Por: Caroline | 29 Setembro 2014
Irá morrer, matando. Fiel a seu estilo, Rogelio Livieres Plano (foto) replicou a notificação de sua demissão como bispo de Ciudad del Este com uma duríssima carta na qual assegura que o Papa Francisco “terá que prestar contas a Deus”.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 26-09-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/zXmF8C |
Em uma carta enviada ao prefeito da Congregação dos Bispos, Marc Ouellet, Livieres afirma que sua demissão e a nomeação de Ricardo Valenzuela como administrador apostólico, lhe foram informadas praticamente simultaneamente com a conferência de imprensa realizada nesta quinta-feira no Paraguai pelo núncio Eliseo Ariotti, e assinala que esse fato é uma irregularidade a mais realizada contra ele.
“Tenho entendido que o Núncio, praticamente simultaneamente ao anúncio que Sua Eminência acaba de me dar, realizou uma conferência de imprensa no Paraguai e já se dirige à Diocese para tomar o controle imediato da mesma. O anúncio público por parte do Núncio, antes de que eu tivesse sido notificado por escrito do decreto, é uma irregularidade a mais neste anômalo processo”, expressou.
Descreve o ocorrido como “a intervenção fulminante na Diocese” e manifestou que isso pode se dever ao temor que a igreja tem “de que a maioria do povo fiel reaja negativamente frente à decisão tomada, já que manifestaram abertamente seu apoio a minha pessoa e gestão durante a Visita Apostólica”.
Recordou as palavras de despedida que manteve com o cardeal Santos Abril pouco antes de se retirar após a investigação realizada na Diocese da Ciudad del Este. “Espero que recebam as decisões de Roma com a mesma abertura e doçura com que passaram a receber a mim”, havia dito o cardeal, diante do que Livieres Plano ressaltou, em uma pergunta, que parecia já estar indicando qual seria o resultado da investigação.
“Estaria indicando que o curso de ação já estava decidido antes dos relatórios finais e o exame do Santo Padre? Em qualquer caso, não se deve temer rebeldia alguma. Os fiéis foram formados na disciplina da Igreja e sabem obedecer às autoridades legítimas”, assinala também em sua carta.
Livieres Plano também ressalta que desde sua nomeação como bispo demonstrou que foi vítima de ataques e manobras destituintes e que tanto o Papa João Paulo II como Bento XVI lhe deram seu apoio, diferente de Francisco.
Em um ponto da carta ressalta que não foi notificado do relatório que os enviados do Papa elaboraram por ocasião da Visita Apostólica realizada na Diocese, de maneira que não poderia responder as acusações feitas por eles.
“Apesar de tanto discurso sobre diálogo, misericórdia, abertura, descentralização e respeito pela autoridade das Igrejas locais, também não tive oportunidade de falar com o Papa Francisco, nem sequer para esclarecer-lhe alguma dúvida ou preocupação. Consequentemente, não pude receber nenhuma correção paternal – ou fraternal, como preferir – de sua parte. Sem ânimo de queixas inúteis, tal proceder sem formalidades, de maneira indefinida e súbita, não parece muito justo, nem dá lugar a uma legítima defesa, nem à correção adequada dos possíveis erros. Apenas recebi pressões orais para renunciar”, expressa a carta.
Livieres Plano vai mais além acusando opositores e a imprensa de terem sido informados com antecipação, e ressaltou que isso “é, sem dúvida, outro indicador de que algumas autoridades no Vaticano, o Núncio Apostólico e alguns Bispos do país estavam manobrando de forma orquestrada e facilitando vazamentos para ‘orientar’ o curso de ação e a opinião pública”.
Ressalta que considera a decisão como “infundada e arbitrária e sobre a qual o Papa terá que prestar contas a Deus, e não a mim”.
Afirmou mais uma vez que “frente a quem queira esculachá-lo, a substância do caso foi uma oposição e perseguição ideológica”, prossegue a carta. Sustenta também que com tudo isto se busca manter o status quo no manejo da Igreja Católica no país.
“Aquele que sofre as últimas consequências do que descrevo é o povo fiel, já que as Igrejas particulares se mantêm em estado de desânimo com grande êxodo para outras denominações, quase sem vocações sacerdotais ou religiosas e com poucas esperanças de um dinamismo autêntico e um crescimento perdurável”, acrescenta.
Assinala que “o verdadeiro problema da Igreja no Paraguai é a crise de fé e da vida moral que uma má formação do clero perpetuou, junto com a negligência dos Pastores”.
Quase no final chega a nomear o ex-bispo Fernando Lugo e o coloca como exemplo de como se encontra a problemática dentro da igreja paraguaia.
“Logo, é um sinal dos tempos sobre esta problemática redução da vida da fé para as ideologias da moda e ao relaxamento cúmplice da vida e disciplina do clero”, expressou.
Acusa que entre os que se opõem a toda a renovação dentro da igreja paraguaia estão grupos políticos e associações anti-católicas, além do apoio de alguns religiosos da Conferência de Religiosos do Paraguai.
