A teologia da libertação de Francisco

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22 Julho 2013

Às vésperas da viagem ao Brasil, a leitura do teólogo argentino Juan Carlos Scannone ajuda a entender as palavras de Bergoglio sobre o "povo dos fiéis".

A reportagem é de Gerolamo Fazzini, publicada no sítio MissiOnline, 17-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A poucos dias da visita do Papa Francisco ao Brasil, a pergunta é obrigatória: como já foi dito por muitos, o retorno de Bergoglio como pontífice à América Latina realmente o verá como protagonista da reconciliação entre Roma e a Teologia da Libertação ?

Uma "reaproximação" entre o papa e os teólogos latino-americanos foi desejado recentemente por Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito no Brasil, um dos rostos mais conhecidos do movimento. Algumas semanas atrás, Casaldáliga pediu que Adolfo Pérez Esquivel fosse o portador desse pedido junto ao papa, durante um encontro privado que o Prêmio Nobel da Paz argentino tinha obtido.

Na mesma ocasião foi entregue a Francisco uma cópia do "Pacto das Catacumbas", um acordo firmado por 40 bispos presentes no Concílio Vaticano II, no dia 16 novembro de 1965. O signatários – que incluíam os representantes mais conhecidos da ala "progressista" (dentre outros, os bispos Hélder Câmara, Leonidas Proaño e Luigi Bettazzi) – se comprometiam nesse texto a levar uma vida austera, sem propriedades nem contas bancárias, sem títulos nem bens materiais.

Percorrendo a lista dos signatários, o papa comentou: "Nossa, veja quem está aqui!". Pérez Esquivel disse: "Francisco se interessou, disse que iria ver. Nós nos comprometemos a fazer um trabalho para reunir esses pensadores, como Leonardo Boff, que contribuíram tanto com a Igreja".

Até aqui a reconstrução do site Vatican Insider. Neste ponto, a pergunta soa assim: haverá, no Brasil, a palavra do Papa Francisco sobre a Teologia da Libertação? E, em caso afirmativo, em que direção?

Para responder a essa questão nada fácil e para nos orientarmos sobre esse espinhoso assunto, é preciso voltar novamente às fontes. E a fonte se chama padre Juan Carlos Scannone. Não é um rosto conhecido fora do estreito círculo dos iniciados. Porém, esse professor jesuíta – filósofo e teólogo, 81 anos bem vividos – é o inspirador da "pastoral" do então cardeal Bergoglio e a sua principal referência teológica.

Uma confirmação disso é um livreto recém-lançado pela editora Marsilio, intitulado Ero Bergoglio, sono Francesco [Era Bergoglio, sou Francisco].

Nessa "primeira reportagem sobre o papa do fim do mundo" (como diz o subtítulo), o autor – o jovem jornalista Cristian Martini Grimaldi – reuniu uma série de textos escritos da Argentina pelo L'Osservatore Romano. Um dos capítulos mais interessantes é o dedicado justamente a Scannone, intitulado "O meu aluno Bergoglio".

Nele, Scannone, diretor do Instituto de Pesquisa Filosófica da Faculdade de Filosofia e Teologia de San Miguel (a mesma da qual o futuro papa foi reitor, no período 1980-1986), a propósito da Teologia da Libertação e da posição do papa a respeito, oferece uma reflexão articulada, da qual relatamos as principais passagens. É preciso dizer que muitas das afirmações de Scannone ecoam as feitas em uma entrevista concedida pelo jesuíta a Alessandro Armato para a revista Mondo e Missione (novembro de 2011).

"Quando o então secretário do Celam, depois cardeal Quarracino, apresentou a primeira das instruções sobre a Teologia da Libertação (Libertatis Nuntius, 1984), ele explicou por que fala de teologias da libertação, no plural, e fez alusão a quatro correntes", afirma Scannone. "Uma delas é a teologia argentina do povo, elaborada pela Coepal (Comissão Episcopal), liderada pelo teólogo Lucio Gera. Tanto os adversários quanto os detratores da Teologia da Libertação a consideram como uma corrente dela, embora outros, ao contrário, a diferenciam".

Ele continua: "Ela [a teologia argentina do povo] se caracteriza por indicar o povo – entendido como uma nação unida por uma cultura, uma história e um projeto compartilhado comum – como sujeito da libertação da injustiça e da opressão. Portanto, não faz alusão à classe social na luta de classes. São as pessoas pobres e excluídas na América Latina as que melhor conservam a cultura comum (...). Grande importância é dada à evangelização dos povos e das culturas, e são consideradas a piedade popular e a espiritualidade latino-americana como produto da inculturação do Evangelho nas nossas culturas".

Lendo esses esclarecimentos de Scannone, entende-se como neles podem "estar juntos" alguns elementos da biografia do Papa Francisco que os estreitos esquematismos eclesiais italianos não contemplam como compatíveis. Refiro-me à decisiva opção pelos pobres ("Eu sonho com uma Igreja pobre e para os pobres"), atitude considerada "de esquerda" e, por outro lado, a grande simpatia pela piedade popular, marcadamente a devoção mariana fortíssima nesse papa (neste caso, rotulado como "de direita").

Uma coisa é certa: a Teologia da Libertação em molho argentino foge do marxismo. Scannone é claro: "A teologia argentina do povo privilegia a análise histórico-cultural ao interpretar a situação histórica à luz da fé, em vez da análise sócio-estrutural, embora esta última não seja descartada, mas sem usar o método marxista".

O professor jesuíta prossegue: "Na corrente argentina da Teologia da Libertação, unem-se intimamente a opção preferencial pelos pobres (Conferência de Puebla) e a evangelização da cultura, da qual também fazem parte as estruturas sociais, e um dos frutos na América Latina é o catolicismo popular".

"Bergoglio – conclui Scannone – não é um teólogo, mas sim um pastor. Eu acho que o seu ministério não pode ser plenamente compreendido sem primeiro entender esse contexto teológico argentino, porque daí vem a opção pelos pobres e pelos marginalizados, a apreciação da piedade popular e pastoral, o seu uso repetido da categoria de 'povo dos fiéis', em sintonia com o 'povo de Deus' da Lumen Gentium, mas interpretado através dos olhos latino-americanos e argentinos".

Se for assim, não devemos excluir que, realmente, embora com todas as nuances do caso, se chegue a uma superação do "conflito" em curso entre teólogos da libertação e Roma. Não faltam sinais de um degelo.

Recentemente, o protagonista foi um personagem de primeiro plano como o arcebispo Gerhard Ludwig Müller, atual prefeito do dicastério vaticano – a Congregação para a Doutrina da Fé – que, nos anos 1980, interveio com nada menos do que duas instruções para assinalar os desvios pastorais e doutrinais que incumbiam sobre os caminhos tomados pelas teologias latino-americanas: "O movimento eclesial e teológico da América Latina, conhecido como 'Teologia da Libertação', que depois do Vaticano II encontrou um eco mundial, deve ser ser contado, a meu ver, entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX", escreve Müller em um livro de próxima publicação: uma coletânea de artigos escritos a quatro mãos [com Gustavo Gutiérrez], já impresso na Alemanha em 2004, que será lançado na Itália com o título Dalla parte dei poveri. Teologia della liberazione, teologia della Chiesa (Do lado dos pobres. Teologia da Libertação, teologia da Igreja] (coeditado pelas Edizioni Messaggero Padova e Emi).

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