Ascensão e queda de Thatcher, a mulher mais temida da Inglaterra

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26 Janeiro 2012

Um trio de mulheres – Streep, a intérprete, Lloyd, a diretora, e Morgan, a roteirista – para contar a história da primeira premier mulher na Grã-Bretanha. A senhora que afundou os pobres, mas salvou a economia do seu país.

A reportagem é de Natalia Aspesi, publicada no jornal La Repubblica, 24-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Anos 1980. A primeira-ministra Margaret Thatcher ilustra no Parlamento a sua política para frear o declínio econômico da Grã-Bretanha. E lá está ela, com o rosto endurecido e desdenhoso de Meryl Streep, martelando com sua voz inexorável o cérebro dos membros do Parlamento, trovejando contra a fragilidade dos seus companheiros de partido incapazes de iniciativas árduas, aterrorizando também a oposição com os seus tailleurs azuis, a sua volumosa cabeleira loira e o colar de pérolas: e especialmente com o fato de ser mulher, uma mulher, portanto, uma extraterrestre entre muitos homens, e filha de um merceeiro, portanto, uma estranha na classe de poder.

A Dama de Ferro, como o governo soviético chamava a inexorável primeira-ministra anticomunista (e antissocialista), nos faz tremer, porque é como se o tempo não tivesse passado: ainda agora há o abismo financeiro, e é precisa libertar, abrir caminho para os jovens e para a iniciativa individual, enquanto os trabalhadores fazem greve, e os sindicatos protestam, e as oposições chantageiam, e as corporações estão em pé de guerra.

Como se sabe, a senhora, odiadíssima, afundou os pobres, mas restaurou a economia do seu país: e a sua política de recusa da comunidade europeia e a sua desconfiança em relação à moeda única são as mesmas da Inglaterra de hoje e do seu governo conservador. Agora, aos 86 anos, fora do poder depois de ter sido forçada a renunciar em 1990, viúva desde 2003, Thatcher vive o trágico declínio da demência senil [mal de Alzheimer] que a atingiu há alguns anos.

Era quase impossível que uma grande atriz como Meryl Streep, uma roteirista como Abi Morgan (Shame), e uma diretora como Phillida Lloyd (Mamma Mia!), três senhoras em máxima carreira, pudessem escapar de um personagem tão emocionante, uma idosa que se perde nas recordações e se afasta do presente, e que foi um dos personagens mais poderosos do mundo, com uma intensa vida de ambição, ascensão, império, triunfo, depois de derrota e renúncia, mas também de amor, de vida doméstica e familiar, de filha, de esposa, de mãe.

O filme existe pela presença de Meryl Streep, que aqui supera o seu talento de sempre: aos 62 anos, ainda muito bela como Thatcher aos 50 anos, aceitou a maquiagem da decomposição dos 80 anos, o rosto enevoado pelas rugas, as mãos esqueléticas, os movimentos incertos, curvada. E ela nos angustia com a escuridão da demência: aquele medo que lhe apaga o olhar, e a desorientação nas palavras perdidas, e os momentos de dignidade, elegante e penteada, e o perder-se em alucinações, falando em solidão, à memória de um marido (Jim Broadbent), que muito a amou e protegeu.

O filme começa com uma velha senhora mal vestida que compra leite em um supermercado. Ela escapou da vigilância, ninguém a reconheceu, é como se jamais tivesse existido, aquela que foi a primeira premier mulher do Reino Unido, e do mandato mais longo, de 1979 a 1990, eleita três vezes, forçada depois a renunciar pelo seu próprio partido por ter exagerado nas vexações contra os homens do seu governo.

Streep domina tanto o filme que parecem ser totalmente inúteis as cenas em que Margaret Roberts, moça, inicia a sua carreira política: ela é interpretada por Alexandra Roach, que tem o defeito de ser feia e insignificante. A antipática e ambiciosa senhorita é motivo de piada, porque – mulher e de origem lojista – ainda se apresenta como candidata dos conservadores pelo seu colégio eleitoral.

Ela perde, dança com um jovem de óculos, empresário de discreto sucesso, que a pede em casamento. Ela aceita, contanto que não espere uma esposa dona de casa e submissa, porque o seu verdadeiro amor é a política: e assim se torna Margaret Thatcher.

Nascem os gêmeos Mark e Carol, férias animadas e beijos, e finalmente chega Meryl Streep, a Thatcher que, aos 45 anos, entra na Câmara dos Comuns, tornando-se depois ministra da Educação com o governo Heath.

Todos aqueles homens honoráveis a desprezam, mas também a temem. Ela repreende os seus companheiros que não ousam se tornar cruéis com os menos afortunados. No Parlamento, Streep cerra os lábios, fulmina com os olhos, grita como uma possessa, enquanto em casa continua se ocupando do café da manhã e é uma verdadeira mãe e esposa. Até que decide assumir o partido e pôr a nação sob ferro e fogo, que, exausta, vota nela em massa.

E, a partir desse momento, cada vez mais fisicamente atraente, elegante, dá fim aos chapéus horríveis, ao penteado mórbido. A voz, um verdadeiro trovão, e os discursos, destrutivos. Assim, inicia uma política sem escape, cortes nos gastos públicos, apesar da recessão e do desemprego, os atentados do IRA (até aquele durante o congresso partido em Brighton, do qual escapou por um milagre), resiste à greve dos mineiros e deixa Bobby Sands e seus companheiros morrerem, contra a vontade de todos vai à guerra contra a Argentina para retomar as Ilhas Malvinas. O país patriota, que já estava farto, vota novamente nela.

Certamente, de primeiros-ministros tão virilmente incômodos, e ainda por cima mais bonitos do que Meryl Streep, não se viu mais nenhum.

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