Finalmente, assinala que se negou a renunciar por iniciativa própria, devido a “responsabilidade moral de obedecer a Deus antes do que aos homens”. Recordou igualmente ao povo que “expressou aberta e publicamente seu apoio ao trabalho apostólico que estivemos fazendo”. E culminou com a frase “O povo e eu temos sido ignorados”.
Na parte da assinatura já se observa que escreveu “Ex Bispo da Ciudad del Este (Paraguai)”.
De sua parte, o núncio apostólico no Paraguai, dom Eliseo Ariotti, e dom Claudio Giménez, bispo de Caacupé e presidente da Conferência Episcopal Paraguaia, informaram que a decisão de “substituir” o bispo da Ciudad del Este, dom Rogelio Livieres Plano, se fez necessária por sua “falta de disponibilidade” em apresentar voluntariamente sua renúncia.
Assim mesmo, recordou que a Congregação para os Bispos lhe pediu que o fizesse após a visita apostólica do último mês de julho.
Em julho, o cardeal Santos Abril y Castelló, arcipreste da basílica de Santa Maria Maior, em Roma, viajou para a diocese da Ciudad del Este para se inteirar do ministério pastoral do bispo Livieres, da situação dos seminários locais – algo único no país, já que existe apenas um seminário nacional, em Assunção – e o desempenho do padre Carlos Urrutigoity, acusado em publicações jornalísticas por suposto abuso sexual.
Esta é a carta de Livieres ao prefeito da Congregação dos Bispos
Cardeal Marc Ouellet
Prefeito da Congregação para os Bispos
Palácio das Congregações
Praça Pio XII, 10,
00193 Roma, Italia
25 de setembro de 2014
Eminência Reverendíssima:
Agradeço-lhe a cordialidade com que me recebeu na segunda-feira, 22, e na terça 23 deste mês, no Dicastério que preside. Igualmente, a comunicação por telefone que me deu há alguns momentos sobre a decisão do Papa de declarar à Diocese de Ciudad del Este sede vacante e de nomear Dom Ricardo Valenzuela como Administrador Apostólico.
Tenho entendido que o Núncio, praticamente simultaneamente com o anúncio que Sua Eminência acaba de me dar, realizou uma conferência de imprensa no Paraguai e já se dirige à Diocese para tomar controle imediato da mesma. O anúncio público por parte do Núncio, antes de que eu tivesse sido notificado por escrito do decreto, é uma irregularidade a mais neste anômalo processo. A intervenção fulminante na Diocese pode, talvez, ser por causa do temor de que a maioria do povo fiel reaja negativamente frente à decisão tomada, já que manifestaram abertamente seu apoio a minha pessoa e gestão durante a Visita Apostólica. Neste sentido, recordo as palavras de despedida do Cardeal Santos y Abril: “espero que recebam as decisões de Roma com a mesma abertura e doçura com que receberam a mim”. Estaria indicando que o curso da ação já estava decidido antes dos relatórios finais e o exame do Santo Padre? Em qualquer caso, não se deve temer rebeldia alguma. Os fiéis foram formados na disciplina da Igreja e sabem obedecer às autoridades legítimas.
As conversas que temos mantido e, aparentemente, já que não os vi, os documentos oficiais, dão como justificativa para tão grave decisão a tensão na comunhão eclesial entre os Bispos do Paraguai e minha pessoa e Diocese: “não estamos em comunhão”, havia declarado o Núncio em sua conferência.
De minha parte, acredito ter demonstrado que os ataques e manobras destituintes da qual fui objeto, já iniciaram desde minha nomeação como Bispo, antes inclusive de que pudesse colocar os pés na Diocese – existem correspondências da época entre os Bispos do Paraguai com o Dicastério que Sua Eminência preside como prova fidedigna disso. Meu caso não foi o único em que uma Conferência Episcopal se opôs sistematicamente a uma nomeação feita pelo Papa contra seu parecer. Eu tive a graça de que, no meu caso, os Papas são João Paulo II e Bento XVI me apoiaram para seguir em frente. Entendo agora que o Papa Francisco tenha decidido me retirar esse apoio.
Apenas quero destacar que não recebi em nenhum momento um informe escrito sobre a Visita Apostólica e, consequentemente, também não pude responder devidamente a ele. Apesar de tanto discurso sobre diálogo, misericórdia, abertura, descentralização e respeito pela autoridade das Igrejas locais, não pude ter a oportunidade de falar com o Papa Francisco, nem sequer para esclarecer-lhe alguma dúvida ou preocupação. Consequentemente, não pude receber nenhuma correção paternal – ou fraternal, como preferir – de sua parte. Sem ânimo de queixas inúteis, não houve lugar a uma legítima defesa, nem à correção adequada de possíveis erros. Apenas recebi pressões orais para renunciar.
Que meus opositores e a imprensa locais tenham, recentemente, estado informando não do que já havia passado, mas do que iria ocorrer, inclusive nos mínimos detalhes é, sem dúvida, outro indicador do que algumas altas autoridades no Vaticano, o Núncio Apostólico e alguns Bispos do país estavam manobrando de forma orquestrada e facilitando vazamentos irresponsáveis para “orientar” o curso de ação e a opinião pública.
