01 Março 2013
"Podemos dizer que este conclave será um jogo, onde existem várias peças e serão necessárias conhecer cada uma das jogadas que podem ser dadas. Por isso, alguma coisa da Teoria dos Jogos pode ajudar. A Teoria dos Jogos é o estudo da tomada de decisões dos indivíduos quando o resultado de cada um depende das decisões dos outros. Os teóricos dos jogos costumam usar o conceito de “indução retroativa”, que é basicamente olhar para frente e raciocinar para trás. Outros usam a expressão: “mire no futuro e raciocine com o passado”, escreve Sérgio Ricardo Coutinho, mestre (UnB) e doutorando (UFG) em História Social; professor de “História da Igreja” no Instituto São Boaventura e de “Formação Política e Econômica do Brasil” e de “Teoria Política” no Centro Universitário IESB, em Brasília; membro da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR) e presidente do Centro de Estudos em História da Igreja na América Latina (CEHILA-Brasil).
Eis o artigo.
Como historiador da Igreja, não posso deixar de lado em meus estudos o fato dela, a Igreja, reivindicar para si a presença constante da graça divina em suas ações, ou seja, da contínua presença do Espírito Santo de Deus na caminhada da Igreja na história. No entanto, precisamos também lembrar que ela é feita de homens (e também de muitas mulheres – religiosas e leigas –, mas também de outros homens leigos que, infelizmente, sem nenhum poder de decisão) e que precisam tomar decisões em momentos graves como este atual.
No caso específico, me refiro aos membros do Sacro Colégio Cardinalício e que se preparam para o segundo conclave deste novo milênio. A pergunta que nos interessa agora é: como vão se comportar os eleitores? Que escolha farão?
Como bem alerta o historiador Alberto Meloni, dentro e junto às normas do conclave há um entrelaçamento concreto de vidas, ambições, sensibilidades, intenções e experiências que decidiu e que ainda o decide. O conclave é uma realidade inteiramente histórica, sobre o qual a abordagem do estudioso e a do fiel não estão em contradição. Uma ótica de caráter polêmico e ideológico faz às vezes pensar que a relação de forças que decide um conclave não seja responsável pela análise histórica e pela dinâmica política e que leva, muitas vezes, a considerar a descoberta de tais dinâmicas como um argumento de difamação anti-religiosa. Para os fiéis, a assistência da divina providência, que garante a sucessão episcopal e fundamenta a obediência, não tem necessidade de se expressar em forma de mistério que se confina com a superstição institucional; do mesmo modo, para quem tem ambições cognoscitivas não é necessário cancelar o fato de que na reunião de homens que determina a maioria do conclave há um desejo de aderir às próprias convicções interiores de fé.
Em resumo, sintetiza Meloni, nada impede uma análise respeitosa e cuidadosa também quando se trata de entender como se desenvolveu a fisionomia coletiva do sacro colégio e como esta se apresenta aos olhos do eleitor do conclave (cf. MELONI, Alberto. Como se elege um papa: a história do conclave. SP: Paulinas, 2002; a maioria das informações foram tiradas daqui).
Pois bem, antes do conclave propriamente dito, acontecerão algumas reuniões de discussões: as Congregações Gerais. Já sabemos que além das discussões sobre os desafios postos à Igreja na contemporaneidade, os cardeais receberão o relatório final das investigações sobre o “vatileaks”. O conteúdo deste relatório também terá papel primordial na tomada de decisão dos eleitores, pois revelará o grau de reforma que deverá ser empreendido.
Além disso, acontecerão, simultaneamente, encontros informais. Em pequenos grupos, os cardeais eleitores conversarão sobre possíveis nomes e de suas conexões dentro da Cúria. Alguns, os mais vividos e experientes, farão o papel de verdadeiros “cabos eleitorais”, são os chamados “kingmakers” (criadores de reis) como os cardeais Walter Kasper e Jorge Mario Bergoglio.
Seguindo Habermas, nestas reuniões preparatórias os cardeais estarão agindo de forma comunicativa em busca de um entendimento mútuo mínimo (é o que ele chama de “ação comunicativa no sentido fraco”) sobre o perfil do futuro papa que possa ter as condições de enfrentar os desafios. O objetivo não será a busca de um consenso e a deliberação por meio de discussão e debate livre de um nome (“ação comunicativa em sentido forte”). A decisão será sim deliberativa, mas pelo voto secreto individual.
Nos lembra novamente Alberto Meloni que, desde seu prefácio, o documento Universi dominici gregis (1996) de João Paulo II, enuncia a supressão formal de alguns métodos de eleição que a tradição havia conservado, apesar de obsoletos. João Paulo II cancelou impreterivelmente a eleição por “inspiração” e por “compromisso”, deixando lugar somente para o escrutínio por maioria (primeiramente qualificada em 2/3 e, depois de um certo tempo, em maioria simples). Esse sistema democrático do voto secreto lhe parece o mais adequado às “atuais exigências eclesiais” e “às orientações da cultura moderna”.
A eleição por “aclamação”, aquela que deveria acontecer “quase que por inspiração”, foi abolida porque não parecia idônea para representar o pensamento de um “colégio eletivo” tão amplo e tão diversificado como o é o colégio de cardeais eleitores. É bom lembrar que foram eleitos por unanimidade somente três papas: Inocêncio IV em 1243, Inocêncio XIII em 1721 e Pio VI em 1775.
Mais forte ainda foi o argumento usado por João Paulo II com o qual cassou a eleição por “compromisso”. Um dos motivos é que no “voto por compromisso” fica obscurecida a responsabilidade pessoal de cada cardeal que vota. O “compromisso” era uma forma de evitar o prolongamento do confronto até o fim e oferecer à minoria um honroso caminho de agregação ao grupo vencedor, o qual, porém, era obrigado a atingir o limiar crítico de 2/3.
Por esses motivos, João Paulo II estabeleceu que o bispo de Roma deve ser escolhido de uma única forma, isto é, por meio do único meio de escrutínio secreto. Isto significa aceitar que a lógica da instituição eclesiástica não é diferente da lógica da política em seus meios e em sua ortografia institucional, mas somente no seu núcleo e conteúdo vital.
D. Geraldo Majella Agnelo, recentemente, expressou como será seu voto e o perfil do próximo papa para o jornal “Folha de São Paulo”: “O primeiro dever de um papa é que exerça a missão de ser pastor dos pastores. Logo gostaria de um papa que seja capaz de exercer essa missão. Em segundo, que seja capaz de administrar os canais por meio dos quais exerce o ministério na Igreja. A Cúria Romana, os dicastérios se tornaram bastante volumosos... É preciso reformar a Cúria que se tornou muito pesada.” (FSP, 20/02/2012, A15)
Para fazer sua escolha, os eleitores terão que prestar muita atenção em vários aspectos dos membros do colégio, entre eles as “ligações” (às vezes, “perigosas”).
Meloni novamente nos lembra que as ligações que criam uma agregação objetiva nesse “mar de púrpuras” são várias e muitas vezes indecifráveis. Cada cardeal faz parte da “plenária” de uma ou mais congregações, que são os conselhos diretivos dos dicastérios do governo eclesiástico romano, mas são órgãos nos quais o grau de intercâmbio efetivo é bem baixo e a responsabilidade do prefeito ou do presidente é proeminente. Nessa longa lista de pertenças, nada se diz se e quando podem nascer sólidas amizades ou antagonismo irredutíveis.
No colégio cardinalício que vota, não há partidos em sentido ideológico, os sutis laços que nomeia a maioria são, frequentemente, de natureza diferente, e – como é verdade que a eleição do bispo de Roma necessita de comunicação e conhecimento, de modo parecido com qualquer outro modo eletivo de tipo “parlamentar” – divisões bem mais grosseiras e mais objetivas fornecem alguns elementos para reflexão. São eles: a idade, a nacionalidade, grupo linguístico, “pertencimento” (ordens e congregações religiosas e simpatias por outros grupos eclesiais), pastores e curiais.
Quanto aos dois primeiros parâmetros, registraram-se variações: a eleição de João XXIII e a de Wojtyla representaram os dois extremos de um papa eleito para durar pouco e de um eleito para durar bastante; quanto à função, sabe-se que Pio X, Bento XV, João Paulo I e João Paulo II eram pastores de dioceses; João XXIII e Pio XI eram pastores com experiência diplomática nos ombros; Paulo VI era arcebispo de Milão, mas tinha por trás uma longa carreira na Cúria, como também Bento XVI; Pio XII tivera uma experiência diplomática antes de se tornar Secretário de Estado; quanto ao parâmetro da nacionalidade, a eleição de João Paulo II não foi uma exceção, mas sim provavelmente o desbloqueio de um monopólio secular dos italianos, coisa que hoje não tem mais sentido de ser.
Neste sentido podemos dizer que este conclave será um jogo, onde existem várias peças e serão necessárias conhecer cada uma das jogadas que podem ser dadas. Por isso, alguma coisa da Teoria dos Jogos pode ajudar. A Teoria dos Jogos é o estudo da tomada de decisões dos indivíduos quando o resultado de cada um depende das decisões dos outros. Os teóricos dos jogos costumam usar o conceito de “indução retroativa”, que é basicamente olhar para frente e raciocinar para trás. Outros usam a expressão: “mire no futuro e raciocine com o passado”.
Pensando nisto, construímos a hipótese abaixo. Está esquematizado, mas pode ajudar-nos a entender como poderá ser a escolha dos cardeais numa “indução retroativa”.
Tomando como base os principais personagens da cúria romana nestes últimos anos – o papa, o decano, seu secretário de Estado e o “espectro de esperança” que ainda paira no ar vindo do cardeal Martini, morto recentemente –, visualizamos caminhos possíveis e suas consequências (continuidade do projeto de João Paulo II de defesa da identidade católica; continuidade com reforma na Cúria e algumas outras iniciativas reformistas; prioridade de reforma com alguma continuidade, especialmente do projeto de Nova Evangelização [NE]; e levar adiante as reformas previstas pelo Vaticano II [V.II]). Alguns nomes saltam à vista, mesmo sabendo do ditado de que “quem entra papa sai cardeal”. Como na história romana antiga, “a sorte está lançada!”
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Em tempos de eleições na Igreja, qual deve ser a escolha do eleitor? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU