Os robôs acabarão com os empregos?

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16 Junho 2017

“É certo que a automação e os robôs eliminarão muitas tarefas e postos de trabalhos. Mas só causarão quedas no número total de postos de trabalho se - e apenas se - não diminuir a jornada de trabalho, e também se forem mantidas as políticas econômicas atuais, orientadas para a produção artificial da escassez, pois dessa forma os salários são reduzidos e a taxa de lucro das grandes empresas e dos bancos, aumentada”, afirma Juan Torres López, economista espanhol, membro do Conselho Científico de Attac España y catedrático de Economia aplicada na Universidade de Sevilla, em artigo publicado em El Diario, 12-06-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.

Segundo ele, “o paradoxo está nas políticas atuais (que diminuem o poder de compra de cada vez mais grupos sociais) que são um dos principais freios da automação e da robótica generalizadas. A possibilidade técnica de usar muitos robôs não é uma temática economicamente decisiva, mas que haja pessoas com renda suficiente para adquirir o que for produzido. O futuro não está ameaçado por robôs, mas por 24,2% de jovens espanhóis de 20 a 34 anos que não estudou nem trabalhou em 2015”.

Eis o artigo.

Uma ideia que se espalha como fogo nos últimos tempos é que dentro de poucos anos os robôs irão acabar com uma grande proporção de empregos e que milhões de pessoas ficarão sem qualquer rendimento procedente do trabalho. As evidências disto estão em estudos como o dos professores da Universidade de Oxford, Carl Frey e Michael Osborne, sobre o futuro do emprego. Eles afirmam que nada mais, nada menos, do que 47% dos postos de trabalho existentes hoje nos Estados Unidos estão em risco de desaparecer por conta disso. Mas o que é realmente verdadeiro ou, pelo menos, provável, nesta ameaça?

Uma primeira questão que convém saber para responder a essa pergunta é que os maus presságios e os temores atuais estão longe de serem algo novo.

Muitos trabalhadores já destruíam máquinas no final do século XVIII, pois acreditavam que elas iriam acabar com seus postos de trabalho, sem estarem conscientes que a consequência afetaria apenas o desaparecimento de tarefas, e não o trabalho em geral. O que essa máquinas faziam era permitir que se pudesse obter uma maior produção por hora trabalhada em muitas atividades (isto é, maior produtividade, em termos econômicos). Mas graças a isso era gerada, por um lado, mais renda (porque o lucro é a outra face do produto) e, por outro, novas atividades produtivas necessárias para criar ou manter as máquinas, e também para atender às novas demandas geradas pelo maior rendimento econômico de consumidores e empresas. Ambas as coisas permitiam criar mais empregos, quase sempre em outras atividades, como já dito, ou inclusive nos distintos locais onde as máquinas começavam a funcionar, mas ainda assim, mais empregos. Embora também seja verdade, como comentarei a seguir, que os efeitos da criação de novos empregos não eram necessariamente automáticos, mas que apenas eram produzidas novas vagas se houvesse ao mesmo tempo outras condições.

Mas ninguém acredita que foram apenas os trabalhadores inconscientes e ignorantes desses processos econômicos aqueles que ao longo da história têm erroneamente previsto o fim dos empregos por culpa das máquinas.

Ao final dos anos setenta e início dos anos oitenta do século passado começou o uso generalizado da informática e das telecomunicações, e com elas muitos economistas famosos anunciaram que viria um rápido aumento na produtividade e, em seguida, o desaparecimento de milhões de empregos, sobretudo no setor de serviços.

Os fatos provaram sem dúvida que as pessoas equivocadas não eram apenas os trabalhadores com medo de perder seus empregos, mas também aqueles profetas do fim do emprego. Assim como disse Robert Solow, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, os computadores estão por toda parte, mas seus efeitos não aparecem nas estatísticas de produtividade.

Hoje sabemos com bastante certeza o que realmente aconteceu ao longo da história, especialmente desde o final do século XIX, quando já se dispunha de dados minimamente rigorosos.

Sabemos que a produtividade tem crescido muito desde então, como consequência da inovação tecnológica: agora produz-se entre 15 e 20 vezes mais por hora trabalhada do que no final do século XIX (como média e com diferenças que podem ser significativas dependendo do setor ou da atividade econômica considerada). Também é facilmente comprovável que tanto a produtividade quanto a inovação sempre aumentam igualmente no decorrer do tempo. A inovação costuma acontecer em ondas e há fases de grande crescimento da produtividade, assim como há outras de baixa.

Se considerarmos uma fase longa, por exemplo, a partir do final do século XIX até a atualidade, também é claro que o número de empregos aumentou consideravelmente, apesar das grandes ondas de inovação e crescimento da produtividade. Embora existam diferenças notáveis em cada país, podemos dizer que o volume total de empregos aumentou no último século, entre 30% e 50%, nas economias avançadas, a partir do final do século XIX.

Finalmente, há dois fatos históricos decisivos que não parecem ter recebido muita importância. O primeiro, que o desemprego não aumenta, nem o número de empregos cai, sempre que cresce a produtividade, e vice-versa. Pelo contrário, é fácil comprovar que há fases de aumento muito grande na produtividade (por exemplo, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial até meados dos anos setenta do século passado), que são acompanhadas por pouco desemprego e crescimento de postos de trabalho; e fases de baixa produtividade (como a que estamos vivendo nos últimos anos), onde o desemprego é elevado e postos de trabalho são eliminados. O segundo fato importante é que todos esses processos ocorrem com diferenças por vezes notáveis no tempo e entre distintas economias.

Por que isso acontece e qual é a causa para que existam tais diferenças? Como é possível que, havendo um aumento na produtividade e que inclusive haja mais empregos agora do que produção, nos digam constantemente que a nova tecnologia elimina postos de trabalho?

A resposta também é bastante simples, por mais que se queria esconder.

A produtividade é o aumento da produção por hora trabalhada. Em termos matemáticos, é a produção dividida pelas horas de trabalho. Em princípio, poder-se-ia pensar que é, portanto, inevitável que diminuam os empregos (denominador) se a produtividade aumenta, já que a nova tecnologia aumenta a produção. Mas isso não acontece necessariamente dessa forma porque pode haver duas circunstâncias adicionais das quais os efeitos finais da tecnologia sobre o emprego dependem.

A primeira é que o emprego total (o número de postos de trabalho existentes) não depende apenas do número total de horas trabalhadas ou necessárias para obter a produção total (que costumam baixar com a inovação tecnológica), mas das horas da jornada de trabalho.

E o que pode ser observado ao longo da história? Pois, precisamente, que os aumentos de produtividade geram perdas no número total de postos de trabalho e aumento do desemprego apenas em função de como seja a evolução da jornada de trabalho (ou a segunda circunstância que comento mais abaixo). O grande aumento da produtividade gerada desde o final do século passado, não produziu um desemprego gigantesco, simplesmente porque a jornada de trabalho foi reduzida praticamente pela metade no século passado. Na Espanha, por exemplo, 74% dos trabalhadores em 1914 tinha uma jornada de trabalho de 60 horas por semana, mais de 3.000 horas por ano em comparação às 1.600 de hoje.

Quando uma onda de inovação não é acompanhada por menos tempo de trabalho, o desemprego aumenta. Pelo contrário, se a jornada de trabalho baixa, se menos horas são trabalhadas em cada posto, quando a produtividade aumenta, não há razões para o desemprego também aumentar, mas é possível criar mais empregos.

A segunda circunstância que pode fazer que um aumento na produtividade produza desemprego está relacionada com as políticas que afetam a atividade produtiva. Se a inovação é acompanhada por políticas restritivas (deflacionárias, como os economistas chamam) a produção e, portanto, o lucro, irá cair. Consequentemente, serão necessárias muito menos horas de trabalho, mas não apenas pela maior produtividade, mas agora pela queda na produção e na renda. Mas se, pelo contrário, a inovação for acompanhada por políticas adequadas, será possível aumentar a produção e, portanto, os lucros e os postos de trabalho. Especificamente, é preciso de políticas que impeçam a queda das demandas, e que formem e reciclem adequadamente a população.

O que está acontecendo atualmente e o que podemos esperar da chegada da automação generalizada e dos robôs?

a) Sabemos que ambos um dia virão e de maneira muito generalizada, embora não tragam consequências tão exageradas quanto as dos estudos de Frei e Osborne. A OCDE, por exemplo, acredita que apenas 9% dos empregos serão afetados nos Estados Unidos, em vez de 47%.

b) Os dados indicam claramente que a produtividade está em declínio. Ou seja, não é verdade que estamos à beira de uma nova e poderosa onda de inovação generalizada.

c) É certo que a automação e os robôs eliminarão muitas tarefas e postos de trabalhos (quase sempre, felizmente). Mas só causarão quedas no número total de postos de trabalho se - e apenas se - não diminuir a jornada de trabalho, e também se forem mantidas as políticas econômicas atuais, orientadas para a produção artificial da escassez, pois dessa forma os salários são reduzidos e a taxa de lucro das grandes empresas e dos bancos, aumentada.

O paradoxo está nas políticas atuais (que diminuem o poder de compra de cada vez mais grupos sociais) que são um dos principais freios da automação e da robótica generalizadas. A possibilidade técnica de usar muitos robôs não é uma temática economicamente decisiva, mas que haja pessoas com renda suficiente para adquirir o que for produzido. O futuro não está ameaçado por robôs, mas por 24,2% de jovens espanhóis de 20 a 34 anos que não estudou nem trabalhou em 2015.

d) Pelo contrário, se as horas da jornada de trabalho forem reduzidas e a orientação da política econômica for alterada, a automação e os robôs poderiam abrir uma era de ouro para o planeta, com mais bem-estar, respeito ao meio ambiente e satisfação humana generalizada.

Acontecer uma coisa ou outra não é algo inexorável nem depende de uma lei natural, como somos levados a acreditar, mas depende da capacidade de negociação e do poder de cada grupo social, porque o que está em jogo é quem se apropria em maior medida dos fins lucrativos que a maior produtividade oferece.

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