Como filho obediente da Igreja, aceito, contudo, esta decisão por mais que a considere infundada e arbitrária e da qual o Papa terá que prestar contas a Deus, e não a mim. Para além de muitos erros humanos que tenha cometido, e pelos quais desde já peço perdão a Deus e àqueles que tenham sofrido por isso, afirmo mais uma vez, frente a quem queira escutar, que a substância do caso foi uma oposição e perseguição ideológica.
A verdadeira unidade eclesial é a que se edifica a partir da Eucaristia e o respeito, cumprimento e obediência à fé da Igreja ensinada normativamente pelo Magistério, articulada na disciplina eclesial e vivida na liturgia. Agora, no entanto, busca-se impor uma unidade baseada, não sobre a lei divina, mas sobre acordos humanos e a manutenção do status quo. No Paraguai, concretamente, sobre a deficiente formação de um único Seminário Nacional – deficiências assinaladas não por mim, mas com a autoridade da Congregação para a Educação Católica na carta aos Bispos de 2008. Em contraposição, e sem criticar o que os outros Bispos faziam, embora haja assunto de sobra, eu me dediquei a estabelecer um Seminário diocesano segundo as normas da Igreja. Agi assim, ademais, não apenas porque tenho o dever e o direito, reconhecidos pelas leis gerais da Igreja, mas com a aprovação específica da Santa Sé, inequivocadamente ratificada durante a última visita ad limina de 2008.
Nosso Seminário diocesano deu excelentes frutos, reconhecidos por recentes cartas laudatórias da Santa Sé, em ao menos três oportunidades, durante o pontificado anterior, pelos Bispos que nos visitaram e, ultimamente, pelos Visitadores Apostólicos. Toda sugestão feita pela Santa Sé em relação a melhoras sobre o modo de levar adiante o Seminário, foram cumpridas fielmente.
O outro critério de unidade eclesiástica é a convivência acrítica entre nós, embasada na uniformidade de ação e pensamento, o que exclui a dissidência por defesa da verdade e a legítima variedade de dons e carismas. A esta uniformidade ideológica que é imposta com o eufemismo de “colegialidade”.
Quem sofre as últimas consequências do que descrevo é o povo fiel, já que as Igrejas particulares se mantêm em estado latente, com grande êxodo para outras denominações, quase sem vocações sacerdotais ou religiosas, e com poucas esperanças de um dinamismo autêntico e um crescimento perdurável.
O verdadeiro problema da Igreja no Paraguai é a crise de fé e de vida moral, que uma má formação do clero perpetuou, junto com a negligência dos Pastores. Logo, trata-se de um sinal dos tempos desta problemática redução da vida da fé para as ideologias da moda e ao relaxamento cúmplice da vida e disciplina do clero. Como disse, não foi me dado o conhecimento do relatório do Cardeal Santos y Abril sobre a Visita Apostólica. Contudo, se tivesse sido sua opinião de que o problema da Igreja no Paraguai é um problema de sacristia, que seria resolvido mudando o sacristão, estaria profunda e tragicamente equivocado.
A oposição a toda renovação e mudança na Igreja no Paraguai não apenas contou com os Bispos, mas também com o apoio de grupos políticos e associações anti-católicas, além do apoio de alguns religiosos da Conferência de Religiosos do Paraguai – os que conhecem a crise da vida religiosa em nível mundial não se surpreenderam com este dado.
O porta-voz pago e reiteradamente mentiroso para tais manobras tem sido sempre um tal Javier Miranda. Tudo isto foi feito com a pretensão de mostrar “divisão” dentro da mesma Igreja diocesana. Ainda que a verdade demonstrada e comprovada é a ampla aceitação entre os leigos do trabalho que vínhamos fazendo.
Do mesmo modo que, antes de aceitar minha nomeação como Bispo, acreditei na obrigação de expressar vivamente meu sentimento de incapacidade frente tamanha responsabilidade, depois de ter aceitado tal carga, com todo o peso da autoridade divina e dos direitos que me assistem, mantive a gravíssima responsabilidade moral de obedecer a Deus antes que os homens. Por isso me neguei a renunciar por iniciativa própria, querendo assim dar testemunho até o final da verdade e a liberdade espiritual que um Pastor deve ter. Tarefa que espero continuar, agora, a partir de minha nova situação de serviço na Igreja.
A Diocese de Ciudad del Este é um caso a considerar, que teve o aumento e multiplicação de seus frutos em todos os aspectos da vida eclesial, para felicidade do povo fiel e devoto que busca as fontes da fé e da vida espiritual, e não ideologias politizadas e diluídas crenças que se acomodam às opiniões reinantes. Esse povo expressou aberta e publicamente seu apoio para o trabalho apostólico que temos feito.
Com os melhores cumprimentos em Cristo,
+ Rogelio Livieres
Ex bispo de Ciudad del Este (Paraguai)
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Duríssima réplica do expulso bispo paraguaio a Francisco: “O Papa terá que prestar contas a Deus” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU