destaque à entrega do pré-$al aos gringos. Lutar contra o golpe, entretanto, não pode significar reafirmar o ciclo histórico petista do qual ainda somos reféns, ainda menos o “Lula lá” e os vínculos político-partidários que tiraram a autonomia e sufocaram as lutas das forças tradicionais de esquerda. Bem sabemos os limites e impedimentos dessa aposta. Podemos ser mais criativos do que isso.
Muitos de nós lamentam a falta de alternativas no horizonte político, para além da polaridade instalada. E, de fato, no plano macro, elas não estão dadas. Mas nenhuma alternativa política pode ser democraticamente construída fora das resistências do povo, do cotidiano das lutas que se difundem sob novas narrativas: novos territórios insurgentes, produção de novas subjetividades, modos de existir e resistir, em contraposição ao avanço do neoliberalismo sobre nossas vidas e bens comuns.
Oxalá a construção do poder popular desde abaixo, mais do que palavra de ordem, se torne nossa bússola guia, efetivamente. Para tanto, precisamos desapegar dos métodos convencionais e ter a humildade de nos colocar lado a lado com as resistências, aprender com elas, sem arrogância, sectarismos, divisionismos e tretas de livros. Unidade aberta! As resistências são o nosso porto seguro para a construção de alternativas viáveis, o substrato de onde sairão as melhores propostas, em todos os campos da luta social. E elas não param de pipocar, conectadas em redes cada vez mais amplas. A aparência conservadora da conjuntura atual não é suficiente para ocultar a eclosão de rebeldias potentes, feministas, estudantis, negras, ambientais, periféricas, poéticas, etc etc etc…
Sejamos otimistas! Ainda sopram os ventos de junho, não há o que temer. A crise de representação que ficou explícita em junho é um forte indício de que precisamos renovar nossas instituições, começando por aquelas que podem nos servir de ferramentas para fins de emancipação. Haja golpe ou não, seguimos em luta!
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Mamãe não é golpista ou Carta de um ativista à esquerda brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU