O governo Temer será um governo de direita. "Infelizmente vamos provar desse veneno". Entrevista especial com Francisco de Oliveira

Começo da votação do impeachment de Dilma Rousseff | Foto: Agência Brasil

20 Abril 2016

“Não temos como ter clareza de se houve ou não crime, e nunca teremos. Coisas como essas o passado enterra e não há explicação possível, e isso torna a questão mais inteligível”, diz Francisco de Oliveira à IHU On-Line, ao comentar a acusação de crime de responsabilidade fiscal que fundamenta o pedido de impeachment da presidente Dilma.

Segundo o sociólogo, a atual situação política de pedido de impeachment “é muito diferente da do golpe de Estado de 64”, porque à época as razões para o impedimento foram políticas e não jurídicas, as quais tornam a análise hoje mais “confusa” e geram perguntas não respondidas com clareza, tais como “Qual é a razão jurídica? São as pedaladas fiscais?”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone na manhã de ontem (19-04-2016), o sociólogo defende a tese do "golpe”, e afirma que o pedido de impeachment é fruto de uma “conspiração” que tem a participação do vice-presidente Michel Temer e de outras figuras, as quais ainda “não sabemos” quem são. Para ele, um possível governo Temer será um governo de “direita”, que se diferenciará dos governos petistas “no sentido de barrar novas progressões de direitos humanos, sociais e políticos”.

Chico de Oliveira também comenta as manifestações de rua e afirma não ver distinção entre movimentos de direita e de esquerda. “Para mim esses são movimentos de esquerda. Não sei como as pessoas excluem isso da esquerda, porque é um movimento contra o sistema tal como ele existe e, portanto, categorialmente pode ser um movimento de esquerda”. Ele frisa ainda que por enquanto os movimentos estão muito “misturados”, e a recusa aos políticos, tais como Dilma, Temer, Cunha e outros, “é coisa do movimento, na hora, na conjuntura, e como esses são os nomes que estão aí no momento fazendo a política, a recusa não é à política, mas a nomes”.

Sobre as especulações em torno da Lava Jato, de que poderá “desaparecer” depois de um possível governo Temer, Chico de Oliveira é categórico: “A Lava Jato já produz resultados muito importantes porque ela está balançando o sistema político de uma forma que há muito tempo o Brasil não experimentava. Não creio que seja uma farsa e que, com o governo Temer, desaparecerá. Há fundamentos nas operações da Lava Jato e espero que continue”.

Chico de Oliveira (Foto: Damião Francisco - Wikimedia Commons)

Francisco de Oliveira formou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.  Professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP e autor de uma importante obra sociológica.

*Entrevista publicada originalmente nas notícias do dia em 20/04/2016. 

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é a avaliação que faz da votação de admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados?

Francisco de Oliveira – Eu acompanhei a votação pelos jornais e pela televisão e minha avaliação é a de que tudo é muito frágil e de que na verdade, se a presidente tivesse mais recursos, seria fácil desmontar essa farsa. As declarações de votos dos deputados oscilaram entre o ridículo e a farsa. É um horror.

IHU On-Line - Qual é a sua avaliação sobre os textos do pedido de impeachment e da relatoria da comissão especial da Câmara dos Deputados? Alguns analistas avaliam que o pedido de impeachment feito por Hélio Bicudo é justificado em um ressentimento com o PT. O que lhe parece?

Francisco de Oliveira – É quase ininteligível esse pedido vir do Hélio Bicudo, e com isso, penso que ele rasgou seu passado. Ninguém entendeu até hoje as razões pelas quais Hélio tomou a frente de um pedido de impeachment. Não sei se um ressentimento com o PT explicaria isso, mas trata-se de um ato completamente contra o passado dele.

IHU On-Line – A discussão sobre a legalidade do crime de responsabilidade, motivo pelo qual se pede o impeachment da presidente, é clara, dado que os juristas têm se posicionado sobre essa matéria do mesmo modo que se posicionam a favor ou contra o governo? Temos como ter clareza de se houve ou não crime?

Francisco de Oliveira – Acho que não temos como ter clareza de se houve ou não crime, e nunca teremos. Coisas como essas o passado enterra e não há explicação possível, e isso torna a questão mais inteligível. Hoje a situação é muito diferente da do golpe de Estado de 64: ali não havia razões jurídicas; havia razões políticas. Hoje, é diferente, é muito confuso: Qual é a razão jurídica? São as pedaladas fiscais? Acho que não entendemos e nunca entenderemos esses mistérios que a história vai enterrar. O que houve para que Hélio Bicudo, com seu passado de posições democráticas, saísse à frente disso? Nunca entenderemos.

IHU On-Line – Entendemos qual é o significado do impeachment na democracia ou ainda analisamos esse instrumento constitucional com os olhos de 64? O impeachment é algo claro para nós, neste momento da nossa democracia?

Francisco de Oliveira – Não é claro para nós. O impeachment é constitucional, está previsto na Constituição, mas duvido que o povo esteja entendendo. Eu próprio que não sou povo, do ponto de vista que tenho uma formação universitária, não estou entendendo. É algo extemporâneo, surgido do nada.

Hélio Bicudo nem tem funções políticas. Se o pedido tivesse surgido no meio político, daria para tentar entender as razões partidárias, políticas, mas não é o caso, porque Bicudo está fora da cena política e dá para desconfiar que ele participou de uma conspiração, da qual não sabemos quem são as outras figuras principais. Mas certamente o vice-presidente estava junto nessa conspiração e o Congresso, tão desestruturado, apoiou, basta ver as declarações de voto: por Deus, pela minha família. E Deus vota? Com muita pena, acho que nunca vamos saber.

IHU On-Line – Hélio Bicudo não pode ser visto como um representante da sociedade civil que encaminhou à Câmara dos Deputados um pedido de impeachment?

Francisco de Oliveira – Não acredito que ele seja representante de coisa alguma. De onde surgiu a fundamentação do impeachment? Das pedaladas fiscais? De repente surgiu nele uma integridade cívica e constitucional? Não dá para acreditar. Ele não é nenhum tolo, tem bastante experiência pública. De onde tirou essa motivação?

IHU On-Line – Então se trata de um golpe institucional, na sua avaliação?

Francisco de Oliveira – A meu ver, sim. Não estão muito claras as articulações, mas sabemos que o Temer está no meio e, na condição de vice-presidente da República, isso é grave.

IHU On-Line - As categorias teóricas tais como “classe”, por exemplo, ainda são suficientes para analisarmos o que acontece na política brasileira? Que categorias já não são apropriadas e através de quais podemos melhor compreender o momento político atual?

Francisco de Oliveira – Essas categorias ainda valem, mas não são suficientes. Temos de procurar outras categorias para tentar compreender os movimentos de hoje. Mas não são motivações que podem ser reduzidas a diferenças de classes, porque isso é um marxismo muito elementar.

Mesmo as categorias chamadas velhas não são descartáveis, mas é preciso fazer uma categorização da conjuntura especificamente, porque senão ficamos com uma categorização clássica, mas não conseguimos entender o processo.

Quais são as novas categorias? É muito difícil dizer de supetão, mas certamente são categorias do político que estão sendo chamadas a explicar a situação, porque a crise econômica põe lenha na fogueira, mas não é suficiente. Precisamos ir mais fundo, mas a fundamentação do Hélio Bicudo é completamente extemporânea, porque se as pedaladas fossem base suficiente para o impeachment, o país viveria em eterna crise, porque tudo que Hélio alegou existe o tempo todo não só no Brasil, mas em democracias mais estáveis.

IHU On-Line – Como está acompanhando as manifestações de movimentos como o MBL e o Vem pra Rua, que muitos chamam de “movimentos da direita”? Eles compreenderam melhor as demandas da população e as posições políticas das ruas, já que se colocam contra Dilma, Temer e Cunha, por exemplo?

Francisco de Oliveira – Pode ser, mas não é fácil de definir. Na verdade para mim esses são movimentos de esquerda. Não sei como as pessoas excluem isso da esquerda, porque é um movimento contra o sistema tal como ele existe e, portanto, categorialmente pode ser um movimento de esquerda.

Essa recusa aos políticos é coisa do movimento, na hora, na conjuntura, e como esses são os nomes que estão aí no momento fazendo a política, a recusa não é à política, mas a nomes. Se houver a recusa à política, aí estamos mal.

IHU On-Line – Então o senhor não faz distinção entre aqueles que foram para as manifestações de verde e amarelo como sendo os representantes da classe média alta e aqueles que foram junto com movimentos sociais e o PT, de vermelho? Tudo isso faz parte de uma mesma manifestação?

Francisco de Oliveira – No momento em que eles se conjugam, é. As origens sociais podem ser bastante diferentes, mas duvido que a direita tal como a podemos reconhecer, sozinha, levasse gente para a rua. Não leva. Trata-se de um sentimento que se organiza em torno da esquerda. Imagina se a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp coloca gente para a rua; a Fiesp monta o seu acampamento e fica por ali.

IHU On-Line – O que o senhor entende por direita? Quem é a direita hoje no país?

Francisco de Oliveira – É difícil dizer, mas o ponto é que a direita não coloca ninguém na rua. Mas isso não significa dizer que eu esteja vendo com clareza o que é esquerda e direita nessa conjuntura. Está tudo muito misturado e só vamos ver quem é esquerda e direita depois, com o governo Temer. Por enquanto está tudo muito eufórico, tudo muito junto. Minha aposta é que o governo Temer será um governo de direita.

IHU On-Line – Um possível governo Temer sendo de direita, em que medida ele será diferente do que foram os governos Dilma e Lula, tão “acusados” de serem neoliberais pela própria esquerda? Qual será a diferença específica entre os dois?

Francisco de Oliveira – Vai ser muito grande e infelizmente vamos provar desse veneno. Não é verdade que será um governo na mesma linha dos governos Lula e Dilma; isso é exagero. Não será nada igual.

IHU On-Line – Em que pontos o senhor vê diferenças entre eles?

Francisco de Oliveira – É mais no sentido de barrar novas progressões de direitos humanos, sociais e políticos, mas ele não é louco de iniciar um mandato revogando leis trabalhistas, direito de greve etc. Se fizer isso, cai no outro dia.

IHU On-Line - O PSOL, apesar de ter votado contra a admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados e ter sido elogiado pela esquerda, tem recebido algumas críticas por sair em defesa do PT em alguns momentos. Como vê o protagonismo do PSOL na cena política neste momento?

Francisco de Oliveira – É difícil fazer essa avaliação, já que sou filiado ao PSOL. Mas as posições estão sendo corretas e temos de defender o PT nessa conjuntura, não esquecendo tudo que o PT já fez de errado. Vi o pronunciamento do Ivan Valente na hora de votar e assino embaixo.

IHU On-Line – Mas não seria a hora de o PSOL assumir mais protagonismo e se lançar como uma esquerda diferente da do PT? Por que a defesa ao PT neste momento?

Francisco de Oliveira – Porque o PT tem a maioria dos votos da população, porque tem bases sociais reais. O PSOL não pode preencher o lugar do PT porque não tem essas bases sociais; o PSOL é um projeto de longo prazo.

IHU On-Line - A esquerda já tem condições de se autoavaliar? Que questões deveriam estar presentes nesta autoavaliação?

Francisco de Oliveira – Não tem condições ainda porque autoavaliação não pode ser uma autoflagelação. Uma autoavaliação no momento é necessária para reposicionar novas atitudes, mas só com o tempo ela produzirá efeitos no posicionamento político do PSOL.

IHU On-Line – O senhor tem pensado no que seriam soluções possíveis para crise neste momento?

Francisco de Oliveira – Não sei. No momento seria tudo muito conjuntural. Na verdade, precisa haver um longo processo de reformas políticas, reformas que deem maior protagonismo às questões sociais e escrevam mais na agenda do Congresso as questões populares. Não é fácil de dizer e isso não será feito de uma forma atabalhoada, mas é preciso melhorar muito a representação popular. Se aquela que vimos na Câmara dos Deputados é a representação do povo brasileiro, então nós estamos mal.

IHU On-Line - Alguns sugerem que a presidente Dilma deveria sugerir um pacto para que não fosse dado prosseguimento ao processo de impeachment. Isso seria uma saída possível na atual conjuntura?

Francisco de Oliveira – Não sei dizer. Minha tendência é dizer que não. Do modo como estão correndo em busca do poder, acho que com qualquer coisa que passe pelo Congresso agora, ela não tem muitas chances.

IHU On-Line – Muito menos eleições gerais?

Francisco de Oliveira – Muito menos eleições gerais. Imagine se o Michel Temer, que não tem cacife popular, pois ele foi sempre vice, vai encarar eleições gerais. Ele pode ser presunçoso, mas tolo não é.

IHU On-Line - Alguns sugerem uma Constituinte Exclusiva. Como o senhor avalia esse tipo de possibilidade? Seria possível uma Constituinte Exclusiva sem reescrever toda a Constituição? Quais os limites dessa alternativa?

Francisco de Oliveira – É muito remota. Quem vai convocar essa Constituinte Exclusiva? Isso é mais teoria do que política. Não vejo muita chance, porque não vejo que forças teriam condições de convocar uma Constituinte Exclusiva.

IHU On-Line - Como vê os discursos de que a Lava Jato foi usada para legitimar a queda do PT e de que vai sumir paulatinamente do noticiário até o fim do ano, com um possível governo Temer? Vê isso como uma possibilidade ou uma especulação?

Francisco de Oliveira – A Lava Jato já produz resultados muito importantes porque ela está balançando o sistema político de uma forma que há muito tempo o Brasil não experimentava. Não creio que seja uma farsa e que, com o governo Temer, desaparecerá. Há fundamentos nas operações da Lava Jato e espero que continue.

Francisco de Oliveira – É um governo de direita, para começar. Por mais que se esforce para se explicar, será um governo de direita, então não se deve esperar muito dele, sobretudo no item de reformas sociais: ele é visceralmente contra. Não se dá um golpe de Estado, tal como vai se consumar, provavelmente com a posição do Senado, para fazer reformas sociais; isso nunca se viu na história. Portanto, é um governo de direita.

IHU On-Line – Com um possível governo Temer, vislumbra a possibilidade de fortalecimentos dos movimentos sociais, já que eles foram cooptados pelo PT?

Francisco de Oliveira – Não vejo. Será uma surpresa agradável se os movimentos sociais se reposicionarem frente a um possível, hoje quase inapelável, governo Michel Temer, mas não será fácil colocar a população na rua.

IHU On-Line – Por quê?

Francisco de Oliveira – Porque há conjunturas em que chamar às ruas funciona, e noutras não funciona. Não acredito que, no momento ou em futuro muito próximo, possa se chamar às ruas contra o governo Temer; seria muito precipitado, porque ele não mostrou a cara ainda.

IHU On-Line - Depois dessa crise política, o sistema político sairá fragmentado ou mais forte?

Francisco de Oliveira – Bastante mais fragmentado, é a projeção de futuro. Esse governo Temer não será fácil, ele terá que fazer concessões a cada força política e não governará.

IHU On-Line - Quais alternativas políticas podem surgir após um possível governo Temer?

Francisco de Oliveira – É difícil, isso está muito longe de acontecer no tempo e no espaço. Mas acredito que qualquer nova proposta de esquerda terá muita dificuldade; a esquerda está sem credibilidade e isso durará algum tempo.

IHU On-Line - Quais seriam as novas agendas da esquerda? Há quem aposte numa esquerda mais focada nas questões ambientais e financeiras. Como vê essa pauta para a esquerda?

Francisco de Oliveira – A esquerda é eterna e continuará valendo por toda a eternidade.

IHU On-Line - O senhor é sempre otimista.

Francisco de Oliveira - Não sou otimista, ao contrário, se tenho que martelar as questões sociais quase eternamente, é porque as coisas não se resolvem. De modo que não acho que a esquerda vai ser ambientalista; isso é coisa da Marina Silva, mas ela não tem a menor chance. Esse é um discurso bonito, mas que na política vale pouco.

IHU On-Line – Então o papel da esquerda é a luta pelas questões sociais?

Francisco de Oliveira - Sempre. Sempre. Esse é o papel dela.

IHU On-Line - Lula ainda tem um papel político importante na esquerda e no PT?

Francisco de Oliveira - Ainda tem. É bom ele exercê-lo rapidamente, antes que se esgote o ciclo histórico que está para se encerrar; ele tem que tomar posições urgentes e radicais.

IHU On-Line – Como quais, por exemplo? O que tem em mente?

Francisco de Oliveira - Não tenho nada em mente (risos). Tem que sair à frente do PT de novo, propor coisas radicais. Se vier com panos quentes, ele será carta fora do baralho.

 

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