Por: Caroline | 07 Novembro 2013
Clelia Luro (foto),a mulher que nos anos 1960 se apaixonou pelo bispo de Avellaneda, Jeronimo Podestá, por seu intermédio foi ao Vaticano lutar pelo celibato optativo na Igreja Católica e, em seguida, casada com o ex-sacerdote, participou com ele da fundação da Federação Latino-Americana de Sacerdotes Casados (FLSC), morreu nos últimos minutos desta segunda-feira. Tinha 86 anos, estava internada no Hospital Güemes, em Buenos Aires, e permaneceu ativa até o último momento. Havia apenas duas semanas que havia enviado ao papa Francisco – de quem era amiga –, e ao conselho dos oito cardeais que o assessoram, o último de seus livros sobre os 40 anos em que ela e Podestá se dedicaram a lutar pelo celibato optativo. Quem confirmou sua morte foi o teólogo brasileiro Leonardo Boff que, nos primeiros minutos de ontem, escreveu em sua conta do Twitter: “Acaba de morrer Clelia Luro, com quem o papa Francisco falava todas as semanas. Comprometida com as reformas da Igreja, querida amiga”.
A reportagem é de Soledad Vallejos, publicada por Página/12, 06-11-2013. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/6YBvAD |
Também de acordo com Boff, no último sábado, antes de dar entrada ao hospital por causa de uma infecção, Luro havia trabalhado em uma campanha de apoio ao papado de Bergoglio, em cuja capacidade para reformar a Igreja Católica confiava. Este apoio ao ex-arcebispo portenho havia sido manifestado por Luro em mais de uma oportunidade em entrevistas aos jornais. No meio deste ano, mostrou-se com as esperanças reforçadas: Bergoglio, advertiu, poderia anunciar mudanças para o celibato sacerdotal em “um ano, não mais que isto”, algo que poderia beneficiar “as próximas gerações”.
Clelia Luro Rivarola pertencia a uma família abastada que tinha, em sua árvore genealógica, o escritor Eugenio Cambaceres. Era praticamente uma religiosa e ainda adolescente chegou a pensar em se tornar freira, ainda que, como ela mesma contava, no Colégio do Sagrado Coração era taxada de “rebelde”. Segundo explicava, ela tinha “uma visão muito forte do Evangelho, da mensagem de Jesus, que não combinava para mim com a instituição Igreja”. Com pouco mais de 20 anos, casou-se com Jaime Isasmendi e o acompanhou até o engenho de açúcar do político e empresário Patrón Costas, onde ele trabalhava, em Salta. “Saindo de Santa Fé, passando por Callao, logo me casei e fui viver no engenho em Salta, onde comecei a viver a realidade dos indígenas, a realidade do país”, contou em uma entrevista a este jornal, em 2000, dois meses antes de enviuvar de Podestá.
Em Buenos Aires, antes de se casar e trocar a cidade por Salta, fez “cursos de medicina preventiva na Cruz Vermelha”. Então, instalada no engenho e decidida a ajudar, “ia montada a cavalo, ao encontro do povo, nas cabanas em Orán, ensinar as crianças sobre alimentação, colaborar com o médico do engenho, fazer trabalho de prevenção, visto que ali as crianças morriam como moscas”.
Contudo, após dez anos, Luro deixou o engenho, separou-se do marido e voltou a Buenos Aires com cinco filhas e grávida da sexta. “Coloquei-as muito novas no colégio, até que consegui tê-las novamente, mas para isso tinha que trabalhar”, explicava, em referência aos anos em que a lei do divórcio não regia na Argentina e a separação de fato, especialmente em seu meio, era socialmente reprovada.
Luro trabalhou algum tempo em uma financeira, mas “falava de dinheiro todo dia e estava farta”, assim aceitou a proposta de um amigo e se lançou como editora da revista “Imágenes del País”. Trabalhando para esta publicação, conheceu o caso de um padre alcoólico, para quem o bispo de Salta, que a havia ajudado a se separar de seu marido, pediu-lhe que buscasse ajuda em Buenos Aires. O mesmo bispo lhe sugeriu contatar Jeronimo Podestá, bispo de Avellaneda. Ela o fez e assim conversaram pela primeira vez. Era 1966; Luri tinha 39 anos; o padre, 45. Podestá “escreveu lindas páginas nas quais conta sobre quando me conheceu. Disse que minha força o impactou e que eu o ajudei a se abrir. Foi encontrar-se com o feminino e sem perigo, porque o que eu o pedia, era por este padre. Viajamos ao Norte, procurando este sacerdote que estava deitado na cama, bêbado e o trouxemos para Avellaneda. A partir disso, comecei a trabalhar com ele. Jeronimo era um líder no país, era o bispo dos trabalhadores. Qualquer problema, greves, paralisações, ele estava com eles”. Luro trabalhou com ele na diocese. “Não éramos um casal, mas o trabalho nos uniu muito, havia a troca de olhares, de coração, de tudo”.
Pouco depois, na reunião da Conferência Episcopal da America Latina, realizada no Mar del Plata, o bispo brasileiro Helder Câmara compreendeu por que Luro era a única mulher entre os hierarcas da Igreja, conheceu o trabalho que ela e Podestá faziam conjuntamente e os encorajou a formarem um casal. Ela dizia: “Câmara disse a Jeronimo: ‘Não tenha medo da Clelia, porque ela vai ser a sua força’. Para Jeronimo, o caminho comigo era um caminho destinado por Deus, um caminho marcado, por isso teve forças para enfrentar todo o resto”. A relação começou a ser notada também pela hierarquia eclesiástica local. Podestá tinha possibilidade de ser nomeado cardeal primaz, mas o vínculo com Luro e sua própria adesão à Teologia da Libertação o tornava perigoso o suficiente para que o então presidente, Juan Carlos Onganía, o definisse como “o principal inimigo da Revolução Argentina”. Em 1967, Podestá teve que deixar a diocese de Avellaneda.
Quando chegou ao Vaticano, Podestá explicou ao papa Paulo VI, a quem Luro definiu como “muito misógino”, que não poderia deixar de sentir o que sentia por esta mulher. Meses depois, em outra viagem, Podestá voltou com ela a Roma e a levou frente ao secretário de Estado do Vaticano. “Ele me dizia: ‘Você tem que obedecer, Santa Teresa era obediente’. ‘Santa Teresa era uma desobediente, porque o núncio Sega lhe dizia que não tinha que falar e teria sido uma freirinha que ninguém teria conhecido, e hoje vocês não poderiam fazê-la doutora da Igreja, depois de 400 anos’. ‘E a Virgem Maria?’, ele me dizia. E eu o respondia: ‘Quem estava ao pé da Cruz, quando Jesus morreu? As mulheres, os apóstolos tiveram medo’”, recordou Luro, anos depois. Em 1967, Podestá apresentou sua renúncia e, em 1972, foi suspenso do estado clerical, então se casou com Luro. Dois anos depois, foram exilados, ameaçados pela Aliança Anticomunista Argentina (Triple A) e voltaram a Argentina em 1983.
Desde que se casaram, participaram da fundação e fizeram parte da Federação Latino Americana dos Sacerdotes Casados. No ano 2000, recém-viúva, Luro se lamentava de que a Igreja Católica ainda era “muito fechada em relação à mulher”. Nesse momento, assegurava, havia “150 mil padres casados, mais de 150 mil esposas, além dos filhos”, quer dizer, “milhares de pessoas que querem lutar dentro da Igreja” para modificar a instituição. “Nada amadurece se alguém não começa a fazê-lo e nós começamos. A luta não era só contra o celibato, mas por uma Igreja democrática, horizontal, comprometida com o mundo, com a justiça.”
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Clelia Luro. Uma mulher comprometida com as reformas da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU