A grande mídia e a tentativa de golpe

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08 Março 2016

"Embora boa parte da grande mídia já tenha decidido pelo impeachment da presidente, faltam ainda provas para incriminá-la. O que temos visto nos últimos 16 meses é a busca incansável de um crime para justificar o que já foi decidido", escreve Ivo Lesbaupin, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,  mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ - e doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, França.

Eis o artigo.

O golpe civil-militar de 1964 não surgiu do nada: ele foi preparado durante três anos, desde o momento em que João Goulart assumiu a presidência do país, após a renúncia de Jânio Quadros. A mídia teve um papel fundamental para criar o clima necessário à adesão ao golpe, inclusive para fomentar as famosas “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”.

Ficaram famosos os editoriais do jornal O Correio da Manhã às vésperas da derrubada de Jango: no dia 30 de março, o editorial, estampado na primeira página, era intitulado: “Basta!”; no dia 31 de março, o título era “Fora!”. Os editoriais eram a senha para a mobilização das tropas. E no dia 1º. de abril, os militares tomam o poder. Fato comemorado pelo O Globo, o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo e o Estadão nos dias seguintes.

Os fatos destes últimos dias são muito significativos: num dia, sai a revista Isto É, com uma matéria com vazamento de trechos da delação premiada do senador Delcídio Amaral, onde é ressaltado o envolvimento de Lula e de Dilma em fatos investigados pela Operação Lava-Jato. A revista saiu na quinta-feira, um dia antes de sua saída habitual, sexta-feira. Na mesma noite de 5ª feira, o Jornal Nacional dedica 40 minutos à matéria sobre a delação premiada de Delcídio. Um jornal que dura normalmente 30 minutos demora mais de 1 hora e 20 minutos, dos quais 40 são para reforçar a suspeição sobre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma. Este jornal nacional “especial” não tinha justificativa: ele poderia, como muitas vezes acontece, dedicar um tempo maior para a referida matéria, dentro, porém do tempo habitual do jornal. Mas, não: foi só acusação – sob a aparência de isenção – com mínimo direito a defesa.

No dia seguinte, às 6 horas da manhã, o ex-presidente Lula é acordado por uma tropa de policiais federais para ser levado a depoimento – “condução coercitiva” -, ao mesmo tempo em que o Instituto Lula é invadido e vários familiares do ex-presidente são interpelados. A ordem veio do juiz que dirige a Operação Lava-Jato, Sérgio Moro. A operação na casa de Lula é fartamente divulgada durante toda a manhã desta sexta-feira. O depoimento de Lula na Polícia Federal termina por volta de meio-dia.

Não pode ser coincidência o lançamento da revista na 5ª feira, o Jornal Nacional inabitualmente estendido da noite deste dia e a operação de “condução coercitiva” do dia seguinte com farta publicidade. Parece uma “armação”, para dizer o mínimo. É inevitável pensar que tudo isso visa animar as manifestações pró-impeachment da presidente Dilma programadas para o dia 13 de março (coincidentemente, data do famoso comício de Jango na Central do Brasil, em 1964, às vésperas do golpe).

Embora boa parte da grande mídia já tenha decidido pelo impeachment da presidente, faltam ainda provas para incriminá-la. O que temos visto nos últimos 16 meses é a busca incansável - pela oposição de direita, apoiada pela grande mídia - de um crime para justificar o que já foi decidido. O vazamento de trechos da delação premiada de Delcídio finalmente estaria oferecendo este elemento – ao menos, na opinião da grande mídia. Segundo os próprios procuradores, no entanto, até agora o que temos são depoimentos, indícios, suspeitas, ainda não se trata de provas. A oposição de direita e a grande mídia esperam que as próximas manifestações consigam “preencher” a falta de provas, daí a importância da cobertura carregada – para dizer o mínimo - dos últimos dias. As manifestações cumpririam o papel das “Marchas da Família” de 1964.

É preciso esclarecer que sempre defendemos a apuração de todos os casos de corrupção, venham de onde vier. Eis porque denunciamos, desde a famosa “CPI do Orçamento” (1993), o papel das grandes empreiteiras junto aos governos: na época, o senador José Paulo Bisol declarou que elas eram um “governo paralelo” no país. Tentou-se criar uma “CPI das Empreiteiras”, mas ela feriria os interesses dos principais partidos, especialmente dos que estavam no poder ou tinham a pretensão de chegar lá proximamente. Resultado: tal como a mais recente “CPI do Cachoeira”, não emplacou.

Consideramos de extrema importância o que vem ocorrendo na Operação Lava-Jato, a investigação de casos graves de corrupção, envolvendo empresas do setor privado e do setor público para obter favores do governo. No entanto, uma verdadeira investigação da corrupção não pode ser dirigida por um viés seletivo: neste caso, falta a imparcialidade característica da justiça, pois o que temos visto é que só há corruptos, perseguidos, interpelados, de um lado do espectro político. Os nomes citados do outro lado aparecem por minutos na cena e logo depois desaparecem. Sobre vários políticos do outro lado – inclusive líderes de partido – já foram levantadas suspeitas, de peso igual ou maior que as que são lançadas contra políticos do PT. Mas nada acontece contra eles. O objetivo é claro: “colar” a pecha da corrupção num único partido, para tirá-lo do caminho e abrir espaço para os outros (ou melhor, um outro).

Não, a corrupção não começou com o PT, ela é endêmica no sistema político de nosso país: esteve presente em todos os governos, inclusive durante a ditadura, lá estão os esquemas de corrupção envolvendo grandes empresas, financiamento de campanhas e de partidos, figuras dos governos (de diferentes partidos). Odebrecht, OAS, Camargo Correia, Andrade Gutierrez são conhecidas publicamente pelo menos desde 1993. Não começaram agora. 

Mas agora, em razão de vários fatores, apareceu a chance de investigar a fundo. Ótimo, haja investigação, descubram-se os canais de corrupção, os envolvidos. Mas sem parcialidade.

Do contrário, é tentativa de golpe.

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