24 Fevereiro 2022
"Os saudosistas do padrão de família numeroso e os ideólogos crescentistas lamentam essa nova realidade e alardeiam um futuro de muita dificuldade para a China", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 23-02-2022.
Existe um pensamento comum que faz apologia do crescimento populacional e vende a ideia de que um país só enriquece e avança com a ciência e a tecnologia num quadro de aumento do número de habitantes. Nesta hipótese, a pressão populacional seria o combustível para a inovação.
Evidentemente, como a população humana cresceu 2 mil vezes no Holoceno, passando de cerca de 4 milhões de pessoas no ano 10 mil antes de Cristo para 8 bilhões em 2023, todo avanço na renda e na ciência e tecnologia estão relacionados ao crescimento demográfico, pois o aumento do número de habitantes é a norma básica prevalecente na grande maioria dos últimos 12 mil anos.
Mas daí concluir que para avançar no bem-estar e no progresso tecnológico o mundo e os países precisam de crescimento populacional já é uma hipótese meio risível e que não se sustenta na realidade. É impossível manter um crescimento demoeconômico infinito em um Planeta finito, especialmente no contexto econômico e ambiental do século XXI. O desafio atual é garantir o progresso humano e ecológico ao mesmo tempo, sem acelerar a crise climática e a perda de biodiversidade.
Por isto, soa estranho quando o pronatalismo antropocêntrico e ecocida diz que as quedas das taxas de fecundidade vão provocar uma “crise demográfica”, ou um “inverno demográfico” ou um “suicídio populacional”. Será que o decrescimento populacional levaria ao “fim do mundo”?
Vejamos o exemplo da China, o país mais populoso do mundo. Em 1949, na chegada de Mao Tsé-Tung ao poder, a China tinha cerca de 550 milhões de habitantes, passou para 1 bilhão em 1980, cerca de 1,29 bilhão no ano 2000 e 1,41 bilhão em 2022. Foi um crescimento absoluto impressionante. Porém, ainda no atual quinquênio (2021-2025) a população chinesa vai começar a diminuir e o gigante asiático vai perder pelo menos 400 milhões de pessoas (cerca de dois Brasis) até 2100. A população em idade ativa (PIA de 15 a 59 anos) vai diminuir pela metade de cerca de 1 bilhão para algo em torno de 500 milhões de pessoas, conforme mostram os gráficos abaixo da Divisão de População da ONU.
Foto: Reprodução | EcoDebate
O número anual de nascimentos chegou a 30 milhões na década de 1960 e caiu para menos de 15 milhões em 2019, segundo as projeções da Divisão de População da ONU. O impacto da pandemia da covid-19 aumentou o número de mortes e reduziu o número de nascimentos, que ficou em torno de 11 milhões em 2021 e 2022, segundo dados oficiais do governo chinês divulgados pelo jornal Global Times. As duas curvas, praticamente, se encontraram, como mostrado no gráfico abaixo. A perspectiva é que o número de óbitos continue aumentando em função do envelhecimento populacional e o número de nascimentos diminua devido a manutenção de baixa taxa de fecundidade conjugada com um menor número mulheres em período reprodutivo.
Foto: Reprodução | EcoDebate
Os saudosistas do padrão de família numeroso e os ideólogos crescentistas lamentam essa nova realidade e alardeiam um futuro de muita dificuldade para a China. De acordo com projeções do IHME da Universidade de Washington a população chinesa ficaria em torno de 800 milhões de habitantes em 2100. Mas será que uma redução do número de habitantes no país mais populoso do mundo será uma danação? Ou será uma solução?
Evidentemente, a China não vai desaparecer e nem será um país irrelevante em termos demográficos, pois terá uma população de várias centenas de milhões de habitantes no final do atual século. Os populacionistas alertam para dois problemas: 1) o envelhecimento populacional; e 2) a diminuição da população em idade de trabalhar.
De fato, haverá uma grande mudança na estrutura etária da população, com diminuição do número de jovens e adultos e o aumento da percentagem de idosos, conforme mostram as figuras abaixo.
Foto: Reprodução | EcoDebate
Mas o envelhecimento populacional não é uma calamidade e nem um obstáculo intransponível. Como mostrei no artigo, “Envelhecimento populacional e terceiro bônus demográfico na China” (Alves, 15/09/2021), “é possível aproveitar o 3º bônus demográfico em função do aproveitamento do potencial de inserção da população idosa no mercado de trabalho, que tem o efeito de contrabalançar a diminuição da PIA. Assim, o processo de envelhecimento não implica necessariamente em cair na armadilha da renda média como no Brasil atual”.
Também a redução da população em idade ativa (PIA) não é um entrave escatológico, pois a China possui altas taxas de poupança e investimento que renovam o parque produtivo do país, avançando com a ciência e a tecnologia, permitindo que o conjunto da força de trabalho fique mais produtiva, inclusive a população idosa.
De acordo com o programa “Made in China 2025”, o gigante asiático está se preparando para avançar na liderança de setores produtivos fundamentais para a 4ª Revolução Industrial, como mostra a figura abaixo. A China pretende não apenas ser vanguarda em setores de ponta, como planeja avançar na produção de robôs, na automação industrial e na construção de uma economia informatizada. é perfeitamente possível aumentar o bem-estar humano e ambiental com a diminuição da população, como veremos a seguir.
Foto: Reprodução | EcoDebate
A China está mudando o foco do crescimento extensivo e intensivo em trabalho para um modelo de crescimento qualitativo e intensivo em ciência e tecnologia, visando a chamada “prosperidade comum”, isto é, progresso com foco na redução da desigualdade social. Haverá menos empregos, mas postos de trabalho mais produtivos, gerando maior valor agregado.
A China terá uma população menor e uma estrutura etária mais envelhecida, mas poderá ser uma população mais saudável, mais bem educada e qualificada e mais adaptada à tecnologia e à sociedade da informação e do conhecimento. Além do mais, é possível usar robôs para auxiliar no cuidado de idosos, como mostrei no artigo “O envelhecimento e os robôs”, aqui no Ecodebate (ALVES, 19/11/2018).
Portanto, em vez de pensar em manter o incremento populacional a China está se preparando para crescer economicamente com menor desigualdade e com uma força de trabalho mais produtiva. Com menor volume populacional, a China se prepara não apenas para garantir maior qualidade de vida de seus habitantes, mas também pretende mitigar os seus imensos problemas ambientais.
A China é o maior emissor de gases de efeito estufa e lança grande quantidade de produtos químicos e lixo no solo, nos rios e oceano. Por conseguinte, a perspectiva para as próximas décadas é de decrescimento populacional com maior eficiência produtiva e energética visando elevar também o padrão de vida ambiental. Resta saber se estas mudanças ocorrerão a tempo de evitar um colapso ecológico global, tal como prenunciado pelas análises científicas que mostram a sobrecarga da Planeta e a debilidade dos ecossistemas.
ALVES, JED. Envelhecimento populacional e terceiro bônus demográfico na China, Ecodebate, 15/09/2021. Disponível aqui.
ALVES, JED. O envelhecimento populacional e os robôs, Ecodebate, 19/11/2018. Disponível aqui.
ALVES, JED; CAMARANO, AA. Tendências demográficas e pandemia de covid-19, Webinário IPEA, 23/06/2021. Disponível aqui.
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A China com menos gente e mais robôs e automação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU