Jeremy Corbyn, a nova esquerda do trabalhismo inglês

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11 Agosto 2015

A hecatombe eleitoral de maio deixou o trabalhismo britânico grogue. O líder do partido, Ed Miliband, renunciou ao seu cargo e iniciou o processo para buscar o seu substituto em meio de acusações cruzadas pela derrota e uma discussão de surdos a respeito dos significados da derrota eleitoral. O consenso da mídia e dos setores dominantes do partido é que o trabalhismo havia se esquerdizado demais com Miliband e necessitava se reposicionar no centro do espectro político, posição que havia lhe dado três vitórias consecutivas – com o “novo trabalhismo” de Tony Blair.

A reportagem é de Marcelo Justo, ublicada pelo jornal Página/12 e reproduzida por Carta Maior, 09-08-2015.

Ninguém esperava que, três meses depois, o candidato com mais chances de se tornar o novo líder do partido fosse mais parecido à ala esquerda do Syriza grego do que com o centrismo de Blair, ou o tímido populismo de Ed Miliband. Líder da campanha contra a guerra do Iraque, partidário do desarme nuclear unilateral e da saída dos britânicos da OTAN, Jeremy Corbyn é um firme opositor da austeridade neoliberal, que propõe nacionalizar setores cruciais da economia, e defende o lançamento de um ataque frontal contra os paraísos fiscais, incluída a City de Londres.

Ninguém dava um centavo por sua candidatura, porém, em seis semanas de campanha, ele mudou o contexto do debate, com viagens por todo o país, onde consegue cada vez mais seguidores, muitos deles menores de 25 anos. “Nós crescemos sob o estilo político estadunidense de Tony Blair, cheio frases pré-fabricadas e campanhas publicitárias. Jeremy diz o que pensa, isso o diferencia do resto”, explica um de seus simpatizantes, Sean Hamill, um universitário de 19 anos.

A participação juvenil em seu favor lembra as mobilizações da “Cámpora” (organização argentina de jovens a favor do kirchnerismo), por seu fervor, pela grande presença de militantes de entre 16 e 25 anos e a assombrosa capacidade de multiplicação que as redes sociais dão aos grupos dessa idade. “Estamos cansados do establishment. Estava vendo na internet que Corbyn é o político que pediu menos verba para viagens em toda a Câmara dos Comuns. Numa época em que ninguém acredita nos políticos, Corbyn ilumina o caminho”, diz George Sutton, de 16 anos.

A chamada “Corbynmania” não se limita a uma questão de geração. É o candidato dos sindicatos e entre os sete mil voluntários que trabalham em sua campanha estão muitos aposentados. Uma mulher de 50 anos, entrevistada depois de um ato de campanha, afirmou que escutá-lo a levou a terminar com todas as suas dúvidas. “Nele eu posso acreditar. Não existe outro político que me produza essa sensação”.

Com uma camiseta por baixo da camisa quadriculada, barba e cabelo grisalhos, linguagem clara e sem rodeios, ele continua sendo um político diferente do modelo plastificado, com uma pinta de “outsider” que é a própria razão do seu sucesso, uma modéstia similar à que costuma exibir Lionel Messi – claro que, num universo diferente. “O que fazemos não tem a ver comigo. Isto é um nós, um grupo de gente que quer mudar as coisas. Casualmente, eu acabei posicionado neste lugar, algo que me enche de orgulho”, explicou o candidato, em entrevista ao “The Guardian”.

Nas redes sociais, uma foto viralizou, mostrando ele viajando de metrô, como um passageiro comum: Corbyn não tem carro – e jamais usa gravata – e anda de bicicleta quando vai ao parlamento. Uma recente pesquisa do instituto Yougov dá a ele uma vantagem de 17 pontos sobre seu mais imediato seguidor, o ex-ministro de saúde Andy Burnham.

Não todos possuem o mesmo entusiasmo. Muitos no trabalhismo alertam que Corbyn pode provocar uma divisão no partido, tão feroz como o causado, nos Anos 80, por Michael Foot, outro membro da esquerda trabalhista, antes de ser destroçado nas eleições de 1983 por uma tal Margaret Thatcher. “Isto é uma loucura. Temos que escolher um candidato que nos leve à vitória em 2020, para garantir a agenda de justiça social que todos queremos”, opina o respeitado Alan Johnson, sindicalista de origem e ex-ministro do Interior na época do novo trabalhismo.

O ex-primeiro-ministro Tony Blair é quem lidera a ofensiva anti-Corbyn. “Se o coração dos trabalhistas está com Corbyn, melhor que façam urgentemente um transplante. As eleições se ganham conquistando o centro, com o apoio dos sindicatos e dos empresários. Mas até mesmo se Corbyn vencer, o caminho que ele quer tomar é equivocado, e será desastroso para o Reino Unido”, disse Blair, insinuando que, em tal caso, se distanciaria do partido. Outros não foram tão longe. Liz Kendall, a candidata mais blairista dos quatro concorrentes, expressou que se Corbyn ganha, ela não será uma aliada de suas ideias, mas jamais abandonaria o trabalhismo por isso – já que, segundo disse, considera o partido como sua família.

A reação da direita tem sido curiosa. No começo, muitos conservadores, exultantes com a vitória eleitoral de David Cameron em maio, viram em Corbyn a melhor chance para cumprir um velho sonho dos “tories”: enterrar o trabalhismo para sempre. O “Daily Telegraph”, o mais conservador de todos os diários, animou seus leitores a se incorporar ao partido pela módica quantia de 3 libras, com direito ao voto para ajudar a uma hipotética vitória de Corbyn. “Foi uma tentativa de transformar a esquerda e o trabalhismo numa absurda piada política, com a que sequer existe debate”, relata Owen Jones, autor do livro “Chavs, a demonização da classe trabalhadora britânica”.

Essa primeira reação de menosprezo deu lugar a outra mais cautelosa. Allister Heath, subeditor do “Daily Telegraph”, já em plena onda da “Corbynmania”, advertiu que sua possível vitória moveria o debate público em favor da esquerda. “A Grã-Bretanha necessita tantos partidos pró-capitalistas como sejam possíveis. Nos Anos 90, tinha os conservadores, o novo trabalhismo e os liberal-democratas. Pensávamos que o fim da Guerra Fria havia acabado com o socialismo, mas desde então a esquerda vem regressando ao cenário político. Se Corbyn ganha, será aceitável falar em nacionalização da indústria, aumento de impostos e demonização dos empresários e banqueiros. O debate político, que hoje é centrista, se tornará estatista”, previu Heath.

Esse processo é evidente no interior do trabalhismo. O surgimento de Corbyn obrigou os outros três candidatos a se moverem à esquerda, com uma plataforma muito mais “social”. Até Liz Kendall, mais blairista, parou de falar da reforma do Estado de Bem-estar (políticas promovidas pelos “tories”) e passou a fazer uma campanha centrada em cinco promessas: acabar com a desigualdade, eliminar os baixos salários, construir uma sociedade mais solidária, distribuir melhor o poder e criar um futuro de esperança para os jovens. Tarde demais para atualizar uma postura e recuperar a credibilidade: aparece como a última nas pesquisas, bem longe dos demais.

Para ter um panorama mais claro: Corbyn reflete o cansaço de grande parte dos eleitores com os discursos pré-fabricados e as frases genéricas que mudam de acordo com o último vento midiático. Ninguém pode garantir que vai ser o ganhador quando se anuncie o resultado do dia 12 de setembro. O processo eleitoral é complexo. Se um candidato obtiver mais de 50% dos votos, ganhará automaticamente. Se nenhum conseguir tal façanha, as segundas preferências se redistribuem até que algum dos candidatos obtenha finalmente a maioria.

Essa mecânica é, hoje, um dos grandes obstáculos a uma vitória de Corbyn, mas a grande dúvida, para muitos trabalhistas, é o impacto que sua vitória poderia ter no eleitorado. Segundo a maioria dos analistas, o triunfo de Cameron em maio prova que a sociedade britânica é basicamente conservadora, ou centrista, no melhor dos casos: um candidato de esquerda não tem chances.

Ao mesmo tempo, uma série de pesquisas mostram que a maioria dos britânicos está a favor da nacionalização das ferrovias, do gás e da eletricidade, assim como de maiores impostos para os mais ricos e uma maior regulação dos bancos, todas políticas propostas solitariamente por Corbyn. Outra perspectiva sobre a vitória de Cameron surgiria com essa novidade, ainda quando se lembra que 36% do eleitorado não votou em maio. Uma vez incorporada essa porcentagem, o respaldo de Cameron cai de 36,9% a 24%. “O trabalhismo tem que voltar a ser um movimento capaz de alcançar esse 34%, que são, em sua maioria jovens, de minorias étnicas e da classe trabalhadora”, propõe Corbyn.

A volatilidade do eleitorado, combinada com baixos níveis de politização, além da sempre imprevisível marcha da economia serão fatores decisivos na resposta da sociedade a um eventual vitória de Corbyn. Mas, ganhe ou perca neste 12 de setembro, o barbado trabalhista de 66 anos já conseguiu mover o debate político interno do seu partido para a esquerda, e talvez, em menos medida, o de todo o Reino Unido.

Corbyn foi um convidado tão inesperado da eleição interna trabalhista que só o apoio necessário para sua nominação – 35 deputados que respaldaram a sua candidatura – uma hora antes do fechamento do processo de oficialização, no dia 15 de junho. Muitos dos deputados que o respaldaram sequer pertencem à esquerda, mas queriam abrir o debate sobre o futuro, para que não ficasse reduzido a uma briga tediosa entre os outros três candidatos, todos filhos do novo trabalhismo de Tony Blair e Gordon Brown – que muitos equiparam a uma espécie de “thatcherismo com consciência social”.

A transformação desse candidato testemunhal em potencial novo líder da oposição não é tão surpreendente quando se analisa a história recente. Muitos dos seguidores de Corbyn celebraram a vitória de Blair em 1997, pondo fim a 18 anos de reinado conservador. Em seu primeiro governo, o novo trabalhismo combinou uma módica aspiração de justiça social com uma explícita reivindicação da economia de mercado, mas reivindicou ambas as políticas de maneira diferente.

As bandeiras históricas do trabalhismo – combate à pobreza, direitos sociais e trabalhistas – se forma tocadas de maneira sigilosa. A agenda pró-capitalista, pelo contrário, era reivindicada com fervor, numa busca por frases e ideias comprovassem a ideia de um “novo trabalhismo”, que havia rompido os laços ideológicos com seu passado estatista.

A guerra no Iraque terminou de romper essa frágil convivência entre o velho e o novo, a tradição e o pós-modernismo. Num partido com forte tradição pacifista e antiarmamentista, Blair buscou um espelho em Winston Churchill e se tornou o grande aliado de George W. Bush para a invasão do Iraque. A melhor arma que havia exibido até o momento – seu sucesso – deixou de acompanhá-lo: a aventura terminou num sangrento fiasco. Quando Gordon Brown, seu braço direito e ministro da economia Gordon Brown, o substituiu no cargo, em 2007, a interpretação foi a de que representava um regresso às raízes históricas do trabalhismo, surgido com os sindicatos, um dos modelos em que se inspirou Perón que, como se sabe, pensou em chamar seu movimento de “trabalhista”, antes de se inclinar por seu nome atual: justicialismo.

Brown não foi o que se esperava. Quando foi derrotado, nas eleições de 2010, contra David Cameron, seu sucessor no comando dos trabalhistas, Ed Miliband, também foi visto como uma guinada à esquerda, tentativa de reconectar o partido com suas origens, mas sem abandonar as transformações da dupla Blair-Brown. Essa tentativa sucumbiu nas eleições do dia 7 de maio passado. Com Jeremy Corbyn, a esquerda partidária tem um candidato feito à sua medida, sem essa penosa tensão ideológica interna. Por enquanto, a surpresa é que uma opção assim tenha tardado tanto em se materializar.

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